Fan tokens: o que são e como funcionam?
As criptos associadas a times de futebol entraram em queda livre desde o lançamento, em 2021. E a CBF se viu num imbróglio jurídico depois de lançar a sua. Mesmo assim, ainda há novas iniciativas na área. Entenda esses ativos – que podem ser tudo, menos “financeiros”.
A Seleção Brasileira está prestes a virar pauta de uma CPI em Brasília. E tudo por causa do fan token da CBF. Lançado em agosto de 2021, o BFT (Brazilian Fan Token) arrecadou R$ 90 milhões em sua estreia, estabelecendo um recorde para a categoria. Mais de 13 mil pessoas entraram nessa. E não conseguem sair.
No segundo semestre daquele ano, o Bitcoin galagava rumo à maior cotação de sua história (US$ 68 mil) graças à grande injeção de liquidez de bancos centrais mundo afora. Foi nesse contexto que os fan tokens explodiram. E a CBF entrou na onda.
Fan tokens são “criptomoedas” desenhadas justamente para fãs de futebol. Eles funcionam como uma carteirinha virtual que te dá acesso a uma espécie de programa de fidelidade. Os prêmios que costumam rolar são uniformes autografados, ingressos, encontros com jogadores…
Token, aliás, nada mais é que a representação digital de um ativo ou de uma utilidade. Os mais conhecidos são os NFTs (tokens não-fungíveis, na sigla em inglês), que representam a propriedade ou autenticidade de um único item, como obras de arte digitais, músicas, vídeos.
Enquanto os NFTs são indivisíveis e únicos, os fan tokens são fungíveis, ou seja, cada unidade tem o mesmo valor e pode ser trocada por outra unidade igual, assim como criptomoedas. E, igual aconteceu com o Bitcoin, sua emissão é limitada. No ato da criação, estipula-se que o suprimento total será de x tokens e ponto, não é possível emitir mais. E eles são colocados no mercado aos poucos, de acordo com a demanda.
A procura pelo token da Seleção foi enorme. Na oferta inicial, definiu-se o preço de 0,50 euro por unidade. No pico, antes da Copa do Catar, chegou a 1,65 – uma alta de 230%. Mas despencou 97% desde então, e hoje é negociado a 0,05 euro.
Bom, “negociado” talvez não seja bem o termo. Segundo compradores, a companhia turca Bitci, que desenvolveu o BFT, não está permitindo resgates. E, de acordo com a CBF, a empresa não está mais autorizada a negociar o token, apesar de ele ainda estar à venda nas plataformas de cripto.
Os problemas surgiram no ano passado, quando a Bitci, até então pouco conhecida, começou a atrasar os pagamentos periódicos à CBF pelo direito de criar tokens em nome da Seleção.
Os pagamentos pararam de pingar até que, em outubro de 2022, a confederação rompeu o contrato com a Bitci, exigindo, em vão, que ela deixasse de negociar o BFT. Como o ativo está em um imbróglio, ninguém o quer, ou seja, é basicamente impossível arranjar compradores no mercado secundário (quando você tenta vender para outras pessoas físicas). E a Bitci, que deveria comprá-los de qualquer investidor que desejasse sair, não está honrando com esse compromisso.
O que o Congresso brasileiro quer saber na recém-aprovada CPI é se a operação se tratava de um golpe – a comissão foi instaurada com o objetivo de investigar pirâmides financeiras que usam criptomoedas como chamariz. Seja como for, o fato é que os tokens da Confederação Brasileira de Futebol nunca ofereceram benefício algum.
Há outros lesados. Ceará, Coritiba, Fortaleza e Sport também relataram a falta de pagamentos por parte da Bitci, que tinha lançado fan tokens deles.
O problema não é exclusivo dos brasileiros. Já no início de 2022, a equipe de F-1 McLaren rompeu seu contrato com a mesma empresa, também por falta de pagamento. O clube português Sporting e o italiano Spezia foram também pularam fora.
Outra empresa de tokens, a Lunes, também está em falta com os pagamentos ao Cruzeiro. Na Justiça, o clube pede o fim da negociação de seu fan token, o $CRZ, e o pagamento de R$ 6 milhões devidos.
Mesmo assim, os fan tokens continuam a pipocar Brasil afora. 12 clubes mantêm tokens ativos (veja no box da pág. 59), e vem mais por aí. Motivo: empresas de criptomoedas pagam bem para poder operar tokens com os nomes deles – ao menos nos casos das companhias que pagam de fato, claro. Para os times, é um dinheiro fácil que se assemelha a mais um licenciamento de imagem.
Além do pagamento inicial para criar, lançar e operar o token, cuja propriedade em si é do clube, as companhias também repassam mensalmente uma parte do que arrecadam com as vendas do ativo. Por contrato, o clube tem que oferecer benesses a quem compra os tokens – de outra forma, a simples posse deles não faria sentido algum (como aconteceu no caso do BFT).
A empresa de fan tokens mais presente no Brasil é a Socios.com, com sedes em Malta e em Madri. Ela é a operadora das maioria dos fan tokens mundo afora, incluindo o primeiro deles, da Juventus de Turim. Por aqui, ela opera para nove clubes brasileiros – entre eles os cinco de maior torcida: Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco.
Para adquirir um token controlado pela Socios.com é necessário comprar a criptomoeda da rede blockchain na qual ele está baseado. Nesse caso, a Chiliz. É assim que o token fica registrado na sua conta. Mas você não precisa fazer todo o processo de adquirir moedas Chiliz para depois comprar um fan token do Flamengo, por exemplo. Essa conversão é automática. Você faz o Pix ou passa seu cartão de crédito e voilà: os tokens $MENGO estarão na sua carteira e você nem viu a cor das Chiliz que usou para comprá-los.
