O que o ChatGPT está fazendo com o seu cérebro
O ChatGPT vai te deixar burro? É complicado. Depender muito da IA para algumas tarefas afeta partes importantes da sua cognição. Com a neurociência e os conhecimentos de hoje, o que dá para afirmar sobre a relação cérebro-IA?

ChatGPT é, talvez, o maior avanço tecnológico da década. Lá em 2023, com menos de dois meses de existência, a inteligência artificial da OpenAI bateu 100 milhões de usuários. Hoje, a estimativa é de que o chatbot já seja usado por 700 milhões de pessoas e responda a 2,5 bilhões de prompts todos os dias. Atualmente, o Brasil é o terceiro país que mais usa o ChatGPT, com 140 milhões de mensagens diárias.
ChatGPT virou sinônimo de uma inteligência artificial específica: os Large Language Models (LLMs). Mas existem várias como ela. O Gemini do Google, a Meta AI da Meta, Copilot da Microsoft, a chinesa DeepSeek e muitas outras existem e ainda devem surgir.
Só que, como toda nova tecnologia, ninguém sabe direito o impacto que ela pode ter nas nossas vidas para além daquilo que ela se propõe a fazer, que é responder prompts. Como nosso cérebro reage a essa nova interação com essa máquina que também é novidade?
Então, surgiu um estudo do MIT Media Lab avaliando esse impacto. A internet e a mídia piraram e deram o veredicto: o ChatGPT te deixa burro. Não é bem assim… O que as novas tecnologias de IA realmente fazem com seu cérebro? Vamos entender, com uma ajudinha da neurociência, tudo que dá para saber até o momento.

A neurociência do aprendizado
O cérebro é um dos órgãos mais importantes do corpo humano. É ele quem controla praticamente tudo o que acontece: seus movimentos, aquilo que você pensa, sua respiração, seu batimento cardíaco, sensações e sentimentos e o que você lembra. Você pode nem perceber, mas seu cérebro está trabalhando para te manter vivo e operante.
Como ele faz isso? Por meio de sinais químicos e elétricos. Sinais diferentes controlam processos diferentes, e o seu cérebro interpreta cada um deles. Os responsáveis por transportar essas mensagens são as células nervosas, chamadas de neurônios, e as conexões entre os neurônios são chamadas de sinapses.
O cérebro é uma grande rede de vários bilhões de neurônios conectados, enviando sinais elétricos por meio das sinapses. É graças a essas conexões que você pensa, sente e aprende.
Se falar em aprendizado evoca a imagem de uma sala de aula e alunos sentados enfiando o conteúdo dos livros na cabeça, entenda que esse processo é muito mais do que isso. Para seu cérebro, todo contato com informações de diferentes tipos pode ser uma oportunidade de aprendizado. Para seu sistema nervoso, aprender significa criar novas conexões.
Simplificando bastante: toda vez que algo novo precisa ser processado pelo seu cérebro, ele vai criar novas sinapses entre os neurônios. Assim, você consegue adquirir novas informações e habilidades. Imagine que o cérebro é uma grande máquina complexa e que cada neurônio é um computador. Quando seu sistema nervoso quer aprender uma coisa nova, ele pega um cabo (uma sinapse) e conecta dois computadores. Com esse novo caminho, uma informação diferente vai ser transmitida.
Só que não dá para fazer conexões infinitas. O cérebro já é responsável por 20% do consumo de energia do corpo todo – mais precisamente, ele consome 300 Wh por dia; para carregar por completo a bateria do novo iPhone 16, são necessários 13,7 Wh.
Sim, manter o cérebro ativo custa. O sistema nervoso é responsável por muitas funções o tempo todo. Então, alguns processos precisam ser otimizados.
Aqui entra uma das características mais impressionantes do cérebro humano: a neuroplasticidade, que é a capacidade do órgão de alterar sua atividade em resposta a estímulos, reorganizando sua estrutura, funções e, principalmente, conexões.
Por causa da neuroplasticidade, algumas sinapses ficam mais fortes, e outras, mais fracas, dependendo do quanto você as usa. Uma forma muito simples de pensar nisso é imaginar uma praça com vários caminhos. Um dia, você decide percorrer um novo trajeto, cortando pela grama verde. Você passa lá uma, duas, três vezes. Com o tempo, vai se abrir um novo caminho. Quanto mais você passa, mais esse caminho vai ficar evidente e mais gente vai passar ali. Se ninguém mais passar por ele, a grama vai voltar e o caminho vai desaparecer.
