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Conheça 9 mitos sobre o trabalho neste livro

Obra destrincha jargões como “pessoas precisam de feedback” e “todos têm potencial”. Leia trecho inédito.

Por Monique Lima
Atualizado em 18 dez 2020, 08h25 - Publicado em 6 dez 2020, 00h01

O que é um “ponto forte”? Algo que você faz muito bem, certo? Segundo o consultor de negócios Marcus Buckingham, não. Autor de diversos livros sobre o tema, como Descubra seus Pontos Fortes (Sextante, 2017) e Quebre Todas as Regras (Sextante, 2011), ele defende que “pontos fortes” são atividades que nos trazem satisfação, mas nas quais não somos necessariamente bons, e que a ideia de consertar “pontos fracos” para evoluir profissionalmente é um erro.

Seu livro mais recente, escrito com o vice-presidente de Métodos & Inteligência da Cisco, Ashley Goodall, está recheado dessas controvérsias. Nove Mitos sobre o Trabalho destrincha jargões como “pessoas precisam de feedback”, “todos têm potencial” e “bons profissionais se importam com as empresas onde trabalham”. Com lançamento do livro no Brasil marcado para janeiro, neste trecho selecionado com exclusividade por Você S/A, os autores explicam seu conceito de “ponto forte” com o exemplo de Lionel Messi.


TRECHO DO LIVRO 

Mito 4 – Os funcionários mais completos são os melhores

Observe Lionel Messi driblando. Entre no YouTube, digite “melhores dribles de Messi”, clique em qualquer um dos vídeos que aparecerem e você verá um homem pequenino, com pés mágicos, correndo no que parece ser uma velocidade duplicada, passando por zagueiro após zagueiro, até entrar na grande área e chutar (…).

- (…) Todos aqueles que, como nós, se interessam pela excelência podem tirar proveito do estudo de uma habilidade sobrenatural em ação: podemos conjecturar como ela surgiu, analisar a técnica, dissecar os componentes ou simplesmente nos maravilhar com a fluidez de sua maestria e tentar imaginar em que aspecto da nossa vida também podemos apreciar algo tão natural.

Lionel Messi nasceu na cidade portuária de Rosário, na Argentina. Sempre foi um menino veloz. Nos vídeos de suas primeiras partidas de futebol, feitos pela mãe, é possível vê-lo passando por um adversário atrás do outro como se a bola, grande demais para ele, o puxasse adiante por um fio. Ele era tão prodigioso que, vindos do outro lado do Atlântico, olheiros do Barcelona foram vê-lo pessoalmente, e, na tenra idade de 13 anos, Messi foi levado de casa para La Masia, a lendária escolinha de base do Barcelona. Ali, deu continuidade a um tratamento com hormônios para seu problema de crescimento, e esperaram que sua estatura física alcançasse a estatura de seu talento. Nunca alcançou: ele parou em 1,70 metro, e continuou magricela como os meninos que jogam nas ruas das villas miserias argentinas.

De alguma forma, porém, isso não parecia fazer diferença. Seu dom era tão extraordinário – a bola parecendo magicamente amarrada às suas chuteiras, qualquer que fosse sua velocidade ou suas acrobáticas mudanças de direção – que tornava irrelevante sua pouca altura. Ele entrou para o time principal do Barcelona aos 17 anos e tempos depois se tornaria o melhor jogador de futebol do mundo e, na opinião de muitos, o maior de todos os tempos. Assista a ele agora, e assista com atenção, porque talvez nunca mais vejamos algo parecido.

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Embora qualquer um dos vídeos do YouTube possa servir como uma amostra de “melhores momentos”, aquele que mais demonstra seu talento é um gol que Messi marcou contra o Athletic Bilbao, na final da Copa del Rey de 2015. Achamos que vale a pena descrevê-lo em detalhes, porque, embora muito do que ele faz em poucos segundos seja assombroso (não só pela bomba que ele dispara no fim de sua arrancada), o lance revela algo a respeito dele que é bizarro e, ao mesmo tempo, a própria razão de sua genialidade.

