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Como praticar ócio criativo nos dias de hoje, segundo Domenico de Masi

Domenico De Masi, sociólogo italiano, explica que 70% dos trabalhadores poderiam praticar ócio criativo

Por Camila Pati
Atualizado em 14 jan 2021, 09h42 - Publicado em 27 Maio 2020, 16h22
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 (Matthieu Comoy Koo/Unsplash)
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São Paulo – Se o seu trabalho é rentável e pode ser conciliado com estudo e lazer, você pratica ócio criativo. O conceito foi definido há mais de duas décadas pelo sociólogo italiano Domenico De Masi no fim do século XX, mas ainda é confundido com falta do que fazer. 

“Não entendo que ócio criativo seja o ato de não fazer nada. Não o vejo como preguiça. O ócio criativo é a plenitude do indivíduo integral, na qual se pode conciliar 3 coisas em nossas atividades: o trabalho, com o qual criamos a riqueza; o estudo, com o qual criamos o aprendizado e adquirimos o conhecimento; e o lazer, com o qual criamos a alegria e com o qual criamos o bem-estar”, explicou o sociólogo em conversa com a equipe da Eleva Educação, que organiza um congresso gratuito, dias 28 e 29 de maio, sobre emoções com mais de 20 estudiosos, entre eles Domenico. (Veja a programação aqui)

Durante esse bate papo a que VOCÊ S/A teve acesso com exclusividade, o sociólogo explicou como o ócio criativo é também inserido no ambiente educacional, definiu criatividade, tempo e a ligação entre solidariedade e progresso. Confira os principais trechos da conversa:

O que é a criatividade?

“Vivemos, agora em uma sociedade pós-industrial, o que é algo muito bonito; pois compreendemos que as emoções são importantes, mas que a razão também é importante; e tanto a razão quanto as emoções são fundamentais. Porque são fundamentais? Porque razão mais emoção, resultam a criatividade. A criatividade é a síntese de razão e emoção. Reavaliamos o emocional e valorizamos a racionalidade. Conseguimos entender a importância de um e do outro. A racionalidade não deve prevalecer sobre o emocional e o emocional não deve prevalecer sobre a razão. Escrevi um livro chamada “Fantasia e Concretude” e outro chamado “A emoção e a regra”. Ou seja, fantasia e concretude, emotividade e racionalidade. A síntese de emotividade e racionalidade é a criatividade; a maior expressão do gênero humano.”

Todo mundo pode praticar ócio criativo?

“Após a 2ª Guerra mundial, a sociedade mudou rapidamente e passou de industrial para pós-industrial. Ou seja, nossa sociedade não era mais baseada na produção agrícola, que é importante, mas não o cerne. Não se baseava mais na produção artesanal ou na industrial; baseava-se na produção de bens imateriais. São eles: informação, serviços, símbolos, valores e estética. Os produtos de bens imateriais não dependem do trabalho operário, tanto que hoje, 30% são operários e 70% são funcionários, profissionais, gerentes e executivos que executam um trabalho intelectual. Esse tipo de trabalho pode ser conciliado com o estudo, o lazer e a diversão; pode transformar-se em ócio criativo. Assim, hoje, 70% dos trabalhadores poderiam praticar o ócio criativo. Se a organização fosse pensada e voltada ao ócio criativo.”

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 Qual o papel da escola na formação do ócio criativo?

“A escola é peça fundamental para a formação do ócio criativo. O objetivo da escola é preparar indivíduos adultos ao ócio criativo. Ou seja, não preparar um adulto apenas a emotividade, pois isso será primitivo; não preparar um adulto apenas a racionalidade, pois isso seria alienante; mas sim, preparar um adulto ao ócio criativo. Assim, temos um adulto que sabe conciliar bem: o estudo, o trabalho e o lazer; que sabe conciliar bem a emotividade com a racionalidade e que seja criativo. “

Como utilizar o ócio criativo no aprendizado?      

É muito simples, mas ao mesmo tempo é difícil, entendo. Mas na prática é bem simples, na prática é muito simples. Eu sempre ensinei o ócio criativo. Ao longo dos 40 anos em que ensinei, e também dirigi a Universidade de Ciências da Comunicação, sempre tentei utilizar o ócio criativo. O que significa o ócio criativo na escola? Significa misturar, continuamente, o trabalho com o estudo e o lazer. Isso pode ser feito tranquilamente. Posso dar uma aula muito entediante ou posso dar uma palestra muito alegre e divertida. Acredito que o ócio criativo imponha a necessidade de uma pedagogia feliz. A pedagogia deve enriquecer as coisas com significados. Ou seja, preciso deixar o meu aluno feliz porque ele precisa entender o significado das coisas. Se eu entender o significado das coisas, eu as amo muito mais”.

Estamos trabalhamos mais ou menos, historicamente?

“A atividade humana sempre teve um só fim: achar uma maneira de trabalhar o menos possível, produzindo o máximo possível. Felizmente, estamos próximos a essa realidade. Produzindo muito mais do que há 100 anos, com muito menos trabalho. Não conheço os dados exatos do Brasil, mas na Itália, há 100 anos, éramos 40 milhões de pessoas e trabalhávamos 70 bilhões de horas; hoje, somos 60 milhões, e trabalhamos 40 bilhões de horas. Somos mais numerosos, mas trabalhamos menos e produzimos cerca de 120 vezes mais. Chamamos isso na sociologia de “jobless growth”, ou seja, crescimento sem geração de emprego. A civilização não é sobre trabalhar cada vez mais, mas sim, trabalhar cada vez menos, produzindo sempre mais.”

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Temos mais ou menos tempo do que tínhamos? 

“Dizemos que temos o privilégio de viver mais que nossos antepassados. Isso já nos conforta, pois temos mais tempo à disposição. Temos muitas máquinas que nos substituem no trabalho; os robôs no lugar de operários e a inteligência artificial no lugar de intelectuais. Temos, hoje, muito mais tempo, vivemos muito mais, e temos várias máquinas. Então, temos muito mais tempo do que nossos antepassados, temos muito mais máquinas que poupam o tempo, enriquecem o tempo, armazenam o tempo, e programam o tempo, mesmo assim, estamos com a sensação de que o tempo não é suficiente.”

Por que a sensação corrente é a de que tempos cada vez menos tempo livre?

“Porque temos o consumismo. É o consumismo que nos traz essa sensação de falta de tempo.Tudo o que temos não é suficiente, precisamos de cada vez mais; continuamente. A publicidade desperta em nós, os desejos. O banco nos empresta dinheiro para que possamos satisfazer os desejos. Devemos trabalhar para pagarmos aos bancos, e para trabalharmos, precisamos correr; caso contrário não conseguimos satisfazer às novas necessidades. Essa busca contínua cria uma desigualdade, isso é, uma desigualdade entre as necessidades e os recursos. Se nos contentássemos com os nossos recursos, estaríamos bastante satisfeitos”.

Como podemos diminuir a desigualdade?

“O mundo está aflito com essa terrível desigualdade: de trabalho, de conhecimento, de poder, de oportunidade e de direitos. Isso cria, naturalmente, uma infelicidade em todos. Esse é o problema que temos; o problema de eliminar a visão neoliberal da economia e substituí-la por uma social-democrática, uma visão que se preocupa com a solidariedade humana. O progresso não acontece se houver competitividade, acontece se houver solidariedade. Todo grande progresso humano veio das atitudes solidárias.”

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