Como abraçar a vulnerabilidade no trabalho, segundo Brené Brown
Aceitar que temos nossos medos e limites é essencial para estimular a coragem. Aprenda a fazer isso no ambiente profissional
Durante anos, a pesquisadora americana Brené Brown se debruçou sobre o tema da vergonha — ela queria entender o que está por trás desse fenômeno e por que é tão difícil para alguns lidar com esse sentimento. Ao longo desses estudos, ela deparou com dois grupos de pessoas: as que têm um forte senso em relação ao próprio valor e as que estão constantemente se questionando.
A pergunta, para Brené, passou então a ser: qual o segredo por trás desse grupo mais seguro de si? O que ela encontrou em comum entre essas pessoas é que elas abraçam a vulnerabilidade e a entendem como algo necessário e parte natural da vida. “Elas falavam da disposição de fazer algo para o qual não há garantias. Viam isso como fundamental”, diz Brené em seu TED Talk O Poder da Vulnerabilidade, de 2010 (veja no final da matéria).
A vulnerabilidade é definida como aquilo que experimentamos em momentos de incerteza, risco e exposição. Ela nos deixa ansiosos e com medo.
O problema, segundo Brené, é quando evitamos situações e relações porque provocarão esse sentimento. Ter coragem para arriscar, viver experiências novas, dizer coisas importantes, tudo isso implica abraçar a vulnerabilidade.
Falta de confiança
Os líderes que evitam se sentir vulneráveis também evitam conversas difíceis, inclusive o feedback honesto e produtivo. Eles deixam de reconhecer e de lidar com medos e sentimentos que surgem durante momentos de crise ou mudança. “Muitas vezes as pessoas tendem a fugir daquilo que seria o assunto mais espinhoso e que é o conflito de fato”, diz Ronaldo Coelho, psicólogo e psicanalista em São Paulo, dono do canal ConversaPsi, no YouTube.
Essa tendência, especialmente no mundo corporativo, levaria a um ambiente de pouca confiança. “É como se criasse uma relação na qual não se fala de coisas importantes”, diz. O resultado é uma comunicação falha, propensa a mal-entendidos e com pouco espaço para a sinceridade.
O medo de ser ridicularizado ou de falhar também impede que muitas ideias potenciais sejam implantadas, por receio de se expor e de ser julgado em uma cultura que prioriza os que parecem fortes e infalíveis. Ser um líder arrojado exige saber lidar com a vulnerabilidade, tanto a própria quanto a dos outros.
Só assim esse gestor poderá, de fato, abrir espaço para a inovação e para o desenvolvimento das pessoas. “Nossa capacidade de ser líderes ousados nunca será maior do que nossa capacidade para a vulnerabilidade”, escreve Brené em Coragem para Liderar (Best Seller, 39,90 reais).
Dificuldade cultural
O problema é que, de forma geral, não lidamos bem com o que parece fraqueza. “Há um pressuposto de que mostrar sua vulnerabilidade é mostrar para o outro onde ele pode atacar”, diz o psicólogo Ronaldo.
Ele usa uma metáfora para explicar os tipos de relação que podemos ter. Ou jogamos frescobol, no qual o objetivo é não deixar a bola cair, e os jogadores se ajudam para cumpri-lo; ou jogamos tênis, no qual o objetivo é fazer com o que o outro não consiga pegar a bolinha. “No primeiro caso, quando identifico fragilidade no outro, tento corrigir minha jogada para que ele consiga pegar a bola”, diz Ronaldo. Já no segundo, a fraqueza do outro é usada para derrubá-lo.
Desse modo, problemas e ideias deixam de ser compartilhados — assim como possíveis soluções e esforços de ajuda. “Temos a ideia de que a emoção não pertence ao trabalho — ela é ligada à instabilidade e à perda de controle”, diz Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis, consultoria de educação e neurociência.
“Idealizamos um comportamento absolutamente racional, o que é impossível.” Segundo ela, as emoções estão sempre por trás de nossas decisões, mesmo que não nos damos conta disso.