Se o cérebro tende a economizar energia, ele desfaz ou enfraquece algumas das sinapses menos usadas para ter mais recursos e priorizar as conexões mais frequentes.
O melhor jeito de descrever a neuroplasticidade é: aquilo que você usa se reforça e aquilo que você não usa se perde. Você provavelmente não lembra o nome das afluentes do Rio Amazonas, das famílias da tabela periódica ou dos períodos do romantismo brasileiro. As coisas que você um dia soube por estar na escola, se não forem reforçadas, vão eventualmente se perder.
E não é só com informações que isso acontece, também rola com habilidades. Se você deixar de praticar um instrumento por muito tempo, por exemplo, quando tentar de novo vai ter alguma dificuldade em tocá-lo.
Se o cérebro tende a economizar energia, ele desfaz ou enfraquece algumas das sinapses menos usadas para ter mais recursos e priorizar as conexões mais frequentes. Por causa disso, o contrário também acontece: se você reforça um pensamento ou tarefa constantemente na sua cabeça, ela vai ficar cada vez mais comum e intuitiva para você.
Nosso cérebro pode não ser um músculo (ele é composto por cerca de 60% de gordura e 40% de água, proteínas, carboidratos e sais), mas, nesse quesito, ele se comporta como um. Quando você vai à academia malhar, você treina seus músculos para ficarem mais fortes. Com o tempo você aumenta a carga para 5 kg, 10 kg, 15 kg… e por aí vai ganhando mais força. Se você deixar a musculação por um tempo, você perde essa força. Quando você voltar, ainda que não comece do mesmo ponto de partida, você vai perder desempenho. Vai ser preciso retomar o treino, de pouco em pouco.
Pensando no exemplo da máquina, é como se uma conexão que exige muito dos computadores tivesse um cabo mais grosso e poderoso, enquanto uma que não é tão usada tivesse um cabo mais baratinho. Conexões frequentes são mais fortes. Conexões menos frequentes ficam fracas.
Antes de passar para a próxima parte, uma coisa tem de ter ficado bem clara: por causa da neuroplasticidade do nosso cérebro, tarefas que você faz com frequência ficam mais fáceis, e habilidades que você não exercita, você perde.

O estudo do MIT
Em junho deste ano, um grupo de oito pesquisadores publicou um estudo de 206 páginas na plataforma Arxiv, um serviço de pré-publicação de artigos científicos. A pesquisa é intitulada “Seu Cérebro com ChatGPT: Acúmulo de Dívida Cognitiva ao Usar um Assistente de IA para Tarefas de Redação” e discute como diferentes métodos de escrever uma redação ativam diferentes áreas do cérebro.
Esse estudo caiu na mídia como uma bomba. De repente, a internet foi tomada por manchetes eufóricas e sensacionalistas que usavam a pesquisa para fazer a seguinte afirmação: “o ChatGPT está de deixando burro”.
Não é bem isso que o estudo conclui. Na verdade, em nenhum momento do artigo os pesquisadores falam de “emburrecer” ou que o ChatGPT está “danificando o cérebro” das pessoas. Em uma página do estudo, eles até advertem contra o uso desses termos pela mídia, dizendo que isso é um desserviço ao trabalho deles.
Então, o que a pesquisa realmente mostrou? Que diferentes modelos de construção de texto produzem diferentes padrões de conectividade neural.
A pesquisa dividiu 54 participantes em três grupos. A cada sessão, eles deveriam fazer três redações no equivalente ao modelo ENEM gringo, sobre três tópicos diferentes. O que mudava entre os grupos era o tipo de ferramenta que eles tinham ao seu dispor. Um grupo podia usar o ChatGPT; outro, o sistema de pesquisa do Google; e o último não podia usar nenhuma ajuda externa, só o próprio cérebro.
Ao longo de três sessões, os pesquisadores acompanharam o desempenho dos participantes e mediram a atividade cerebral deles usando eletroencefalografia.
No estudo, os cientistas mostram como cada ferramenta causou um tipo de ativação específica no cérebro dos participantes – que é condizente com o tipo de relação humano-máquina de cada uma delas.
“A análise de eletroencefalografia apresentou evidências robustas de que modos distintos de composição de texto produziam padrões de conectividade neural claramente diferentes, refletindo estratégias cognitivas divergentes”, escrevem. “A conectividade cerebral diminuiu sistematicamente com a quantidade de suporte externo.”
