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Leia um trecho do clássico “Paixão por Vencer”, de Jack Welch

Clássico do executivo responsável pelo sucesso da General Electric ganha um relançamento no Brasil.

Por Monique Lima
Atualizado em 14 dez 2020, 20h11 - Publicado em 12 dez 2020, 11h00

“Gestor do século”, de acordo com a revista Fortune. “Maior líder mundial”, segundo a Fast Company. “CEO Mais Admirado dos últimos 20 anos” pelos leitores da Chief Executive. Estes são alguns dos títulos concedidos a Jack Welch (1935-2020), ex-CEO da General Electric. Falecido em março de 2020, aos 84 anos, o executivo fez história à frente da multinacional entre 1981 e 2001, quando se aposentou.

Durante sua gestão, alguns feitos se tornaram referência no mundo empresarial: Jack aumentou os lucros da GE de US$ 1,5 bilhão anuais para US$ 15 bilhões, e o valor de mercado da empresa saltou de US$ 12 bilhões para US$ 410 bilhões – o que tornou a GE a segunda companhia mais valiosa do mundo na virada do século, atrás apenas da Microsoft.

Com tantos resultados na bagagem, não é de se estranhar que o executivo colocasse um pouco das suas ideias para fora em formato de livro, e menos ainda que alguns desses livros se tornassem clássicos – manuais sobre o Welch way de comando. Paixão por Vencer é uma dessas obras. Lançado pela primeira vez em 2005, ganhou uma nova edição no Brasil neste ano, pela Harper Collins. Leia um trecho aqui.


TRECHO DO LIVRO

Capítulo 2  O maior segredo sórdido dos negócios 

Eu sempre fui um grande defensor da franqueza. Inclusive, falei isso para o pessoal da GE por mais de vinte anos.

Mas, desde que me aposentei da empresa, percebi que subestimei o valor deste sentimento. Na verdade, eu consideraria a ausência de franqueza o maior segredo sórdido dos negócios.

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É um problema e tanto! A ausência de franqueza impede que ideias inteligentes, ações rápidas e pessoas competentes contribuam com tudo o que podem. É como um veneno.

Quando você age com franqueza — lembre-se, no entanto, de que ninguém é completamente franco —, tudo funciona melhor e mais rápido.

Contudo, quando falo em “ausência de franqueza”, não estou falando de desonestidade deliberada. Refiro-me ao fato de que muitas pessoas, com muita frequência, não se expressam instintivamente com franqueza. Não se comunicam diretamente nem apresentam ideias que buscam fomentar o debate de verdade. Simplesmente não se abrem. Em vez disso, guardam para si os comentários ou as críticas. Mantêm a boca fechada, seja para fazer as outras se sentirem melhor ou para evitar conflitos, e maquiam as más notícias para preservar as aparências. Guardam tudo para si, retendo informações.

Tudo isso é falta de franqueza, e é absurdamente prejudicial. E, no entanto, esse comportamento permeia quase todos os aspectos dos negócios.

Em minhas viagens, ouvi histórias de pessoas que trabalharam em centenas de empresas que descrevem a completa falta de franqueza que vivenciam no dia a dia, em todo tipo de reunião, desde revisões de orçamento e produtos até sessões de estratégia. As pessoas falam sobre a burocracia, as barreiras, a politicagem e a falsa polidez provocadas pela falta de sinceridade. Perguntam como podem transformar suas empresas em lugares onde as pessoas expõem suas opiniões abertamente, conversam sobre o mundo de forma realista e debatem ideias de todos os pontos de vista. Ainda com mais frequência, ouço falar que a falta de sinceridade deixou de ser abordada nas avaliações
de desempenho.

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A ausência de franqueza impede que ideias inteligentes, ações rápidas e pessoas competentes contribuam com tudo o que podem. É como um veneno.

Na verdade, ouço isso com tanta frequência que sempre acabo pedindo ao público que levante a mão aquele que pode responder afirmativamente à pergunta: “Quem aqui teve, no último ano, uma sessão de feedback honesta e direta, olhos nos olhos, em que saiu sabendo exatamente o que precisa fazer para melhorar e em que ponto da organização se encontra?”

Em um dia bom, 20% levantam as mãos. Mas, na maioria das vezes, é mais próximo de 10%. Curiosamente, quando inverto a questão e pergunto ao público quantas vezes proporcionaram uma avaliação honesta e sincera ao seu pessoal, os números não mudam muito. De que importa a concorrência externa quando seu pior inimigo é a maneira como você se comunica internamente?