Para Mônica Barroso, diretora de aprendizagem na The School of Life, falta em muitas organizações um ambiente psicologicamente seguro para as pessoas agirem de maneira mais vulnerável. “Essa questão ainda está muito no discurso”, diz.
“Existe um desejo de mudança por parte das empresas, mas a cultura no dia a dia não acolhe de fato isso.” Se é possível que em algumas equipes esse clima de conexão aconteça mais facilmente, é preciso um esforço por parte das companhias para que isso seja a norma, e não a exceção.
Paradoxos
A situação é complexa. Se por um lado temos cada vez mais popularizada a ideia de uma cultura ágil, na qual devemos “errar mais e mais rápido” e ter feedbacks constantes e sinceros, por outro, não é tão fácil exigir isso quando o ambiente não é exatamente o mais seguro.
Punições e reações agressivas quando ocorrem erros, atitudes intolerantes com ideias novas ou fora do comum e competição exagerada são exemplos do que contribui para um ambiente inseguro — fora o medo de ser demitido em momentos de crise. “É uma cultura bem predatória em algumas empresas que buscam resultado a qualquer custo e em detrimento das pessoas”, diz João Marcio Souza, CEO da Talenses Executive, empresa de recrutamento.
Mas algumas companhias já começam a cuidar dessa situação. Foi por uma iniciativa da empresa que César Augusto Pezzotti, de 41 anos, gerente corporativo de controladoria na Santa Helena, em Ribeirão Preto, conseguiu perceber quanto ele estava tentando vestir uma máscara no trabalho.
Em 2018, César foi um dos participantes de um curso de gestão emocional. Eram encontros com um terapeuta, em uma chácara no interior de São Paulo, focados em aprender a lidar com medos e desafios e a desenvolver o autoconhecimento. Para o profissional, esse foi um ponto de virada. “Consegui aceitar que podemos ter problemas e que eles não ficam em casa quando vamos ao trabalho”, diz. “Antes eu tinha a ideia de que na empresa você deveria esquecer tudo e só produzir, produzir e estar sempre sorrindo”, diz.
No começo, César sentia muita insegurança em simplesmente falar sobre o assunto. O processo não foi imediato — e na verdade continua, mesmo depois de cinco meses de acompanhamento. Mas a experiência já mudou a forma como ele encara a liderança. “Minha visão era que minha equipe tinha de ser muito próxima do meu perfil, parecida comigo no jeito de falar e agir — e acabei vendo que não é assim”, afirma.
“Quanto mais diferentes as pessoas, quanto mais posturas diversas, mais eu cresço como gestor.” Isso o ajudou até a lidar com os próprios chefes. “Hoje ouço de forma mais genuína. Quando meus superiores vêm falar comigo, pratico a empatia e consigo entender melhor algumas situações.” Com sua equipe, ele busca reproduzir o que aprendeu lá atrás, convidando-a para reflexões e conversas fora do escritório.
Esforço individual
A mudança pode — e deve — partir do indivíduo. O RH e a liderança têm papel importante, mas é preciso também que cada um trabalhe a própria vulnerabilidade. Esse gesto, inclusive, ajudaria a ter mais clareza sobre as próprias motivações e escolhas profissionais. “As pessoas vão acumulando dor atrás de dor caladas, sofrem continuamente, até que um dia têm burnout”, diz Nélio Bilate, coach e fundador da consultoria NBHeart.
Um dos primeiros passos é procurar entender a própria relação com a vulnerabilidade. Aprendemos com nossas experiências desde cedo e nem sempre nos damos conta de como agimos e pensamos. Uma forma de fazer isso é parar para analisar situações nas quais ficamos muito irritados ou frustrados e tentar entender os pontos em comum entre elas. Compreendendo melhor as próprias motivações, fica mais fácil definir o que nos atinge em cada situação e aceitar nossas emoções — e, portanto, ser menos reféns do medo de enfrentá-las.