Os participantes do “grupo cérebro” apresentaram os maiores níveis de ativação e conectividade, particularmente em regiões envolvidas com ideação criativa, integração semântica e monitoramento da tarefa.
Aqueles que usaram o mecanismo de busca tiveram graus intermediários de conectividade. Nesses participantes, a maioria da atividade ficou concentrada no córtex visual, a parte do cérebro responsável por interpretar aquilo que chega até seus olhos. A hipótese dos pesquisadores é que isso seja um reflexo da interação do grupo com a tela do computador durante a pesquisa. Os indivíduos estariam selecionando e avaliando diferentes informações, combinando recursos visuais e sua atenção.
Por fim, quem escreveu usando o ChatGPT teve os menores níveis de ativação e conectividade do cérebro. Segundo o estudo, a demanda cognitiva desses indivíduos estava voltada à integração procedural e coordenação motora – mesmo interagindo com uma tela, eles não tiveram uma ativação do córtex visual comparável ao grupo anterior. Ou seja, os seus cérebros estavam focados muito mais na tarefa mecânica de copiar resultados da IA e colá-los no texto. Era um modelo de produção automatizado, com pouco apoio das áreas de construção semântica e avaliação visual.
“Esses resultados corroboram a ideia de que ferramentas de suporte externo reestruturam não apenas o desempenho de tarefas, mas também a arquitetura cognitiva”, escrevem os cientistas. “O grupo ‘Cérebro’ utilizou redes neurais amplas e distribuídas para conteúdo gerado internamente; o grupo ‘Mecanismo de Busca’ usou estratégias híbridas de gerenciamento de informações visuais e controle regulatório; e o grupo ‘LLM’ [ChatGPT] otimizou a integração processual de sugestões geradas por IA.”
Com entrevistas feitas depois das sessões, os pesquisadores também perceberam que os participantes que escreveram sozinhos tinham muito mais facilidade em citar trechos de seus textos, sentiam-se mais orgulhosos com o que escreveram e autores das próprias redações.
Por outro lado, com os usuários do ChatGPT aconteceu o oposto: nenhum deles conseguiu citar corretamente um trecho da própria redação e apresentaram sentimentos conflitantes sobre a autoria do texto. Apesar dos benefícios da ferramenta, esses participantes tiveram uma integração passiva de informações geradas externamente, sem fixar o conteúdo na rede de memória.
Numa quarta sessão, os participantes trocaram de grupo: quem usou a IA primeiro, agora ia depender só do cérebro; e quem estava escrevendo sozinho, poderia recorrer ao ChatGPT. Como resultado, quem começou com auxílio da IA (o grupo ChatGPT-cérebro) não conseguiu replicar a mesma performance de quem já tinha começado a escrever sozinho. Enquanto o outro grupo (cérebro-ChatGPT) conseguiu usar a ferramenta com comandos melhores e mais específicos.
Os pesquisadores destacam que, durante essa quarta sessão, remover o auxílio da IA atrapalhou significativamente os participantes que começaram a escrever com o ChatGPT. Segundo o estudo, 78% não conseguiram citar nada de seus textos, e 11% só fizeram citações corretas. Análises mostraram que esse grupo tinha conexões fracas na região associada à codificação semântica e recuperação de memória – processos necessários para fazer citações precisas.
E isso não foi percebido em quem começou a escrever sozinho e só depois teve ajuda da IA. Os pesquisadores descrevem que, nesse caso, os participantes tinham conexões fortes em áreas que refletiam a regulação eficaz do acesso episódico e recodificação.
“A lacuna significativa na precisão das citações entre os grupos não foi meramente um efeito comportamental, ela se reflete na estrutura e na força de sua conectividade neural”, escrevem os cientistas. “A dependência inicial do grupo [ChatGPT-cérebro] em ferramentas de IA pareceu ter prejudicado a retenção semântica e a memória contextual a longo prazo, limitando sua capacidade de reconstruir conteúdo sem assistência.”
A pesquisa buscava entender todo o espectro de consequências cognitivas da integração dessas inteligências artificiais nos contextos educacionais e de informação. Para os cientistas, o potencial impacto delas no desenvolvimento cognitivo, pensamento crítico e independência intelectual demanda mais pesquisas e uma consideração muito cautelosa sobre seu uso.