Ele recebe um passe na linha de meio-campo e, por um instante, fica totalmente parado com a bola nos pés, com um defensor na frente dele e o restante dos adversários posicionados entre ele e o gol. Então, como se tivesse sido dominado por uma ideia repentina, ele dispara para a esquerda, faz uma finta para a direita, deixa o defensor mais próximo no contrapé e decola pela linha lateral. Três outros adversários o cercam, tentando encurralá-lo bem longe do gol. Messi reduz a velocidade por um momento, inclina o ombro para a direita, acelera para a esquerda, toca a bola entre as pernas de um zagueiro e, de uma vez só, se livra de todos os três e arranca para a grande área. Mais dois jogadores do Bilbao aceleram querendo bloqueá-lo, mas, de alguma forma, ele ilude essa nova ameaça, com as pernas em modo acelerado e a bola na medida para o pé esquerdo, na posição perfeita para a finalização. Ele chuta. Faz o gol. Os jogadores do Barcelona comemoram com ele, e, enquanto Messi volta para sua metade do campo para o reinício do jogo, até os torcedores do Bilbao batem palmas, admirados. O maior de todos os tempos.

Assista a esse vídeo várias vezes e você encontrará muitas coisas com que se maravilhar: a aceleração dele de zero à velocidade máxima, a noção inata de espaço e do ângulo mais agressivo para correr em direção ao gol, a decisão inesperada de chutar rente à primeira trave. Mas, de longe, a descoberta mais incrível à sua espera é que, durante o pique a partir da linha do meio-campo, passando por sete adversários até a grande área, ele praticamente só usa um dos pés. Conte os toques desde o início da arrancada até o chute final ao gol e você perceberá que, das 19 vezes que ele toca na bola, apenas duas são com o pé direito. Todo o restante que ele faz durante o movimento, inclusive o chute final, é feito com o esquerdo.

Clique em outros vídeos, assista a outros dribles da magnífica obra de Messi e você descobrirá que é sempre assim. Sua proporção de uso do pé “bom” em relação ao pé “cego” permanece constante em torno de 10 para 1. A título de comparação, a proporção do destro Cristiano Ronaldo fica em torno de 4,5 por 1. Em outras palavras, Messi não é apenas um jogador canhoto. Ele é um jogador que faz tudo que precisa ser feito com a bola apenas com o pé esquerdo. Passar, driblar, chutar – tudo.

Um ponto forte é uma atividade que o faz sentir-se poderoso. Antes de realizá-la, você se sente ansioso. Enquanto a realiza, o tempo parece passar depressa. E, depois de realizá-la, você se sente orgulhoso.

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O canhotismo de Messi, portanto, é verdadeiramente extremo. E no time adversário, é claro, todos têm plena consciência disso. Porém, mesmo com o prévio conhecimento de que ele vai jogar com o pé esquerdo o tempo todo, eles continuam a ser enganados quando ele movimenta o corpo na frente deles. Messi cultivou essa característica de tal forma – treinou para fazer isso com tamanha velocidade e precisão – que, em vez de ser uma limitação, lhe propicia uma vantagem constante, descomunal e desleal.

Ao observá-lo jogar, temos a impressão de que ele adquiriu essa vantagem sem ter feito um cálculo racional. Evidentemente, ele deve ter treinado por 10 mil horas ou mais, porém, o que ele transmite, ao fintar e correr na direção do gol, não é disciplina e comprometimento, e sim alegria; alegria pura, inconsciente, irresistível em exercer seu ofício. Vê-lo correndo com a bola nos pés é ver a melhor, mais plena e mais autêntica expressão desse homem. É algo que nos deleita e nos inspira, como sempre acontece quando vemos alguém brilhar de um jeito que só aquela pessoa pode brilhar. E, do mesmo modo que os torcedores adversários, assistimos estupefatos a esse jogador genial, batemos palmas e sorrimos.

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Messi exerce seu ofício em um dos maiores palcos do esporte mundial, mas você pode já ter sentido admiração semelhante por um colega de trabalho. Pode ser que um deles prepare uma apresentação e a realize com tanta clareza e desenvoltura que faça você sorrir. Já outro lida com um cliente mal-humorado com uma combinação perfeita de empatia e senso prático, deixando você abismado por fazer parecer tão fácil. Um terceiro desembaraça uma situação política complicada, levando você a observá-lo com espanto e admiração, pensando em como ele conseguiu uma façanha daquelas. Nós, como seres humanos, fomos programados para sentir alegria ao testemunhar o talento de uma pessoa em ação. A naturalidade, a fluidez e a integridade de algo feito de maneira brilhante ecoam dentro de nós, nos atraem e despertam nossa simpatia.