O EFEITO FRANQUEZA

Vejamos como este sentimento nos ajuda a vencer. Isso se dá, principalmente, de três formas.

Em primeiro lugar, a franqueza faz com que mais pessoas participem da conversa, e, com mais indivíduos, é óbvio que haverá maior riqueza de ideias. Com isso, quero dizer que muito mais ideias serão apresentadas, debatidas, dissecadas e aprimoradas. Em vez de todos se fecharem, todos se abrem e aprendem. Qualquer organização — ou divisão, ou equipe — que traga mais pessoas e suas respectivas ideias para a conversa obtém uma vantagem imediata.

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Em segundo, franqueza proporciona velocidade. Quando as ideias são expostas, elas são debatidas, expandidas, aprimoradas e postas em prática rapidamente. Essa abordagem — expor, debater, aprimorar, decidir — não apenas é uma vantagem, mas uma necessidade em um mercado global. Esteja certo de que qualquer empresa, seja uma recém-fundada por cinco pessoas ali na esquina, em Xangai ou em Bangalore, é capaz de agir mais rápido do que você, para começo de conversa. A franqueza é uma forma de seguir esse mesmo ritmo.

Em terceiro, a franqueza reduz custos — muitos custos —, embora seja impossível definir o valor exato. Pense em como a prática acaba com reuniões sem sentido e com o envio de relatórios que confirmam o que todo mundo já sabe. Pense em como a sinceridade substitui sofisticados slides do PowerPoint, apresentações sonolentas e tediosas reuniões externas por conversas genuínas, sejam sobre a estratégia da empresa, o lançamento de um novo produto ou o desempenho de alguém.

Ponha todos os benefícios e as vantagens na balança e notará que não pode se dar ao luxo de não agir com verdade.

ENTÃO, POR QUE NÃO?

Dadas as vantagens da franqueza, você deve estar se perguntando: por que não somos francos?
Bem, o problema começa cedo.

O fato é que somos incentivados, desde a infância, a suavizar as más notícias e a disfarçar o incômodo diante de assuntos constrangedores. Isso é verdade em todas as culturas e classes sociais e em todos os países. Não faz diferença se você está na Islândia ou em Portugal, ninguém fala mal da comida da própria mãe, não chama o melhor amigo de gordo nem diz a uma tia idosa que odiou o presente de casamento. São coisas que simplesmente não se faz.

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Um episódio ocorrido numa festa nos arredores da cidade a que fomos certa vez é um exemplo clássico. Bebendo vinho branco e comendo sushi, uma mulher, cercada de cinco pessoas, começou a lamentar o terrível estresse pelo qual o professor de música da escola primária local passara. Outros convidados entraram na conversa, todos concordando que os alunos da quarta série eram capazes de mandar qualquer um para o hospício. Felizmente, pouco antes do professor de música ser canonizado, uma convidada se meteu na conversa, dizendo: “Vocês estão malucos? Esse professor tem quinze semanas de folga por ano!” Ela apontou para o médico na rodinha, que concordava com a cabeça. “Robert”, disse, “você toma decisões de vida ou morte todos os dias. Você não está comprando essa historinha triste, né?”.

A conversa fiada bem-educada foi para o espaço. A convidada fez todo mundo dispersar, a maioria em direção ao bar.

Franqueza deixa as pessoas ansiosas. Esse foi um exemplo leve, claro, mas quando você tenta compreendê-la, está, na verdade, tentando desvendar a natureza humana. Por centenas de anos, psicólogos e cientistas sociais estudaram os motivos de as pessoas não dizerem o que pensam, e filósofos refletem sobre este mesmo assunto há milhares de anos.

Por que não somos francos? Porque Somos incentivados a suavizar as más notícias e a disfarçar o incômodo diante de assuntos constrangedores. Isso é verdade em todas as culturas.

Uma grande amiga minha, Nancy Bauer, é professora de filosofia na Universidade Tufts. Quando pedi que me falasse um pouco sobre franqueza, Nancy me contou que a maioria dos filósofos chegara às mesmas conclusões que a maioria de nós, leigos, chegamos com a ajuda da idade e da experiência. No fim das contas, você percebe que as pessoas não falam o que pensam simplesmente porque é mais fácil se calar. Quando não se tem papas na língua, é fácil provocar uma bagunça — raiva, dor, confusão, tristeza, ressentimento. Para piorar, queremos limpar essa bagunça, o que pode ser sofrido, constrangedor e levar tempo. Portanto, justificamos a falta de franqueza sob a alegação de que isso evita tristeza e dor nos outros, que se calar ou contar uma mentira inofensiva são as atitudes mais decentes. Na verdade, segundo Nancy, filósofos clássicos, como Immanuel Kant, apresentam poderosos argumentos para demonstrar que a ausência de franqueza tem a ver, na verdade, com nosso próprio interesse — facilitando a nossa vida.

