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Por que a Faria Lima surtou com a possível alta na meta de inflação

Entenda por que um aumento na meta de inflação desestabiliza o mercado. E descubra porque subi-la pode fazer sentido.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 10 fev 2023, 08h13 - Publicado em 9 fev 2023, 18h32

Foi um dia feio para quem estava nas bandas da Faria Lima: a bolsa brasileira mergulhou 1,77%, enquanto o dólar subiu de elevador rumo aos R$ 5,28. As cenas de pancadaria foram atribuídas a um rumor. Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, estaria disposto a elevar a meta de inflação.

Quem contou primeiro a história foi a agência de notícias Bloomberg. Depois, o site Metrópoles escreveu que a alta da meta seria ainda para este ano, subindo de 3,25% para 3,5%. Aí o barraco desabou.

São semanas de troca de ataques entre o presidente Lula e o BC. A briga vai da autonomia do BC a tomar suas decisões até a própria meta de inflação. E passa também por um grupo de zap chamado “ministros do Bolsonaro” e do qual Roberto Campos Neto faz (ou fazia) parte.

Então, vamos por partes. Meta de inflação é um instrumento usado pelo Banco Central para de fato controlar o poder de compra do nosso amado real. A ideia por trás dessa política é dizer para todo mundo que você, como Banco Central, vai fazer ABSOLUTAMENTE TUDO o que for necessário para garantir que os preços subam apenas o previsto, nem mais, nem menos.

Se todo mundo confia na mão de ferro do BC, tende a funcionar. Por causa do seguinte: uma boa parte da economia funciona na base de expectativas. Se todo mundo acredita que os preços do pãozinho, da conta de luz, do aluguel, da gasolina, do plano de saúde… que tudo, na média, vai subir só 2%, então ninguém precisa barganhar aumentos de salário além disso. E quando o dono da padaria decide o preço do pão, ele não precisa correr para reajustar o valor com medo de que a farinha, amanhã, fique mais cara.

Na média, isso tende a levar a uma maior previsibilidade, mais crescimento econômico e faz com que a inflação de fato fique mais ou menos no alvo. Se a inflação começar a subir, o BC vai lá e sobe o juro para mostrar que está vigilante. Todo mundo tem medo dessa mão de ferro e, por medo de uma reação, evita repasse de preços.

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Meta de 2% ao ano é coisa de país rico, tipo a Zona do Euro e o Banco da Inglaterra. Os Estados Unidos são um caso à parte, já que eles não têm a meta escrita na pedra (o alvo de 2% começou a ser adotado em 2012, e eles ainda equilibram com o nível de emprego). Nos países em desenvolvimento, os percentuais mudam. O Chile, por exemplo, tem meta de 3%.

O Brasil por anos perseguiu uma meta de 4,5% ao ano. Neste ano, o alvo é de 3,25%. Em 2024, 3%. Isso por enquanto, aí o motivo do pânico. Mas perceba uma coisa: não existe uma teoria econômica e nem ciência exata  que diga que 2% é o número mágico, e tampouco uma que diga que 4,5% é o apocalipse. Economistas graduados andam questionando os 2% dos EUA, por sinal, falando que eles poderiam considerar inflação de 3% ou até de 4%. 

O que estudos mostraram ao longo dos anos é que quanto mais perto você estiver dos 10%, mais voláteis os preços ficam. Justamente por causa dessa  “desancoragem das expectativas” (perdão), nada mais do que a descrença de que a inflação vai voltar a baixar. Daí começam as negociações salariais pedindo mais aumentos e os reajustes no preço do pãozinho antes mesmo de a farinha subir de preço. A inflação vai se retroalimentando e fica mais difícil o trabalho de convencer todo mundo que a inflação vai baixar de novo para o patamar mais moderado.

Deflação também é uma cilada. Se você acha que a geladeira que você quer comprar vai estar mais barata, aí você deixa para depois mesmo. A economia vai esfriando também com base nas expectativas. Todo mundo adia o consumo esperando gastar menos.

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O cenário hoje é de inflação alta, então vamos a ele. A solução quando a inflação vai subindo para fora da meta é uma só: dar paulada nos preços com altas cavalares de juros. É daí que vem a Selic em 13,75% – e também os juros americanos de 4,75%, o maior patamar desde 2007.

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E o fato de que o BC age subindo os juros, uma medida impopular sob todos os aspectos (o financiamento imobiliário fica mais caro para você, as empresas vendem menos e o governo fica com a dívida mais cara) é o sinal de que esse BC está cumprindo a sua missão de ser inclemente contra a inflação. E está arrumando inimigos, claro. A economia esfria – às vezes até demais, vira recessão ou crescimento anêmico, tipo o do Brasil.

É aqui que reside o coração da teoria da independência do Banco Central. A ideia de que o pessoal que trabalha no BC tem total autonomia para “fazer o que precisa ser feito” para cumprir a meta de inflação. Uma pessoa indemissível tem mais liberdade que alguém com medo de perder o emprego.