Batalha de inteligências
O estudo do MIT, portanto, não afirma em nenhum momento que usar o ChatGPT ou seus afiliados vai te deixar burro. A pesquisa mostra que a conectividade neural de quem usa só a IA para escrever é menor do que quem depende apenas do próprio cérebro.
Porém, tendo em vista o que a gente discutiu sobre como a neuroplasticidade funciona, não é absurdo afirmar que, sim, delegar algumas habilidades para o ChatGPT pode enfraquecer essas conexões.
“Quando você começa a recorrer com muita frequência a uma tecnologia para substituir uma tarefa ou uma parte importante dela, a tendência é que com o tempo você vá perdendo o desempenho ou até mesmo a própria habilidade”, afirma Ana Carolina Souza, doutora especialista em neurociência comportamental.
Embora a pesquisa do MIT não tenha dito que o ChatGPT vai te emburrecer, ela mostrou que depender dessas ferramentas de IA não exercita o seu cérebro e, seguindo a lógica básica da neurociência, se você não usa, você perde.

Se, com a chegada de uma nova ferramenta de IA no seu ambiente de trabalho, você passou todos os seus deveres de redação de emails e mensagens para o robô, suas sinapses não estão sendo usadas. Elas podem ir se enfraquecendo até serem descartadas.
Algo assim já aconteceu com outras tecnologias. Depois dos aplicativos de mensagens e agendas de celular, quantos números de telefone você sabe decorados? Se não existe a necessidade do cérebro realizar uma atividade, seja decorar um número ou escrever um email, constantemente, ele vai se esquecer dela com o tempo.
É claro que a capacidade de mandar um email não vai sumir completamente do seu repertório. Não é que você vai ficar parado completamente atônito na frente da tela do computador, sem a menor ideia do que fazer. Mas escrever uma mensagem dessas vai ficar cada vez mais cansativo, mais custoso, as palavras certas vão demorar para aparecer, você pode ter dificuldade de se comunicar com clareza, com empatia e de manter a atenção enquanto escreve.
Essas habilidades invisíveis, que seu cérebro silenciosamente treina por trás de cada tarefa, são as mais ameaçadas. No grande maquinário do seu sistema nervoso não tem uma conexão específica intitulada “tocar piano” que ele ativa sempre que você coloca os dedos nas teclas. O que acontece, na verdade, é que a tarefa de tocar piano usa várias outras habilidades que são compartilhadas com outras tarefas – coordenação motora, interpretação visual e auditiva, raciocínio matemático, contagem de tempo, entre outras.
Não é só escrever emails, montar uma agenda, fazer um resumo ou encontrar artigos. Quando você delega demais essas tarefas, você deixa de praticar várias outras habilidades escondidas debaixo delas.
“É uma coisa que faz sentido, ela é muito lógica, ela é esperada. Como se você fosse atrofiando certas redes e certos recursos”, afirma Ana Carolina.
Agora, pense em alguém que chegou no mundo corporativo agora e que pôde sempre contar com auxílio da IA na hora de enviar uma mensagem para alguém. Como essa pessoa vai desenvolver plenamente essas habilidades? O próprio estudo mostrou que o momento em que a IA é inserida durante uma tarefa pode fazer diferença nas conexões e memória associada a ela. Iniciar um processo de aprendizado colocando toda a demanda cognitiva nas costas de uma IA pode ser prejudicial para o desenvolvimento futuro.
Jovens cérebros
O estudo não foi publicado em um período científico ainda. No momento, ele está passando pela fase de revisão por pares, um processo da publicação acadêmica e científica em que o artigo é revisado por especialistas da área para melhorar o trabalho.
O que motivou os pesquisadores, mais especificamente a autora principal do estudo, Nataliya Kosmyna, a publicá-lo, foi a urgência do assunto. O artigo foi submetido à revisão, mas os pesquisadores não queriam esperar pela aprovação, que pode demorar alguns meses. Kosmyna, parte do MIT Media Lab, queria explorar os impactos do uso da IA em trabalhos escolares porque cada vez mais estudantes estão recorrendo a essa tecnologia.
“O que realmente me motivou a publicá-lo agora, antes de esperar por uma revisão completa por pares, é meu receio de que, em seis a oito meses, algum político decida: ‘vamos implementar o GPT no jardim de infância’. Acho que isso seria absolutamente ruim e prejudicial”, afirmou em uma entrevista à revista americana Time. “Cérebros em desenvolvimento correm o maior risco.”
