Vulcabras (VULC3): as estratégias da dona da Olympikus
A tradicional companhia, hoje focada em tênis esportivos, teve um lucro recorde em 2022, 50% maior que o do ano anterior. O CEO Pedro Bartelle dá sua receita para competir com as gigantes que fabricam na Ásia.
A Vulcabras (VULC3) de hoje pouco se assemelha àquela fundada em 1952 em São Paulo. Ela começou produzindo conservadores sapatos sociais de couro com solado de borracha, e seguiu assim por décadas – em 1989, chegou a ter Leonel Brizola como “garoto” propaganda.
O lado tiozão, porém, ficou para trás. Em vez de calçados formais, hoje ela se dedica à fabricação de tênis de alta performance, com solado de EVA e grafeno. Produz no Nordeste e mantém um centro de pesquisas em inovação no Rio Grande do Sul. Seus pisantes são distribuídos para 15 países.
Os calçados femininos também ficaram de lado. A famosa marca Azaléia passou de mãos dentro da família Bartelle, que comprou a Vulcabras em 1988. Ficou com a Grendene (GRND3).
A Olympikus, maior marca esportiva brasileira, é a joia da tríplice coroa da companhia. As licenciadas Mizuno, do Japão, e Under Armour, dos EUA, completam o catálogo, cujos pares têm preços que vão de R$ 170 a R$ 2 mil.
Com um processo fabril flexível o bastante para atender pedidos de curto prazo, investimento em P&D e mais uma forcinha do câmbio em alta, a Vulcabras consegue competir com as gigantes esportivas que fabricam na Ásia, usando mão de obra mais barata. A Nike, que tem operação própria no Brasil por meio da Centauro, faturou R$ 4 bilhões no ano passado. A dona da Olympikus não ficou muito atrás, com R$ 2,9 bilhões. Trata-se de um faturamento recorde. Idem para o lucro, de R$ 470 milhões – 50% maior que o de 2021.
À Você S/A, Pedro Bartelle, CEO da companhia e filho do fundador da Grendene, explica a decisão de se concentrar em artigos esportivos. E a fórmula por trás do resultado recorde de 2022.
Como você começou a trabalhar no negócio da família?
Aos 18 anos, abri uma loja de calçados. Foi o primeiro outlet da Reebok no Brasil. A marca já era da Vulcabras, mas eu quis abrir o negócio sozinho, não para a empresa. Deu tão certo que cheguei a ter seis lojas, todas no Rio Grande do Sul, e também lancei o primeiro e-commerce do Brasil, o Site Shoes.
Até que acabei fazendo um acordo com a família. A Vulcabras incorporou as lojas e fui trabalhar para a empresa justamente nessa parte de comércio, para abrir outras lojas. Chegamos a 25 outlets da Reebok no começo dos anos 2000.
Depois, virei diretor de marketing da companhia. Até que estourou uma grande crise na Argentina em 2002, onde tínhamos distribuição de produtos. Nosso distribuidor argentino, por coincidência, também era licenciado da Reebok. Então a Reebok Internacional nos ofereceu a operação do país e eu fui pra lá assumi-la, em 2003.
Era um escritório de 80 pessoas que estava um pouco desacreditado. Precisava de uma reestruturação. Pelo lado pessoal, eu queria me desenvolver como executivo. O melhor era que eu cuidasse de uma operação inteira. Deu muito certo: montamos uma fábrica no sul da Argentina e chegamos a ter 4.500 funcionários no país.
Em 2007, quando estávamos comprando a Azaléia, voltei ao Brasil para assumir de novo a cadeira de diretor de marketing. Continuei no cargo até 2011, quando passamos por uma crise bem forte no Brasil. As importações de calçados provenientes da Ásia cresceram muito, com uma invasão de produtos subsidiados – as grandes marcas nessa época usavam os países emergentes para escoar excedentes de produção.
Contratamos uma consultoria e fizemos uma reestruturação profunda na Vulcabras. A direção acabou sendo trocada e comecei a me preparar para virar o CEO. Em 2015, quando a consultoria saiu, eu assumi. No ano seguinte, a empresa recuperou resultados, e em 2017 fez um re-IPO, entrando no Novo Mercado [a seleção de empresas com melhor governança corporativa da bolsa].
Como é que funciona o licenciamento de marca?
A Vulcabras foi a primeira empresa a licenciar uma marca esportiva no Brasil – a Adidas, nos anos 1980. Desde então, licenciamos muitas outras, como Puma, Asics e Reebok. Nos especializamos nisso. Mas nossa marca própria, a Olympikus, segue importantíssima. É o nosso maior faturamento. Licenciamos apenas aquelas que nos parecem interessantes para complementar o negócio.
Normalmente, esses contratos funcionam com o pagamento mensal de royalties em cima do faturamento. Fazemos um acordo de longo prazo, dez anos para mais. Menos tempo que isso não é bom negócio porque há muito investimento. Mas não posso abrir mais detalhes por conta das cláusulas de confidencialidade. Essas marcas têm muitos contratos pelo mundo, eles nem sempre são iguais.
Também só licenciamos se pudermos ter controle total do negócio, com a possibilidade de importar, produzir, exportar e vender essa marca no mercado interno. Podemos fazer tudo com ela, desde que observemos o “manual”. Você não pode inventar um produto de basquete, por exemplo, se a marca não trabalha com esse esporte.
