Cresce demanda internacional por enfermeiros. Veja como trabalhar fora do país

Faltam enfermeiros em boa parte dos países desenvolvidos. E o Brasil é bem servido na área, tanto na quantidade como na qualidade dos profissionais. Resultado: uma porta aberta para quem deseja trabalhar no exterior.

Por Juliana Américo
10 dez 2021, 05h45
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 (Celso Doni/VOCÊ S/A)
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Faltam enfermeiros no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem 27,9 milhões de profissionais de enfermagem atuando em todos os países. Destes, 19,3 milhões são, de fato, enfermeiros. Ou seja, fizeram um curso de graduação na área. Os demais são técnicos ou auxiliares. É pouco. A OMS estima um déficit de 5,9 milhões de profissionais.

O cálculo da OMS não diz respeito ao mercado de trabalho, mas à necessidade social. A maior parte desse déficit, então, se concentra nos países pobres. Mas o fato é que os países desenvolvidos também sofrem com a falta desses profissionais – por conta do envelhecimento populacional, que aumenta a demanda por cuidados hospitalares ano após ano.

Para driblar esse problema, vários governos pelo mundo estão se mobilizando para contratar mais gente. O Reino Unido, por exemplo, planeja recrutar 50 mil enfermeiros até 2024 para trabalhar no NHS, o SUS britânico. Eles calculam que 12 mil virão de outros países.

A Alemanha prevê mais ainda: 300 mil vagas de enfermagem a serem preenchidas até 2030. E sabe que vai precisar de profissionais de fora para preencher a demanda. Em 2019, o ministro da Saúde, Jens Spahn, criou uma agência para reduzir o processo de imigração desses profissionais de dois anos para seis meses.

O Canadá faz algo parecido. Entre maio e novembro deste ano, tocou um programa piloto de imigração para atrair 20 mil profissionais de saúde. A Austrália é outro país desenvolvido que facilita a entrada de enfermeiros interessados em trabalhar no país.

Nesse cenário, o Brasil entra como exportador de mão de obra. Estamos entre os países com maior densidade de enfermeiros. São mais de 100 profissionais para cada 10 mil habitantes, índice semelhante aos do Japão e da França. O Conselho Federal de Enfermagem estima haver 2,5 milhões de brasileiros no setor, sendo 439 mil auxiliares, 1,49 milhão de técnicos e 631 mil com curso superior.

“O Brasil é considerado um grande formador de enfermeiros, tanto na quantidade de profissionais quanto na qualidade do ensino”, afirma Ana Carolina Bhering, coordenadora da área de enfermagem do Senac São Paulo.

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De fato, os brasileiros ganham pontos no mercado internacional. “A formação do enfermeiro aqui no Brasil é mais generalista. E é isso que os hospitais estão procurando. Lá fora, o curso não tem uma interação com todo o resto do hospital. Ele é bem mais setorizado. Quando chega um profissional brasileiro, percebem que ele tem mais conhecimento sobre as diferentes áreas hospitalares, sabe trabalhar com crianças, adultos e idosos, além de lidar bem com casos de alta complexidade”, diz Mirian Paixão, diretora da empresa de recrutamento Conector RH.

Processo burocrático

A oferta de profissionais no Brasil aliada à demanda no exterior, de qualquer forma, não garante que o caminho para trabalhar como enfermeiro fora do país seja suave.

A enfermagem é uma profissão regulamentada. Significa que a graduação é obrigatória – sim, os auxiliares e técnicos ficam de fora dessa história, então simplesmente não podem atuar no exterior. Para quem tem diploma, é preciso revalidar o certificado – e cada local tem suas regras.

Quem cuida disso são os conselhos de enfermagem de cada país. O dos EUA, inclusive, mantém uma comissão só para avaliar o currículo de enfermeiros estrangeiros: é o Commission on Graduates of Foreign Nursing Schools*. Eles avaliam a grade para garantir que ela seja equivalente aos cursos americanos – e só a tarifa para essa vistoria já custa US$ 365.

Se estiver tudo certo, você recebe uma autorização para realizar o exame NCLEX (National Council Licensing Examination). Trata-se de uma prova de conhecimentos em enfermagem que os profissionais americanos e estrangeiros precisam fazer para poder exercer a profissão. É o equivalente para os enfermeiros americanos ao que o exame da OAB representa para os que se formaram em Direito.

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Se a prova for feita lá nos EUA, ela custa US$ 200; se for realizada aqui no Brasil, rola uma taxa extra de US$ 150. Os estrangeiros também precisam de, no mínimo, dois anos de experiência na área para tentar a sorte.