A preocupação dela não é à toa – jovens, usualmente mais adeptos a embarcar em novas tecnologias, são os principais usuários do ChatGPT e similares. Segundo a pesquisa Consumo e Uso de Inteligência Artificial no Brasil, realizada pelo Observatório Fundação Itaú e o Datafolha, 73% dos brasileiros entre 16 e 24 anos utilizam alguma ferramenta de inteligência artificial de geração de texto, como ChatGPT, Gemini, DeepSeek, Copilot, etc. Nessa mesma faixa etária, 68% afirmam que usam alguma ferramenta de IA para auxiliar no trabalho e 77% para estudar.
Entre esses jovens, os usos mais comuns da IA são para fazer buscas sobre determinados temas (80%), para resumir documentos, encontrar informações rapidamente ou responder a perguntas complexas (79%) e criar conteúdos como textos, imagens ou vídeos (69%).
73% dos brasileiros entre 16 e 24 anos utilizam alguma ferramenta de inteligência artificial de geração de texto, como ChatGPT, Gemini, DeepSeek, Copilot, etc
Algumas importantes áreas do cérebro ainda estão se desenvolvendo no início da vida adulta. O uso intensivo de ferramentas de IA durante essa fase pode deixar o órgão “mal acostumado” e atrapalhar a formação e fortalecimento de algumas conexões.
“É diferente quando uma pessoa que desenvolveu a habilidade para de usá-la de alguém que estava desenvolvendo a habilidade e não teve a expansão a sofisticação que ela poderia ter tido. Isso é muito mais grave num jovem do que num adulto”, alerta Ana Carolina. “Esse grupo estar recorrendo com muita frequência a esse tipo de mecanismo, que nem sempre vai trazer qualidade no que faz, eu entendo como algo que vai trazer mais malefício do que benefício.”
ChatGPT & cia. são, inegavelmente, uma ferramenta extremamente conveniente. Eles são fáceis de usar, simples, rápidos, práticos, fazem você economizar tempo e energia e, além de tudo, são uma novidade interessante.
As IAs fazem algumas coisas realmente muito bem. Em um mundo com constante pressão por performance e resultados, funcionários podem se sentir coagidos a usar essas ferramentas para acompanhar as demandas.
Contudo, essa conveniência pode provocar diminuição da capacidade de avaliar criticamente as respostas das IAs, falta de motivação com o trabalho, perda de habilidades cognitivas, entre outros fatores que ainda não entendemos.
“À medida que a dependência de ferramentas de IA aumenta, deve-se dar uma atenção cuidadosa à forma como esses sistemas afetam o desenvolvimento neurocognitivo, em especial às possíveis compensações (trade-offs) entre o suporte externo e a síntese interna”, escrevem os pesquisadores no estudo.

Usando o ChatGPT com responsabilidade
Goste ou não, inteligências artificiais como o ChatGPT já são uma realidade. Não é mais uma questão de usá-las ou não, e sim de como, quando e por quanto tempo vamos usar essas ferramentas.
Para ter um uso responsável dessas IAs, a primeira dica é reconhecer os pontos fortes e fracos de cada uma. Os modelos de linguagem da turma do ChatGPT são muito bons com palavras. Eles escrevem bem, fazem bons resumos, organizam bem as informações. Se a sua tarefa envolve algo de linguagem, é bem capaz que essas ferramentas te ajudem – afinal, linguagem está no nome delas.
O grande forte delas está na geração de textos. Você pode pedir que elas te expliquem algum conceito, que gere uma lista de questões de estudo ou que organize uma agenda.
Esses modelos também são bons em adaptar textos para outros formatos. Se você queria que a explicação sobre inteligência emocional que você pediu para ele tivesse uma linguagem menos (ou mais) técnica, ele pode reformular a resposta. Os modelos de linguagem foram treinados com muitíssimos textos de todos os cantos da internet, então eles conseguem emular quase todos os estilos que foram expostos.
Nessa mesma linha, ChatGPT e afiliados mandam bem na tradução. Se você sente que o Google Tradutor pode traduzir tudo muito na literalidade, uma dessas IAs consegue entender e preservar o contexto do texto original e passá-lo para outra língua sem tanta perda de sentido.
Os LLMs são ótimos para brainstorming. Como a essência do processo de brainstorming é gerar muitas e diferentes ideias, o tipo de treinamento dessas máquinas faz com que elas sejam ótimas ferramentas nesse processo. Às vezes, seu cérebro está muito preso em um ideia específica, então o ChatGPT pode ajudar a expandir seu leque de opções com uma lista de itens novos. A ideia final dificilmente vai ser uma criação da IA, mas é ótimo usá-la como uma máquina de geração de ideias iniciais para dar um empurrãozinho na sua própria criatividade.