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Nancy relata uma outra observação de Kant. Ele afirmou que as pessoas são fortemente tentadas a não agir com franqueza porque não enxergam a conjuntura. Receamos que, ao falarmos o que pensamos, caso as notícias não sejam boas, haja uma probabilidade alta de provocar a exclusão de alguém. Mas o que não enxergamos é que a falta de franqueza é a maior forma de exclusão. “Kant via uma enorme ironia nisso”, diz Nancy. “Afirmava que, quando as pessoas evitam ser francas para não criar mal-estar com os outros, acabam por minar a confiança e, dessa forma, desmantelam a sociedade.”

Digo a Nancy que o mesmo se aplica quando o assunto é minar os negócios. (…)

DE LÁ PARA CÁ

Nos Estados Unidos, a importância da franqueza nos negócios é uma novidade. Até o início dos anos 1980, grandes empresas como a GE operavam sem isso, assim como a maioria dos negócios, não importava o tamanho. (…) E, assim, sucessivas camadas de burocracia e de códigos ultrapassados de comportamento produziram uma espécie de polidez e formalidade forçadas na maioria das empresas. Havia poucos embates abertos sobre estratégia ou valores; as decisões eram tomadas majoritariamente a portas fechadas. E, quando se tratava de avaliações, essas também eram conduzidas com uma espécie de distanciamento cortês. Os bons desempenhos eram elogiados, mas, como as instituições eram financeiramente fortes, os funcionários com desempenho insuficiente podiam ser mantidos em uma divisão ou em um departamento longínquos até
a aposentadoria.

Sem franqueza, todos se poupavam, e os negócios se arrastavam. O status quo não era questionado. Falsidade era regra nos escritórios. E pessoas com iniciativa, bom senso e coragem eram classificadas como problemáticas — ou até pior.

Alguém poderia imaginar que, diante de todas as suas vantagens competitivas, a franqueza teria feito uma entrada triunfal após a chegada dos japoneses. Mas o Japão não provocou essa mudança, nem a Irlanda, o México, a Índia ou a China, para citar alguns dos principais agentes do mercado global hoje. Em vez disso, a maioria das empresas enfrentou a concorrência por meio de recursos mais convencionais: demissões, reduções drásticas de custos e, na melhor das hipóteses, inovação.

Ainda que franqueza esteja em ascensão, ainda é uma parte muito pequena do arsenal.

É POSSÍVEL

Prepare-se para as más notícias. Embora a franqueza seja essencial para vencer, é difícil e demorado incuti-la em qualquer grupo, independentemente do tamanho.

Isso se dá porque você está lutando contra a natureza humana e contra comportamentos organizacionais arraigados, e porque é demorado, podendo levar anos. Na GE, precisamos de quase uma década para aplicar a franqueza de alguma forma, e, mesmo depois de vinte anos, não era uma prática universal.

Ainda assim, é possível. O processo não é científico. Para obter franqueza, você a recompensa, a elogia e fala a respeito dela. Você transforma as pessoas que a manifestam em heróis e heroínas. Acima de tudo, você deve demonstrar franqueza de maneira exuberante e até exagerada — mesmo quando não é o chefe.

Imagine-se por um segundo em uma reunião em que o assunto é como atingir crescimento em uma divisão conservadora. Estão todos ao redor da mesa, falando civilizadamente sobre o quão difícil é vencer neste mercado ou nesta indústria em particular. Fala-se sobre o quanto a concorrência é forte. São trazidos à tona os mesmos motivos pelos quais não têm como crescer e pelos quais, na verdade, estão se saindo bem naquele ambiente. Inclusive, quando a reunião termina, estão até se parabenizando pelo “sucesso” que conseguiram alcançar “diante das circunstâncias”.

Por dentro, você está prestes a explodir, pensando: “De novo isso. Sei que Bob e Mary, do outro lado da sala, estão pensando o mesmo que eu — a complacência está nos matando.”

Por fora, os três estão mantendo as aparências. Você balança a cabeça, assentindo.