No caso da Under Armour, identificamos algumas tendências e necessidades do Brasil. Então criamos sola e cabedal [parte superior do tênis] novos para encontrar faixas de preço adequadas. E isso é um ponto importante da Vulcabras, porque algumas pessoas têm um pouco de preconceito com os produtos brasileiros. E a Under Armour ainda é muito pequena no Brasil. Considerando que ela está entre as cinco maiores do mundo, tem muito pra crescer.
E vocês pensam em licenciar mais marcas ou até criar algumas outras voltadas a diferentes modalidades esportivas?
Estamos de olho no mercado. Se aparecer algum bom negócio, estaremos atentos. Além disso, as marcas internacionais se dão conta de que ter um operador nacional é saudável. O Brasil é um país dificílimo, imprevisível, com muita volatilidade.
A Vulcabras teve resultados recordes em 2022, com R$ 2,9 bilhões de faturamento e R$ 470 milhões de lucro. Qual foi o fator determinante para esse sucesso?
Há dois anos, nos especializamos no esporte e vemos que as sinergias trazem mais eficiência. Crescemos mais de 30% no ano passado com as mesmas marcas, algo fora da curva.
Outra decisão ousada foi não termos demitido ninguém na pandemia. Não desmobilizamos nossa operação. A reunião semanal de diretoria passou a ser diária. Com as fábricas fechadas, estávamos reunidos para ver o que era necessário para quando viesse a retomada.
E por que essa escolha de se concentrar no esporte? É uma operação mais lucrativa?
O calçado feminino tem uma dinâmica completamente diferente do calçado esportivo. Ambos são bons negócios, mas é muito difícil você alinhar os interesses da empresa com dois negócios muito diferentes.
O esportivo é um setor que cresce mais por dois motivos: o cuidado com a saúde, que se intensificou muito com a pandemia, e, mais importante, o material esportivo saiu do esporte e foi pro cotidiano das pessoas. Hoje, por causa do conforto, da praticidade e da performance que esses calçados entregam, as pessoas usam para trabalhar, para sair.
Além disso, o esportivo sempre foi o protagonista da Vulcabras. Quando nós compramos a Azaléia, a Olympikus já era maior do que ela.
E nunca surgiu a oportunidade de fundir a Vulcabras com a Grendene?
Ambas estão muito bem. E, por mais que as duas sejam fabricantes de calçados, são empresas muito diferentes. A Grendene tem como matéria-prima quase total o PVC, e a Vulcabras usa o EVA. São outros materiais e processos, que demandam maquinários distintos.
Aqui na Vulcabras fazemos um produto muito mais complexo. Um tênis passa pela mão de 120 pessoas até ficar pronto. Temos compromisso com inovação tecnológica e com alta performance esportiva. São negócios diferentes.
Como competir com as marcas internacionais que têm operação própria no Brasil e contam com fábricas em países asiáticos, onde o custo de produção é menor?
Somos muito bons em fazer calçados. As nossas fábricas são tão boas quanto as de lá. A Ásia tem custos menores, os salários são mais ou menos quatro vezes mais baixos. Os problemas estão lá, não aqui.
Hoje, com o câmbio perto de R$ 5, a gente se aproxima no custo, também considerando o imposto de importação, que é de 35%. Assim, conseguimos competir. Principalmente nos calçados que demandam menos mão de obra.
Além disso, temos uma flexibilidade muito grande para poder competir com essa turma. Pegamos pedidos no curto prazo para que os nossos clientes possam repor a todo momento.
As marcas internacionais criam suas coleções, suas subsidiárias apresentam essas amostras mundo afora e os clientes compram [estoque] para seis meses. Quando o produto vende muito, dificilmente há uma reposição rápida. Quando o produto vende menos, há liquidação. O cliente precisa acertar a quantidade.
Nós criamos o nosso processo fabril com flexibilidade e uma rede de fornecimento rápido de matéria-prima, para pegar pedidos mensalmente dos nossos mais de dez mil clientes.
Também investimos muito em pesquisa e desenvolvimento. Foram mais de R$ 430 milhões na modernização das nossas fábricas e centro de P&D nos últimos 4 anos.
Em parceria com a Universidade de Caxias do Sul, inventamos um tênis para democratizar o produto de alta performance com matéria-prima brasileira, o grafeno, na sua placa de propulsão e no EVA interno. Conseguimos chegar a um produto que tem menos da metade do custo de produção dos internacionais.
Com o laboratório de biomecânica da USP, desenvolvemos um tênis que tem amortecimento e redução de impacto na medida certa.
Hoje, essa categoria de alta performance já representa 10% do faturamento da empresa e deve continuar crescendo.
A indústria da moda é uma das menos sustentáveis. Como contornar isso?
100% da nossa produção é feita com energia limpa, energia eólica, em uma parceria com a Casa dos Ventos. Com isso, deixaremos de emitir 15.600 toneladas de CO2 no período de 13 anos do contrato, o que equivale ao plantio de 67 mil árvores.
Nossos resíduos não vão para o lixo. Tudo é reaproveitado no processo. Usamos 20% de reciclo em cada produto. E a pequena parte de EVA que sobra, um parceiro recolhe, processa, e utiliza na fabricação de estradas.
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