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O que faz e como se tornar um enólogo

Há seis cursos de graduação em enologia no país. Entenda o que faz esse profissional, que controla toda a cadeia de produção dos vinhos: do cultivo das uvas até o cálice.

Por Juliana Américo | Design: Brenna Oriá e Caroline Aranha
17 nov 2021, 10h30

O ano é 1896. O casal de italianos Angelo Cristofoli e Maria Dalla Senta desembarcou no Brasil e se instalou na cidade de Bento Gonçalves (RS). Compraram algumas terras e começaram uma plantação de uvas. As frutas eram vendidas e, com o que sobrava, a família produzia alguns barris de vinho para consumo próprio.

A fazenda passou de pai para filho até chegar aos irmãos Loreno e Mário – bisnetos dos imigrantes. Nos anos 1980, a hiperinflação estava dificultando as vendas de uvas. Então decidiram aumentar o negócio para conseguir uma renda extra. Assim, em 1986, abriram a Vinícola Cristofoli e passaram a vender os vinhos que, até então, eram só para a família. No mesmo ano, nasceu a primeira filha de Loreno, a Bruna.

A menina cresceu entre as parreiras e começou a ajudar na produção ainda criança. Por isso, não foi nenhuma surpresa para a família quando ela decidiu fazer, ao longo do ensino médio, um curso técnico em enologia. Para quem não está familiarizado com o mercado de bebidas, o enólogo é o profissional especializado na produção de vinhos, espumantes, conhaques e grappa (um destilado italiano feito com o bagaço de uva).

Bruna até pensou em prestar vestibular para Química, mas a paixão pelo vinho e a vontade de profissionalizar o negócio da família falaram mais alto. “Eles começaram sem muita instrução. Então, mesmo nova, passei a ver as melhorias que precisavam ser feitas na vinícola, no produto e também na área administrativa”, relembra.

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Ela acabou fazendo um curso superior em Viticultura e Enologia, e também uma pós-graduação na área. Durante os estudos, no Instituto Federal de Bento Gonçalves, estagiou em uma vinícola vizinha à de sua família, a Dal Pizzol, e também na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Ainda teve a oportunidade de participar das vindimas (período entre a colheita das uvas e o início da produção do vinho) em vinícolas da Itália e Alemanha.

Bruna, hoje com 35 anos, controla a empresa desde 2004 – que, claro, continua familiar. O irmão Lorenzo e a prima Letícia (filha de Mário), ambos também enólogos, ajudam na parte administrativa. O pai e o tio continuam cuidando do vinhedo, enquanto a mãe e a tia preparam pratos típicos da região para harmonizar com os vinhos servidos para os turistas.

Mulher segurando uma taça de vinho

Cientistas do vinho

A profissão foi regulamentada em 2007. Significa que, para atuar como enólogo, é necessária uma formação acadêmica na área.
Mas tem um problema: somente seis instituições de ensino oferecem cursos de enologia reconhecidos pelo Ministério da Educação. E quatro delas ficam no Rio Grande do Sul. O motivo é óbvio. O Estado é o principal produtor de vinho, segundo as estimativas da Embrapa, representando mais de 60% da produção nacional.

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Entre as opções gaúchas, dá para estudar na Universidade Federal do Pampa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de Caxias do Sul e nos campi de Bento Gonçalves e Visconde da Graça do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia.

O Instituto Federal também tem cursos em Santa Catarina (Urupema) e São Paulo (São Roque). A única opção fora desse eixo é o Instituto Federal do Sertão Pernambucano, que fica em Petrolina, o polo nordestino da vinicultura. A cidade tem roteiros enoturísticos junto com outros municípios do Vale do São Francisco. A região, diga-se, vem despontando no setor de vinhos e já abastece 15% do mercado brasileiro.