Isso passa também pela forma como lidamos com as próprias falhas. “Muitas vezes, a pessoa se torna adversária dela mesma e começa a se maltratar. Ela gasta energia se punindo, e a parte que está sendo punida não consegue resolver o problema”, diz Ronaldo, psicólogo. Observar como agimos com os outros em momentos de vulnerabilidade também é útil. Quando alguém ao nosso lado chora ou demonstra alguma emoção, como reagimos? Podemos ficar irritados, constrangidos, chateados. Podemos ter dificuldade de dar apoio e mesmo de ter empatia pela pessoa.
Para Wesley Barbosa, de 33 anos, sócio e diretor de comportamento do consumidor na XP Inc, empresa de investimentos, encontrar um ambiente que soubesse acolher sua vulnerabilidade foi fundamental. Nascido em uma favela na periferia de Maceió (AL), as dificuldades surgiram cedo. “Sempre busquei sair daquela situação, com uma mãe solteira e sem um pai que tenha me criado”, diz.
Desde o primeiro emprego, em um call center, ele começou a juntar dinheiro para ir para fora do Brasil. Em paralelo, estudava marketing e neurociência. Para ele, aceitar a vulnerabilidade e o risco foi uma necessidade, mas também o que lhe permitiu chegar aonde chegou. Isso o tornava, segundo ele, uma pessoa mais emotiva e transparente. “Eu sempre fui o tipo de cara que chora e não conseguia fazer politicagem”, diz.
Essa postura de demonstrar emoções já trouxe problemas — e Wesley até foi demitido por causa disso. Quando aconteceu, ele decidiu anunciar para colegas e amigos sua situação. A experiência o fez perceber que precisava de um lugar onde pudesse ser quem era. “Se você omite toda a sua vulnerabilidade, como é que as pessoas vão ajudá-lo?” Como líder, ele tenta estimular isso em sua equipe.
“Meu trabalho é identificar pessoas que não estão felizes, perguntar como estão se sentindo”, diz. Até porque foi sua relação com a própria vulnerabilidade que o ajudou a suportar os momentos mais difíceis. “Quando vem a insegurança, eu respeito, lembro de quais sãos meus valores e pelo que já passei”, diz.
O nascimento da coragem
Não é à toa que a vulnerabilidade está ligada à coragem — se não aceitamos as falhas e ficamos só buscando culpados (em nós mesmos ou nos outros), fica difícil assumir riscos e se desenvolver. “Aprender é nos fragilizar ao assumir que não dominamos algo”, diz Nélio, da NBHeart. “É preciso coragem para aceitar isso.” Nessas situações perdemos o controle que imaginamos ter sobre as coisas. Por isso mesmo, essa pode ser outra forma de praticar a vulnerabilidade: colocar-se na posição de aprendiz com mais frequência.
“Um bom exercício é fazer perguntas para as quais não se sabe a resposta”, diz Mônica, da The School of Life. Segundo ela, é comum adotarmos em conversas a postura de apenas buscar dos outros a confirmação para algo que já sabemos. “Em vez de se manter na zona de conforto, perguntar algo cuja resposta você não saiba abre um espaço criativo e o obriga a agir de forma mais humilde, aberto para algo novo”, diz. Adotar a vulnerabilidade também envolve escutar mais o que os outros têm a dizer — sem tentar impor nossas ideias e julgamentos enquanto ouvimos.
E é importante saber escolher as pessoas com quem você tentará se abrir mais. “Se a empresa não está num estágio tão maduro, tente eleger pessoas com quem já tenha proximidade e fale de forma particular, numa relação de confiança”, diz João Marcio, da Talenses. “Esse tema deve ser levado a sério e de forma profissional.”
Aliás, um dos pontos reforçados por Brené Brown é que a vulnerabilidade não pode ser vista como uma atitude confessional exagerada. Abraçar a vulnerabilidade não quer dizer se abrir para todo mundo independentemente das consequências. Parte importante dela é justamente entender quais são seus limites: até onde você está disposto a ir, o que é importante para você e quais são os momentos em que, de fato, você precisa se proteger mais.
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