Para ter acesso aos eventuais benefícios oferecidos pelo clube, você precisa estar cadastrado na plataforma que administra a coisa. E esses brindes não são automáticos. É preciso “comprá-los” com os pontos. Vejamos como funciona no caso da Socios.com.
A compra de tokens dá direito a uma pontuação. Para aumentar a quantidade deles sem adquirir mais tokens, é necessário interagir com a plataforma, participando de enquetes, quizzes e jogando os games disponíveis. Com os pontos, você faz uma oferta pelo benefício, como um lance de leilão. E, obviamente, os mais legais custam mais, assim como os melhores prêmios nos programas de fidelidade tradicionais.
Esses leilões duram cerca de três dias e funcionam de forma reversa. Ou seja, estabelecem um preço máximo e quem se aproximar mais dele em sua oferta leva o benefício para casa.
Quem tinha 100 tokens do São Paulo ($SPFC) pôde concorrer a três vagas para viajar com o time para a final da Copa Sul-Americana, na Argentina, no ano passado. O leilão começou em 50 mil pontos e o vencedor levou por 40 mil.
O Corinthians ($SCCP) colocou uma faixa de capitão usada pelo goleiro Cássio por 100 mil pontos. Era preciso possuir com 75 tokens para entrar na disputa – o resgate rolou para uma oferta de 65 mil pontos.
Para conseguir um ingresso de jogo na arquibancada, são necessários no mínimo 15 tokens $SCCP e lances entre 5 mil a 10 mil pontos. Considerando que um ingresso no setor mais barato custa, em média, R$ 100, pode valer a pena, dependendo da cotação do token. Mas não é certo que você vá conseguir arrematar as benesses. Se a ideia é ir a jogos, os programas de sócio-torcedor seguem como o melhor caminho.
Os benefícios mais comuns são o direito de participar de enquetes (que geram pontos). Detentores de $SCCP puderam escolher qual seria o novo design do uniforme, entre as opções disponíveis, e quem seria o novo homenageado com uma estátua no Hall da Fama do Clube – Ronaldo Fenômeno venceu com 60% dos votos, desbancando os históricos Basílio e Gylmar dos Santos Neves.
A ideia é que a disputa entre torcedores pelos benefícios crie demanda pelas criptos. E que, dessa forma, o valor de mercado delas suba. Caso isso aconteça, o fan token vira também um “ativo financeiro” – mesmo quem não é torcedor vai lá e compra para ver se lucra; isso aumenta a demanda, e faz a bola de neve crescer.
Na verdade, é o que acontece com qualquer cripto: ninguém compra Bitcoin, Dogecoin ou seja lá o que for para ter acesso coisa alguma, mas para ver se consegue vender mais caro depois. Juntar o fogo especulativo das criptos com o do futebol, então, parecia uma fórmula perfeita para a criação de novas criptomoedas.
Mas não é o que aconteceu. O $SCCP desvaloriza 88% desde o lançamento, em 2021, a R$ 1,75. O $SPFC, 84%, a R$ 1,50. O $MENGO, também 84%, a R$ 2,25. Mesmo o fan token mais valioso do mundo não ganhou terreno desde sua estreia. O ativo do Manchester City cai 77% desde 2021, a R$ 26,31.
“Conceitualmente, a ideia por trás do fan token é poderosa, mas ainda não vimos execução no mercado que realmente engaje o fã. Estamos estruturando o token do Grêmio como um complemento ao programa do sócio-torcedor, mas é preciso um engajamento total do clube”, conta André Portilho, diretor de ativos digitais do BTG Pactual. O banco tem participação em uma empresa especializada em negócios na área do esporte, a Win the Game. E a partir dela vai lançar o $IMORTAL, fan token do Grêmio, agora em junho.
Entre os benefícios previstos estão vendas antecipadas, descontos, e interações com jogadores, especialmente com Luis Suárez, astro global que lidera o clube de Porto Alegre. Neste contrato, o Grêmio recebe uma parcela das vendas todo mês, podendo antecipar recebíveis. O BTG agora negocia com outros clubes.
Seja como for, o fato é que os programas de sócio-torcedor, já tradicionais e bem-sucedidos na venda de ingressos, poderiam dar conta de leiloar itens colecionáveis e encontros com ídolos – sem a intermediação de criptomoedas.
Projetos recentes que envolvem cripto foram, em sua imensa maioria, gestados lá 2021. Era um tempo em que não apenas o Bitcoin estava em seu auge, mas excentricidades como moedas “de metaverso” e de jogos play-to-earn tiveram altas de mais 1.000% em um ano. A ideia de que essa febre cripto associada às emoções do futebol criaria novos fenômenos financeiros fazia sentido. Hoje, com o próprio Bitcoin 60% abaixo daquele pico e o derretimento das criptos “alternativas”, a história é outra.
Em suma: a ideia dos fan tokens pode ser, sim, um saudável jogo “de soma não zero”, no qual os dois lados ganham: times, que passam a ter novas fontes de receita, e torcedores, que acessam produtos que lhes interessam. Só não sonhe em ganhar dinheiro com isso.
Os 5 fan tokens mais valiosos do mundo
Time |
Valor de mercado |
Preço por token |
Valorização desde o lançamento |
Operador |
Manchester City |
US$ 30,8 milhões |
US$ 5,33 |
-77% |
Socios.com |
Barcelona |
US$ 27,8 milhões |
US$ 2,9 |
-29% |
Socios.com |
Alpine F1 Team |
US$ 21,4 milhões |
US$ 2,34 |
134% |
Binance |
OG esports |
US$ 21 milhões |
US$ 5,54 |
174% |
Socios.com |
Paris Sain-Germain |
US$ 20,5 milhões |
US$ 4,16 |
89% |
Socios.com |