Quem ainda não conseguiu revalidar o diploma geralmente atua como cuidador. “A gente vê muitos enfermeiros vindo aqui para o Canadá e trabalhando como cuidador de idosos ou de pessoas com necessidades especiais, enquanto passam pelo processo de revalidação”, afirma Celina Hui, diretora da consultoria de imigração Immi Canada.

Independentemente do conselho local aplicar ou não uma prova, os profissionais precisam estudar sobre a prática de enfermagem no país. Por mais que saúde e doença sejam conceitos universais, as regras e procedimentos clínicos variam de acordo com a legislação. A vacina BCG, por exemplo, não é obrigatória na Itália e nos EUA. No Brasil, os bebês recebem nas primeiras horas de vida.

Nesse processo de revalidação, é preciso reunir toda a sua documentação profissional: diploma, descritivo e carga horária das disciplinas mais os comprovantes de estágio e de experiências profissionais. Tudo isso precisa de uma tradução juramentada, que garante que as informações são verdadeiras. E aí vêm mais custos: o valor médio de uma tradução desse tipo é de R$ 100 por página.

Além disso, todos os países exigem a comprovação de proficiência no idioma local. Lógico: os profissionais de saúde lidam diretamente com o público e precisam compreender perfeitamente as queixas dos pacientes, além de orientar sobre tratamentos. Não dá para trabalhar na base do enrolation.
Bom, todos os processos que vimos aqui costumam levar de 12 a 24 meses.

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(Celso Doni/VOCÊ S/A)

Welcome to Germany

A soteropolitana Neide Jane Oliveira faz parte do grupo de profissionais que está arrumando as malas. A enfermeira, de 38 anos, atua na área há 14. Seu pacote é completo: curso técnico, graduação mais especializações em emergência, UTI e centro cirúrgico. Infelizmente (para os pacientes brasileiros) ela decidiu sair. Tanto para realizar um sonho antigo como para dar mais oportunidades ao filho. “Sempre quis crescer profissionalmente e sair do país. E não é só por mim, mas também para o meu filho. Ele tem 15 anos, pratica ginástica olímpica, e outros países têm projetos melhores em relação ao esporte.”

Há um ano e dois meses, ela começou o processo de imigração para a Alemanha. Por enquanto, o maior desafio é o idioma. “O aprendizado de alemão é uma das coisas que eu mais tenho me esforçado. Depois ainda vai vir todo o desafio de se adaptar a um novo país, com uma nova cultura.”
Na parte de documentação, Neide está mais tranquila. Ela já está com vaga garantida lá: vai trabalhar nas áreas de centro cirúrgico e UTI do hospital universitário de Göttingen (a meio caminho entre Berlim e Frankfurt). O hospital e a Conector RH, então, estão cuidando da burocracia de visto e da revalidação do diploma.

A Alemanha tem uma entidade interessante: o Escritório Central de Educação Estrangeira. É um departamento responsável pela revalidação de todos os profissionais regulamentados que querem trabalhar no país.

É só apresentar a documentação e, caso alguma matéria da faculdade brasileira não for equivalente, cursar essas aulas em uma universidade alemã. O processo para receber o certificado custa 485 euros e pode levar até seis meses. Como a Neide já tem um empregador, é o hospital que está arcando com esses custos.

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A mudança ainda não tem data certa para acontecer, mas não passa do primeiro semestre de 2022. Sobre voltar para o Brasil no futuro, ela é enfática: “Pretendo não voltar mais. O plano é só passar férias para visitar a família.”

Um dia na vida

Salário médio
Alemanha – US$ 3.304
Austrália – US$ 3.953
Canadá – US$ 3.553
EUA – US$ 4.410
Irlanda – US$ 3.758
Reino Unido – US$ 3.889
Portugal – US$ 1.422

Quem contrata lá fora
Hospitais, postos de saúde, clínicas e empresas que oferecem serviços de cuidadores.

Pontos positivos
Além da experiência internacional, os profissionais que decidem sair do país têm contato com novas tecnologias e tratamentos de saúde. O salário, dependendo do país e da cotação da moeda, não se compara. Na Alemanha, por exemplo, são quase R$ 20 mil, contra cerca de R$ 6 mil no Brasil.

Pontos negativos
Prepare o bolso e a paciência. O processo de imigração e revalidação do diploma pode levar até dois anos e os custos são altos.

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Principais competências
Para a profissão, empatia, escuta ativa e perfil de liderança. Para o processo de imigração, organização e inteligência emocional, para lidar com as diferenças culturais.

O que fazer para atuar na área
Curso superior em Enfermagem e experiência de, pelo menos, três anos na área. Especializações e cursos de pós-graduação são bem-vindos. Mas todos os diplomas precisam ser validados no novo país. E, claro, o domínio avançado do idioma local é indispensável.

Fonte: Glassdoor
*Comissão para Graduados em Faculdades Estrangeiras de Enfermagem

 

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