Imagine, então, um ambiente em que você assume responsabilidade pela franqueza. Bob, Mary ou você faria perguntas como:

“Não tem nenhuma ideia de um novo produto ou serviço em algum ponto deste negócio nos quais ainda não tenhamos pensado?”

“Não podemos fazer um upgrade neste negócio a partir de uma aquisição?”

“Esse negócio está desperdiçando muitos recursos. Por que não resolvemos isso?”

Uma reunião totalmente diferente! Muito mais divertida e proveitosa para todos.

Falávamos de um subordinado numa reunião sobre pessoal e todos concordavam que o sujeito era um desastre – mas sua avaliação por escrito o fazia parecer um príncipe.

Outra situação que acontece o tempo todo é um negócio de alto crescimento com uma equipe cheia de si na administração. Isso fica claro nas reuniões de planejamento de longo prazo. Os gerentes anunciam um crescimento de dois dígitos — 15%, por exemplo — e apresentam dezenas de slides mostrando quão bom tem sido o desempenho. A alta gerência sorri em aprovação, mas você está sentado, sabendo que há muito mais o que extrair deste negócio. Para resumir, as pessoas com os slides são colegas seus, e há um velho código que paira no ar: se você não questionar o meu trabalho, eu não questionarei o seu.

Sinceramente, a única forma que eu conheço de sair dessa situação — e introduzir a franqueza — é questionar de uma maneira não ameaçadora:

“Uau, vocês arrasaram. Belíssimo trabalho. É o melhor negócio da empresa. Por que não investimos mais recursos e corremos atrás de mais?”

“Com essa equipe excelente que você montou, deve haver uma dezena de aquisições possíveis de serem feitas. Você já fez uma análise global?”

Essas perguntas e outras similares têm o poder de transformar uma reunião que era um mero desfiar de autoelogios numa sessão de trabalho estimulante.

VERDADE E CONSEQUÊNCIA

Agora, você pode estar pensando: Não posso fazer essas perguntas, porque não quero parecer um babaca. Quero jogar junto com a equipe.
(…)

Fazer isso oferece um risco, e só você pode decidir se está disposto a enfrentá-lo. É redundante dizer que você terá mais facilidade em introduzir a verdade em sua organização se estiver mais próximo do topo. Mas não culpe seu chefe ou CEO se a empresa não tiver franqueza — diálogos abertos podem começar em qualquer lugar. Eu já dizia o que pensava quando tinha apenas quatro funcionários na Noryl, a menor e mais recente unidade de uma empresa hierarquizada, que via o ato de falar abertamente com muita desconfiança.

Na época, eu era muito jovem e inexperiente em termos políticos para perceber, mas estava protegido porque nosso negócio estava indo de vento em popa.

Com honestidade, na época não tínhamos essa noção — não entendíamos o suficiente das coisas para saber o que era franqueza. Apenas nos parecia natural falar abertamente, discutir e debater, e fazer com que as coisas acontecessem rapidamente. A única coisa que sabíamos é que éramos muito competitivos.

Toda vez que eu era promovido, o primeiro ciclo de revisões — fossem de orçamentos ou de avaliações de desempenho — era frequentemente desagradável e constrangedor. A maior parte da nova equipe que eu estava gerenciando não estava acostumada a debater de forma franca sobre tudo e qualquer coisa. Por exemplo, quando falávamos de um subordinado em uma reunião sobre pessoal e todos concordavam que o sujeito era um desastre — mas sua avaliação por escrito o fazia parecer um príncipe. Quando eu questionava a falsidade disso, afirmavam: “Sim, claro, mas por que colocaríamos isso por escrito?”

Eu explicava o porquê e apresentava minha defesa da franqueza.

Na reunião seguinte já era possível observar o impacto positivo da franqueza com uma equipe melhor em campo e, a cada ciclo, cada vez mais pessoas estavam ao meu lado em sua defesa. Ainda assim, não posso dizer que o coro inteiro cantava a mesma música.

Desde o dia em que entrei para a GE até o dia em que fui nomeado CEO, vinte anos mais tarde, meus chefes sempre me alertaram sobre a minha franqueza. Diziam que eu causava atritos, e ouvi diversas vezes que isso se tornaria um problema mais cedo ou mais tarde.

No entanto, agora que minha carreira na GE se encerrou, eu afirmo: foi isso que me ajudou a fazer dar certo. Muitas pessoas entraram nesse jogo, muitas vozes, muita energia. Nós nos comunicávamos de forma direta, e graças a isso todos puderam melhorar.

(Arte/Você S/A)
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