Chegamos ao ponto que as duas histórias, a meta de inflação e a autonomia do BC se encontram.

Existe uma série de explicações do por que o presidente Lula decidiu atacar o Banco Central. Uma delas é porque Campos Neto não seria tão independente assim se ele faz parte do grupo de zap “ministros do Bolsonaro”. O segundo é que juros de 13,75% ao ano são realmente danosos para o crescimento econômico, algo que o Brasil tem visto. E uma meta ainda mais baixa de inflação turbinaria esse problema. E o terceiro é uma discussão mais abstrata, exatamente onde reside o surto de hoje da Faria Lima.

Por que, afinal, estamos perseguindo uma meta de inflação tão baixa?

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O dono da meta

Quem fixa a meta de inflação não é o Banco Central sozinho. Essa tarefa cabe ao Conselho Monetário Nacional. Tradicionalmente, o CMN era composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. Durante o governo Bolsonaro, não havia um ministério do Planejamento, posto que foi substituído pelo Secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, ou seja, alguém subordinado a Paulo Guedes.

Guedes e Campos Neto fixaram as reduções que valeram em 2021, 2022 e as que vem depois, ainda que os cortes já vinham sendo realizados desde o governo Temer. A ideia, entre os economistas, é que o teto de gastos permitiria um melhor controle das contas públicas, redução de gastos do governo e melhor manejo da inflação.

De 2016 em diante, o ano do impeachment de Dilma Rousseff e quando o país estava em recessão, a inflação brasileira de fato ficou dentro da meta. E isso foi até 2021, quando o IPCA fechou acima de 10%, para uma meta de 3,75%. A culpa, ali, era da recuperação da Covid, do aumento de gastos públicos. Escolha seu culpado.

Em 2022, a meta caiu para 3,5%. E o Banco Central Brasilero, mesmo com a Selic a 13,75%, entregou uma inflação de 5,79%. Aí a conta foi para a guerra na Ucrânia, sem dar muita atenção a todos os gastos que o governo de turno fez para vencer a eleição. Esse é um dos motivos de desconfiança do governo atual com a gestão de Campos Neto, vale dizer.

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Para este ano, de meta de 3,25%, as expectativas de mercado já dizem que é uma batalha perdida: que o IPCA terminará 2023 perto de 6%. O surto da Faria Lima vem com os próximos capítulos.

Se as reportagens da Bloomberg e do Metrópoles estiverem corretas, e o Banco Central topar uma meta de inflação mais alta do que 3,25% para este ano, isso significaria também um alvo mais sussa que os 3% previstos para 2024. Ou seja, as expectativas mudam completamente. 

Isso significaria também mais espaço para o governo gastar, porque a alta de preços eleva a arrecadação de maneira artificial. 

Essa é uma decisão política, claro. E economia também é política. Ter mais dinheiro para gastar significa mais margem de manobra para cumprir promessas de campanha. Aceitar inflação mais alta, por outro lado, também é punir os mais pobres, com menor poder de barganha sobre salários e com menos reservas para absorver picos de altas de preços como dos últimos dois anos.

O pânico da Faria Lima, aqui, é que o fato de Roberto Campos Neto ter virtualmente sucumbido a uma meta de inflação maior significaria o fim da independência do Banco Central como desenhada – ainda que ela seja um pouco utópica também. Existem estudos mostrando que a pura autonomia não é o bastante, já que pressão como as que Lula está fazendo ocorrem em todos os países. E falhas de banco centrais em entregar a meta combinada, como é o caso de Roberto Campos Neto, também. E o fato de que eles ainda têm alguma dependência do governo – como estar no grupo de ministros.

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Daí porque são necessários outros instrumentos de controle para garantir que o BC está cumprindo suas obrigações.

Por sinal, uma mudança na meta de inflação deste ano dificilmente faria a Selic baixar dos proibitivos 13,75%, dado que as expectativas de inflação seguem altas. O foco é o longo prazo.

O Ibovespa terminou o dia em queda de 1,77%, a 108 mil pontos. O dólar avançou 1,58%. No mercado de juros, o DI para 2024 caiu, com essa aposta de que a mudança na meta poderia sim baixar a Selic. As taxas de 2025 em diante avançaram, porque a inflação de longo prazo seria maior e pediria Selic consistentemente mais altas. Nos EUA, as bolsas aprofundaram a queda no fim do pregão, pesando também sobre a B3. O tombo, porém, foi mais modesto (veja abaixo).

Como essa história termina só vai ficar claro na próxima semana. No dia 16 de fevereiro, o CMN, formado agora por Fernando Haddad (ministro da Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e Campos Neto se reúnem. O CMN não divulga agenda prévia, apenas o que foi decidido. Lá vamos nós para uma semana de mais instabilidade na bolsa.  Segura, Berenice.

Este texto foi publicado originalmente na coluna Fechamento de Mercado.

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