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TEND3, CYRE3, PLPL3 e mais: a volta das construtoras ao canteiro de obras

A promessa de Selic de um dígito somada ao renascimento do Minha Casa, Minha Vida coloca as construtoras da bolsa sob os holofotes. Entenda quem são as companhias com mais chances de crescer – e saiba por que o setor ainda tem um trabalho hercúleo pela frente.

Por Jasmine Olga | Design e colagens: Cristielle Luise | Edição: Tássia Kastner
Atualizado em 24 nov 2023, 19h03 - Publicado em 10 nov 2023, 06h04

Como uma fênix, o setor de construção civil vive um ciclo de renascimento na bolsa brasileira. Na mitologia grega, o pássaro escarlate ressurge das cinzas. No folclore financeiro, as construtoras listadas na B3 levantam voo diretamente dos escombros deixados pela pandemia. 

Quem puxa a recuperação são as empresas voltadas às classes C e D, que batem o Ibovespa com folga no acumulado do ano. Enquanto o principal índice da bolsa sobe 6% no ano, Tenda (TEND3) e Plano & Plano (PLPL3), por exemplo, acumulam altas de 181% e 144%, respectivamente. No universo das construtoras de alto padrão, quem puxa a fila são Lavvi (LAVV3; 60%) e Cyrela (CYRE3; 53%). 

Perdoe o fatalismo, caro leitor, mas o problema é que, para renascer é preciso primeiro virar cinza. E era isso que havia nos escombros do pós-pandemia das construtoras.

Prédios demandam muito crédito. Seja do lado da construtora, que precisa financiar a obra, seja do seu lado, quando decide comprar um imóvel

E o que rolou com o crédito, você sabe: no primeiro ano da pandemia, a taxa Selic caiu a 2% ao ano, o que tinha tudo para impulsionar o crescimento do setor. E, bem, foi isso que aconteceu. O crédito imobiliário saltou 57% de 2019 para 2020, para R$ 124 bilhões, segundo dados da Abecip (a entidade das empresas de crédito imobiliário). Em 2021, mais um salto: R$ 205 bilhões em financiamento.

Só que em 2021 a Selic já estava escalando e fechou aquele ano em 9,25%. Depois, em 2022, foi mais uma sequência de aumentos até o patamar de 13,75% ao ano. Doeu. O crédito imobiliário encolheu 12,8%, uma tendência que continuou em 2023.

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Havia um motivo para a escalada de juros: a inflação. É que a taxa Selic muito baixa gerou crédito barato e demanda justamente num momento em que a oferta de matérias-primas estava comprometida pelas interrupções em fábricas, problemas logísticos e toda a sorte de desarranjos causados pela pandemia.

A inflação do setor de construção é medida pelo INCC, da FGV. O índice chegou a acumular alta de 17,4% em 12 meses, isso lá em junho de 2021. Ele ficou acima de dois dígitos por mais de um ano e meio. Como comparação, o IPCA só bateu o indigesto pico dos dois dígitos em setembro daquele ano – a variação máxima foi de 12,13%, em abril de 2022. 

Ou seja, elas estavam, sim, construindo e vendendo mais. Mas também estavam lucrando menos com a operação, porque os custos dispararam de uma hora para outra. E, justamente porque o remédio para combater a inflação é subir juros, o mercado entendeu que as empresas demorariam a se recuperar. As ações caíram.

Foi só agora em agosto que o Banco Central voltou a cortar a Selic, isso depois de a inflação ter sido controlada. Seguindo o plano já anunciado, a Selic termina o ano em 11,75% – ainda salgado para o crédito imobiliário. Para 2024, a expectativa é que a taxa termine o ano em 9,25%. 

Qualquer queda de juros é boa notícia. Mas, sozinha, a atual magnitude de redução da Selic não seria suficiente para patrocinar a recuperação do setor. Aí veio a mãozinha de Brasília.

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(Cristielle Luise/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Minha casa, minha vida

Em junho, o governo confirmou outro renascimento, o do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Mais do que retomar o nome original do programa habitacional, o que se fez foi subir o teto do valor dos imóveis que podem ser incluídos no programa e os descontos oferecidos – ou seja, os subsídios –, além de ajustar as faixas de renda familiar para ser elegível ao programa. O MCMV atende famílias com ganhos de até R$ 8 mil e conta com um subsídio de até R$ 55 mil para pessoas que estão nas faixas 1 e 2. Antes, o limite era de R$ 47,5 mil.