Devido à forma como foram criados e treinados, esses modelos de linguagem são excelentes em fazer resumos. O processo de treinamento deles envolve compactar as informações, destilando textos longos em formas mais concisas sem perder o significado essencial, que é exatamente o que você faz ao criar um resumo.
Por fim, um uso comum do ChatGPT e companhia é a revisão de textos – seja puramente gramatical ou conceitual. Como um modelo de linguagem treinado, essas IAs conseguem analisar o conteúdo e apontar erros de concordância, entre outros.
Contudo, é claro que o ChatGPT e outras IAs desse tipo tem seus pontos fracos. Às vezes elas deslizam em cálculos matemáticos, falham em fazer citações perfeitas e se lembrar de comandos anteriores. Mas o maior problema delas é, sem dúvida, a “alucinação”.
Essa conveniência pode provocar diminuição da capacidade de avaliar criticamente as respostas das IAs, falta de motivação com o trabalho, perda de habilidades cognitivas, entre outros fatores
Esses modelos de linguagem trabalham juntando palavras estatisticamente prováveis de estarem perto umas das outras. Em alguns momentos, eles acabam juntando termos que formam textos bem coesos, mas que contém informações incorretas e respostas erradas. Por causa dessas alucinações, talvez confiar muito nessas IAs como ferramenta de busca não seja a melhor decisão. Lembre-se de sempre conferir as informações que a IA te fornece.
A segunda dica para um uso responsável do ChatGPT e amigos é: continue nutrindo seu pensamento crítico.
O processo de aprendizagem envolve a nossa capacidade de adquirir informações de várias referências diferentes. Não só livros, filmes e textos jornalísticos, mas também de experiências cotidianas, conversas de bar e momentos de introspecção.
Com um grande repertório, você consegue fazer ponderações sobre e conectar diferentes experiências. No estudo, quem usou só o cérebro estava continuamente acessando sua memória e buscando conexões; quem usou o buscador do Google teve uma ajuda, mas ainda sim precisou conectar experiências com novas informações. Mas quem usou o ChatGPT não pensou, não acessou o próprio repertório e não aprendeu nada novo – a IA fez todo o trabalho.
Se você para de acessar seus conhecimentos, eles ficam tão empoeirados quanto livros em uma biblioteca velha. Uma hora, as traças vão comer as páginas e não sobrará nada.
“Se a gente quer manter o pensamento crítico, tem que ser capaz de nutrir esse cérebro com informações diversas, parar para conectar essas coisas e refletir sobre aquilo que estamos aprendendo”, aconselha Ana Carolina. “Isso é a capacidade de pensamento crítico; conseguir fazer essa ponderação, refletir, relativizar coisas em função daquilo que eu tenho o nível de informação.”
Por fim, a última dica da neurocientista é não abrir mão de habilidades humanas. Será que você está usando o ChatGPT para um trabalho mais operacional, como um recurso tecnológico que te ajuda a ganhar tempo e eficiência em atividades convenientes? Ou você está delegando partes importantes da humanidade para uma máquina?

Criatividade, empatia, comunicação, conexão social, são aspectos ligados à sofisticação do nosso cérebro. Para Ana Carolina, não deveríamos delegar essas grandes habilidades. Precisamos entesourar essas capacidades como parte do nosso repertório diferencial em um movimento de automação cada vez mais forte.
“O que é importante para que você possa seguir performando e se desenvolvendo na sua carreira? Conectar-se com pessoas é importante, logo, escrever e conversar com alguém pode te ajudar a manter essa habilidade de capacidade relacional. Tem a ver com a empatia, com a comunicação, com lidar com as suas emoções e a do outro”, afirma. “Cada vez mais pessoas têm dificuldade de se relacionar, de se comunicar e cada vez mais problemas associados a isso aparecem. A gente não sabe mais lidar com o outro porque é muito mais fácil pedir para o ChatGPT escrever um e-mail.”
Parte da vida é encontrar desafios e problemas complexos. Tem momentos do dia em que vamos nos deparar com situações difíceis, que exigem esforço. Enfrentar essas dificuldades e conseguir superá-las traz significado, conexão e desenvolvimento – profissional e, acima de tudo, humano.