Você também vai reconhecer a alegria de Messi quando vivenciar isso no seu próprio desempenho – ou seja, quando expressar seus próprios pontos fortes. Essa sensação, na origem, não é gerada pelo fato de você ser muito bom em alguma coisa. Em vez disso, é criada pelo fato de aquela atividade fazê-lo se sentir bem. Um ponto forte, na definição correta, não é “algo em que você é bom”. Pode haver muitas atividades em que você seja bastante competente graças a sua inteligência, seu senso de responsabilidade ou seu treinamento disciplinado e que, no entanto, o entediam, o deixam indiferente ou até o desgastam. “Algo em que você é bom” não é um ponto forte; é uma capacidade. Sim, você é capaz de demonstrar grande capacidade – mesmo que por pouco tempo – em certo número de coisas que não lhe proporcionam qualquer satisfação.

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Um ponto forte, por outro lado, é uma “atividade que o faz sentir-se poderoso”. Antes de realizá-la, você se sente ansioso. Enquanto a realiza, o tempo parece passar depressa, e um momento se confunde com o outro. E, depois de realizá-la, mesmo que esteja cansado e não se julgue preparado para fazer tudo de novo, ainda assim você se sente realizado e orgulhoso. É essa combinação de três sentimentos diferentes – expectativa positiva antes, fluidez durante, satisfação depois – que faz de determinada atividade um ponto forte. E é essa combinação de sentimentos que produz em você a ânsia de realizar aquela atividade repetidas vezes, treiná-la continuamente, vibrar com a chance de realizá-la de novo. Um ponto forte é muito mais apetite que capacidade, e é o apetite, na verdade, que alimenta o desejo de continuar trabalhando naquilo e que, no final das contas, produz o aprimoramento necessário para a excelência no desempenho.

A naturalidade, a fluidez e a integridade de algo feito de maneira brilhante ecoam dentro de nós, nos atraem e despertam nossa simpatia.

Evidentemente, é possível que haja algumas atividades em que você possa ter toneladas de apetite e pouquíssima aptidão natural. Florence Foster Jenkins era, segundo um historiador, “a pior cantora de ópera da história. Ninguém antes, ninguém depois libertou-se de maneira tão completa dos grilhões da notação musical”. O compositor Cole Porter tinha que bater com a bengala na própria perna, o tempo todo, para conter as gargalhadas diante da voz irremediavelmente pavorosa de lady Florence. No entanto, ela adorava cantar, chegando até a pagar para subir ao palco do Carnegie Hall.

Se atentarmos para lady Florence, porém, ou para qualquer pessoa que pareça amar uma atividade em que sua performance seja lamentável, constataremos que, muitas vezes, o que essa pessoa ama não é a atividade em si, mas a pompa daquela atividade. No caso de lady Florence, é provável que se tratasse mais da atenção que o público dá a um intérprete; na infância, ela tinha sido uma pianista reconhecida, chegando até a tocar na Casa Branca, até que uma lesão interrompeu sua carreira de instrumentista e ela teve que encontrar outro jeito de voltar aos palcos.

Em outros casos, encontramos gente viciada em fugazes momentos de grandeza em meio a um mar de performances medíocres. O que faz aquela pessoa retornar o tempo todo àquela atividade é a busca incessante por reviver aqueles lampejos de brilho. Qualquer indivíduo que já acertou uma tacada perfeita no campo de golfe e passou anos suando a camisa para viver de novo um momento parecido sabe do que estamos falando. De qualquer maneira, de modo geral, parece que nós, seres humanos, temos uma incapacidade congênita de sentir amor profundo por uma atividade em que somos péssimos.

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Em vez disso, somos atraídos por atividades que nos dão satisfação. Nem sempre podemos explicar o motivo, mas há certas atividades que parecem nos dar um sopro de vida, levando-nos a um patamar mais elevado, em que revelamos um lado mais aprimorado, mais resiliente e mais criativo. Cada um de nós, é claro, é diferente do outro, e por isso cada um encontra alegria numa atividade diferente. Mas o fato é que todos nós conhecemos esse sentimento. E, quando nosso trabalho proporciona esse ingrediente da alegria, quando amamos de verdade aquilo que fazemos, é aí que somos magníficos de verdade. Stevie Wonder, que claramente entende um pouco de como cultivar os próprios pontos fortes e compartilhá-los com o mundo, foi quem melhor definiu: “Você nunca vai sentir orgulho do seu trabalho se não encontrar alegria nele. Seu melhor trabalho sempre é um trabalho alegre.”