A última e talvez mais importante mudança feita foi a elevação do valor máximo da propriedade que pode ser comprada na faixa 3: de R$ 264 mil para R$ 350 mil, válido para todo o país. Os limites para as faixas 1 e 2 variam entre R$ 190 mil e R$ 264 mil.

A estimativa do governo é que a mudança permita a contratação de 130 mil imóveis em 2023. A meta é construir dois milhões de unidades até 2026. 

Logo depois do anúncio das novas regras do programa, três construtoras decidiram vender novas ações em busca de recursos para surfar a onda do novo MCMV. MRV, Direcional e Tenda captaram R$ 1,6 bi. A Plano & Plano tentou fazer o mesmo, mas precisou desistir do projeto com a virada na bolsa.

Em um universo de 23 construtoras listadas, Cury (CURY3), Direcional (DIRR3), MRV (MRVE3), Tenda (TEND3) e Plano & Plano (PLPL3) são as que se destacam quando o assunto é know-how de projetos voltados para as classes C e D. 

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2 milhões é o número de famílias que o governo pretende atender até 2026 com o Minha Casa, Minha Vida

Quando se pensa em Minha Casa, Minha Vida, a construtora que vem à cabeça é a MRV. Natural. Líder de mercado, ela cresceu justamente na encarnação passada do programa. Mas, dessa vez, analistas estão menos otimistas. Ainda que a companhia possa se beneficiar das novas regras, eles chamam a atenção para dois problemas: o endividamento, que é de 40% do patrimônio líquido da empresa mesmo após ela ter levantado R$ 1 bi na bolsa. O outro é o braço americano da companhia, que não entregou os resultados esperados e passa por uma reestruturação.

Enquanto isso, mesmo quem não tem expertise nos projetos para a baixa renda planeja a virada do negócio para aproveitar o apoio do governo.

A Cury, por exemplo, havia deixado de operar nas faixas 1 e 2 do MCMV durante o governo Dilma, mas já pensa em retomar a operação. Em entrevista à VC S/A em agosto, o CEO Fabio Cury disse que as novas regras do programa são atrativas

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(Cristielle Luise/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Analistas do Citi, Santander e Itaú BBA avaliam que a companhia tem maior capacidade de geração de caixa que os concorrentes, o que a torna a ação mais recomendada no segmento de baixa renda. Outra vantagem é que a Cury tem maior presença em São Paulo e no Rio de Janeiro, regiões mais adensadas e com espaço para crescer. 

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E a Cury tem projetos-chamariz no portfólio. Um deles é a construção de um bairro de classe média no Porto Maravilha, uma área de revitalização portuária no Rio. O preço-alvo das ações varia de R$ 22 a R$ 28 nas instituições consultadas – um potencial de alta que vai de 44% a 84%. 

A segunda na lista de recomendações é a Direcional. O Santander destaca que a companhia possui uma “execução primorosa no controle de custos”. Outra vantagem é que ela concentra seus empreendimentos no Norte e no Nordeste do país, onde opera quase sem competição.

Mas até quem não atua prioritariamente com empreendimentos para as classes média-baixa também já pensa em tirar uma casquinha no novo MCMV. 

Também em junho, a Lavvi lançou a sua nova marca – a Novvo – para concentrar prédios dentro dos critérios do programa federal, com expectativa de uma injeção de receita de R$ 276 milhões. E ela não é a única: Trisul (TRIS3; 38%) e EzTec (EZTC3; 13%) têm planos semelhantes.

Já a Cyrela tem duas estratégias diferentes para o setor de baixa renda. A companhia tem uma subsidiária que toca projetos para as classes C e D, a Vivaz, e também detém participações em construtoras especializadas no segmento: 21% na Cury e 33% na Plano & Plano. 

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“O setor de baixa renda vai dar bastante alegria para os investidores nos próximos anos”, afirma Fanny Oreng, analista do Santander. Além dos subsídios mais gordos, o déficit habitacional de cerca de sete milhões de residências no país retroalimenta a demanda. 

Quando o assunto é o MCMV, André Mazini, do Citi, aponta que a maior dificuldade é saber se o governo manterá o fôlego para os próximos anos. Para 2023, R$ 9,7 bilhões serão destinados ao programa. A proposta para 2024 é de R$ 13,7 bilhões. 