Outra opção para atuar na área é fazer uma graduação em agronomia e depois partir para um curso de pós-graduação em Viticultura e Enologia.
Um enólogo é mais do que um especialista em vinhos. É um profissional que domina o processo de produção de ponta a ponta. Primeiro, o enólogo precisa entender tudo de uva: métodos de plantio, controle de pragas, condições do solo, genética para melhorar as mudas, colheita, processamento, maturação. Enfim: é alguém que sabe o longo caminho da planta ao cálice, e precisa lidar com os problemas que aparecem ao longo dessa jornada.
“É desafiador, porque você depende de coisas que fogem um pouco do controle, como a temperatura e quantidade de chuvas. É sempre um grande desafio conseguir as uvas no ponto de maturação para fazer o vinho que você deseja”, afirma Bruna.

Além disso, produzir vinho é quase um projeto científico. Você precisa entender de bioquímica para acompanhar devidamente o processo de fermentação, envelhecimento, conservação da bebida na adega e envase. O enólogo também é responsável pelo controle de qualidade e testes de estabilização, para garantir que o vinho não sofrerá alterações até o seu consumo. Você precisa, inclusive, ser registrado no Conselho Regional de Química para ser o responsável técnico de uma vinícola.

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E, claro: também entra a parte mais conhecida. É o enólogo quem faz a análise sensorial das bebidas para avaliar se ela está dentro do esperado. “A gente degusta o vinho durante toda a produção. Então, você tem que experimentá-lo em várias etapas, antes de estar pronto, e identificar se tem as características necessárias para virar um bom vinho e se é preciso fazer algum ajuste, correção ou misturar uvas diferentes.”

Além das vinícolas

Pode parecer que os enólogos passam os seus dias entre as parreiras e dentro das adegas. Mas hoje eles têm um papel mais amplo. Os profissionais ganharam espaço nas empresas de importação e exportação de vinhos, assim como nos e-commerces e lojas especializadas.
Tudo por conta do crescimento do mercado de vinhos no Brasil. De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, no ano passado, o consumo da bebida no país cresceu 18,4%.

Os brasileiros beberam 430 milhões de litros no ano – ou uma média de 2,6 litros de vinho por pessoa com mais de 15 anos. Claro que não chega aos pés dos maiores consumidores: os portugueses encabeçam a lista, com 51,9 litros per capita ao ano. Em seguida está a Itália (46,6 litros) e a França (46 litros). Mas também mostra que o setor tem muito para onde crescer.

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Além disso, as regiões que abrigam as vinícolas tendem a se tornar pontos turísticos. E isso pede um quê de criatividade e de marketing ao enólogo. “Participei de missões de benchmarking [análise das melhores práticas usadas por empresas do mesmo setor] na Argentina, Chile e Portugal, que são lugares que recebem muitos brasileiros. Então, pude entender o que agradava essas pessoas, o que elas queriam ver ou consumir e como eu poderia oferecer tudo isso aqui no Brasil”, afirma Bruna. Um brinde.

Um dia na vida

Atividades-chave: controlar todo o processo de produção de uma vinícola, do cultivo de uvas à análise sensorial das bebidas; elaborar novos vinhos.

Quem contrata: vinícolas, exportadoras e importadoras e indústrias de vinificação (como fabricantes de equipamentos e barris).

Pontos positivos: a ampla grade curricular permite trabalhar da produção do vinho até a sua comercialização. Em outros países, o mercado já está consolidado, o que abre portas para trabalhar no exterior.

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Pontos negativos: existem poucos cursos de enologia no Brasil, e a maioria deles fica na região Sul.

Principais competências: planejamento para acompanhar as etapas de produção; criatividade para desenvolver novos produtos; paladar e olfato aguçados.

O que fazer para atuar na área: um curso técnico ou de graduação em enologia. Para quem é formado em agronomia, basta uma especialização ou pós-graduação na área. Um segundo idioma é bem-vindo. O inglês é o principal, mas francês, italiano e espanhol também são importantes.

Salário médio*: R$ 5.200

*Fonte: Glassdoor

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