É isto que o trabalho proporciona a Stevie Wonder quando ele compõe e canta: alegria. É isto que o trabalho proporciona a Lionel Messi quando ele dança em torno dos zagueiros e estufa a rede de um ângulo impossível: deleite. É isto que vemos quando testemunhamos alguém realmente bom em sua profissão: alguém que encontrou o amor naquilo que faz. E é isso que sua empresa espera que seu trabalho proporcione a você. Quando seus líderes dizem que querem que você seja criativo, inovador, colaborativo, resiliente, intuitivo e produtivo, o que eles querem dizer é: “Queremos que você preencha suas horas de trabalho com atividades que lhe deem alegria, com tarefas que lhe proporcionem satisfação.”

É como se, no mundo corporativo, a missão fosse dar um jeito em problemas. Algo como encontrar prazer no trabalho pertenceria ao reino dos poetas.

É estranho – e triste – que essa série de observações costume ser desprezada no ambiente corporativo, talvez porque os negócios estejam associados a rigor, objetividade e vantagem competitiva, e, comparativamente, a ideia de encontrar alegria no trabalho como precondição da excelência pareça uma leviandade. É como se, no mundo corporativo, a missão fosse dar um jeito em problemas, por mais penoso que seja; algo como encontrar prazer no trabalho pertenceria ao reino dos poetas.

Porém, os números não mentem. Das oito condições que são a marca das equipes de mais alto desempenho, há uma que sobressai mais que todas – em pesquisa após pesquisa, qualquer que seja o setor e qualquer que seja o país – como o indicador individual mais potente da produtividade de uma equipe. É a sensação, de cada integrante da equipe, de que “tenho a oportunidade de usar meus pontos fortes todos os dias no trabalho”.

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Seja qual for o tipo de trabalho realizado por sua equipe ou a região do mundo onde você atue, quanto mais os integrantes da equipe sentirem alegria e prazer naquilo que fazem todos os dias, mais aquela equipe será produtiva. Pois bem, se retiramos da questão a expressão “todos os dias”, sob o argumento de que talvez essa frequência diária seja excessiva e fosse melhor perguntar apenas se as pessoas têm a oportunidade de sentir “uma forte relação” entre seus pontos fortes e seu trabalho, esse item perde a validade – ou seja, desaparece o elo entre os que “concordam plenamente” com a frase e o desempenho da equipe. O caráter diário na sensação de que o trabalho favorece os pontos fortes é uma condição crucial do alto desempenho.

Por algum motivo, nas melhores equipes, o líder é capaz não somente de identificar os pontos fortes de cada um, mas também de realizar alterações nas funções e responsabilidades de modo que os integrantes da equipe, individualmente, sintam que estão realizando um trabalho que demanda o uso de seus pontos fortes todos os dias. Quando um líder de equipe investe nisso, todo o resto – reconhecimento, senso de missão, clareza de expectativas – funciona melhor. Mas, quando não investe, não há nada que ele possa fazer para compensar, seja em forma de dinheiro, cargos, incentivo ou afagos.

O casamento entre os pontos fortes e o trabalho é a alavanca mestra das equipes de alto desempenho: se você puxar essa alavanca, elevará o nível de todo o resto; se não puxar, todo o resto
será enfraquecido.

Até aí, nada particularmente surpreendente. Todos nós já vimos gente como Lionel Messi demonstrar o próprio brilho e todos já ficamos entusiasmados ao presenciar coisas do tipo. Vemos colegas se destacarem e sentimos admiração pelo sucesso deles. Vivenciamos a alegria de nos tornarmos um só com determinada atividade e o orgulho de reconhecer tudo que já fizemos para dar nossa contribuição por meio da nossa combinação única de pontos fortes. Os números também não devem causar surpresa – é evidente que as melhores equipes se formam em torno do casamento ideal entre funções e pontos fortes. Para quem tem alguma experiência do mundo, não há aqui (ou pelo menos não deve haver) nenhuma revelação que abale as estruturas.

Isso só torna mais surpreendente (ou frustrante, ou consternador) que, na realidade, as empresas não sejam construídas de modo a nos ajudar a identificar nossos pontos fortes especiais e a contribuir com eles. Em seus sistemas, processos e tecnologias, em seus rituais, linguagem e filosofia, as organizações exibem uma configuração que faz exatamente o contrário: nos avaliar conforme um modelo padronizado e, em seguida, nos atormentar até nos adequarmos ao máximo a esse modelo. Ou seja, elas são estruturadas em torno do mito de que os funcionários mais completos, redondinhos e sem arestas são
os melhores.

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