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(Cristielle Luise/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Ventos contrários

O otimismo com o MCMV esbarra em outro obstáculo mais concreto: a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode alterar o funcionamento do programa de habitação popular e da forma como as empresas se financiam.

O que está em jogo é a fórmula de remuneração do FGTS. O dinheiro que você tem no fundo rende a Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano. 

Desde 2014 há uma ação em andamento que discute a constitucionalidade desse modelo. O texto afirma que essa forma de remuneração prejudica os trabalhadores, e que seria preciso garantir que o FGTS renda pelo menos a inflação. A proposta é parcialmente apoiada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF. Ele sugere uma fórmula semelhante à da poupança: 6% ao ano + TR. O cálculo valeria para novos depósitos, o que já está no FGTS continuaria rendendo pelo sistema antigo.

A questão prática é que o MCMV depende do FGTS para funcionar. O dinheiro do fundo serve de funding para a concessão de crédito a famílias de baixa renda. E só porque a rentabilidade no fundo é de 3% ao ano que o governo pode oferecer financiamento com juros de 4%.

Se a mudança acontecer, há uma tendência de encarecimento do crédito. Um artigo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), parte interessada na manutenção das atuais regras do FGTS, afirma que essa mudança pode aumentar os juros da habitação social em 3 p.p. ao ano. 

Não é a primeira vez que a remuneração do FGTS é posta em xeque. O tema ganha força toda vez que a inflação sobe, corroendo o dinheiro dos trabalhadores. Em 2016, o governo Temer decidiu que, além da remuneração mensal, os trabalhadores receberiam uma parcela do lucro do fundo.

Neste ano, o FGTS pagou R$ 12,848 bilhões a seus cotistas, referentes a 99% do lucro obtido em 2022. Com a distribuição, a rentabilidade total dos depósitos foi de 7,09%, acima da inflação oficial (que ficou em 5,79%), mas abaixo da rentabilidade da poupança, que atingiu 7,89%.

Um tijolo mais pesado

A caderneta, por sinal, é a pedra no sapato dos imóveis de renda mais elevada. Acontece o seguinte: o FGTS está para a baixa renda como a poupança está para a classe média. Ela é a tradicional fonte de recursos para o crédito imobiliário – e porque tem rentabilidade limitada, permitia financiamento a juros relativamente mais baixos.

Acontece que a caderneta perdeu R$ 86 bilhões em depósitos apenas em 2023, o que significa que há menos dinheiro para concessão de crédito barato. A fatia da poupança era de 49% no crédito, hoje está em 36%. O mercado migra para outros instrumentos de captação, como LCI, CRI e LIG, mas esses investimentos têm juros mais elevados, o que se converte em crédito mais caro.

Isso num cenário em que o juro do crédito imobiliário tradicionalmente cai de forma mais lenta que a Selic – e em uma amplitude muito menor. Faz todo sentido, já que, no financiamento imobiliário, que chega a ter prazos de 35 anos, o que conta não é a Selic hoje, mas as perspectivas futuras. Os juros para 2031 estão em 11,80% ao ano, não tão distantes da atual Selic. 

Para o Citi, o impacto na taxa do financiamento imobiliário deve ser maior quando a Selic alcançar a casa do um dígito. 

E o outro problema é que, mesmo após a melhora nas condições de crédito, as construtoras ainda vão precisar lidar com os estoques das obras passadas. 

Para os analistas, a Cyrela tem sido a companhia voltada às classes A e B que melhor consegue driblar os problemas e se destacar de forma isolada – a empresa está entre as maiores altas do ano do Ibovespa. 

Para Oreng, a “fórmula secreta” da companhia é a originalidade de seus projetos aliada a preços mais competitivos do que os seus principais concorrentes. 

Já o Citi está otimista com a capacidade de expansão de investimentos. Com um balanço mais forte e um nível baixo de endividamento (5,9% da dívida  líquida sobre patrimônio), a Cyrela tem alto poder de barganha na hora de comprar novos terrenos. Isso sem falar na fatia de exposição ao MCMV. 

As perspectivas são positivas para as construtoras, mas não se engane: ainda há um trabalho hercúleo pela frente. E que nem toda empresa conseguirá executar com a mesma destreza. Mas, com paciência, o patinho feio pode se transformar em cisne – ou melhor, em fênix.  

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