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Entenda por que os ataques de Lula ao BC elevam os juros dos títulos públicos

IPCA+2035 volta à casa dos 6,2% após o presidente questionar o atual regime de metas de inflação. Ainda assim, Ibov fecha a semana em alta: 1,01%.

Por Alexandre Versignassi
20 jan 2023, 18h45

A Americanas se despede do Ibovespa com mais uma queda surrealista: 34%. A B3 determinou que, a partir de segunda-feira, AMER3 será tratada como uma ação de “segunda classe”. Não fará mais parte de índice algum. Muito menos do Ibovespa, o das 86 empresas mais importantes entre as 475 listadas na bolsa.    

Entre os papéis da “primeira classe”, de qualquer forma, o dia não foi exatamente feliz: queda de 0,78% no Ibov. Na contramão do exterior, onde o S&P 500 viveu uma alta de firmes 1,89% – foi uma “correção” diante dos últimos três dias de queda. Ainda assim, o índice das 500 maiores empresas dos EUA fecha a semana em baixa de 0,69%. Por aqui, o cômputo geral da semana foi positivo: alta de 1,01%. 

Quem segurou a bronca hoje foram basicamente as petroleiras (PETR4, 2,09%; RRRP3, 3,48%), as siderúrgicas/mineradoras (USIM5, 2,73%) e o Banco do Brasil (BBAS3, 2,09%). 

As primeiras surfaram na alta do petróleo, de 1,71%. As segundas, na do minério de ferro, de 1,76%. E o BB subiu porque seu conselho de administração aprovou um payout de 40% para 2023 – ou seja, de cada R$ 10 que o banco lucrar neste ano, R$ 4 se tornarão proventos para os acionistas. Um dividendo potencialmente generoso.

Bom, tragédia da Americanas à parte, o mercado que mais passa por turbulências no país não é o de ações. É outro, bem maior, o de juros. 

As falas de Lula contra a independência do BC (medida civilizatória que o presidente classificou como “bobagem” na última quarta) deixaram os juros futuros em alerta.

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Juros futuros são, grosso modo, as apostas que os agentes do mercado fazem sobre como estará o DI lá na frente. A DI segue a Selic – que sobe quando a inflação sai do controle. 

Mas os juros futuros são mais do que uma bolsa de apostas. Eles determinam os juros dos títulos públicos de inflação (os IPCA+, extremamente populares).

Na semana passada, a curva de juros do IPCA+ com vencimento em 2035 apontava para baixo: a 6,01%, vinda de tenebrosos 6,37% de meados de dezembro. Era o mercado deixando para trás parte da desconfiança com os rumos da economia no novo governo – bom para quem detém esses títulos, já que o valor de face deles cai quando o juro sobe (entenda melhor aqui).   

Após as falas de Lula, porém, os juros do IPCA+2035 voltaram a menos tragáveis 6,26%.

Agora, vamos examinar melhor as falas do presidente. De um lado, nem tudo o que ele disse é uma afronta à racionalidade. De outro, as afirmações também revelam uma boa dose de despreparo na lida com a inflação. Segue com a gente.   

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Lula e o BC: o que tem lógica, o que é nonsense

Na ponta dos argumentos lógicos de Lula, está a defesa de uma meta de inflação mais frouxa. O alvo do BC é chegar a um IPCA de 3,25%, mantendo a economia sob o freio de mão de uma Selic alta até que esse objetivo seja alcançado. Lula defende uma meta de 4,5%:

“Veja, você estabeleceu uma meta de inflação de 3.7%, quando você faz isso, você é obrigado a arrochar mais a economia para poder atingir aqueles 3.7%”, disse numa entrevista à GloboNews na quarta. Por que precisava fazer 3.7%? Por que não fazer 4.5, como nós fizemos?” 

O “nós” refere-se a ele e Henrique Meirelles, seu presidente do BC. De fato. E a meta foi de 4,5% não só em seus governos anteriores, mas também nos de Dilma e Temer. A meta de inflação ficou nesse patamar entre 2005 e 2018. Só que o IPCA para valer estava bem abaixo da meta ao final desse período. Tinha fechado 2017 em 2,95%. 

Naquele ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) entendeu que daria para reduzir a meta a um nível mais próximo daquele que vigora nos países desenvolvidos. Com Meirelles, então ministro da Fazenda de Temer, à frente do conselho, o CMN determinou que, dois anos depois, em 2019, a meta passaria a ser de 4,25%. E em 2020, de 4%. 

Nos países desenvolvidos, a meta costuma ser de 2%. Para chegar mais perto desse patamar, impuseram metas cada vez mais duras para os anos seguintes: 3,75% para 2021, 3,50% para 2022; 3,25% para 2023. A programação do CMN prevê chegar a 3% em 2024, e manter a taxa assim em 2025. 

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O problema é que, no meio do caminho, houve pandemia. Para evitar um surto deflacionário que se ensaiava, por conta da paralisação parcial da economia entre 2020 e 2021, o BC reduziu a Selic a 2%, menor taxa da história. Os juros baixos tornaram o dinheiro extremamente barato. Com mais dinheiro em circulação do que coisas para se comprar com esse dinheiro, os preços foram subindo. E a inflação explodiu para muito além da meta, fechando 2021 em 10,06%.

Manter a meta nos atuais 3,25% – e depois 3% – significa manter a economia freada por mais tempo, já que a inflação ainda está em 5,79% anuais. Aumentar a meta para 4,5% proporcionaria um boost no consumo sem uma inflação fora do controle. Mesmo nos EUA analistas discutem a sério elevar a meta de 2% para algo como 4%. Portanto, é uma ideia lógica.  

Se ela está certa é outra história, já que quem realmente vê seu poder de compra diminuir com a inflação é justamente a parcela mais pobre, que não ganha o suficiente para investir.

Bom, na ponta do nonsense está oura fala de Lula, proferida na quinta num encontro com reitores de universidades federais: “A gente poderia nem ter juros”. 

Sozinha, a fala soa como terraplanismo. No contexto, idem:

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“Qual é a explicação de a gente ter um juros de 13,5% hoje? O Banco Central é independente, a gente poderia nem ter juros. A inflação está em 6,5%, 7,5% [nota: são 5,79%], por que os juros estão a 13,5% [nota: são 13,75%]?”.

Bom, os juros estão a 13,75% justamente para que a inflação baixe. Caso os juros caíssem a zero, a inflação voltaria aos dois dígitos num piscar de olhos – com ocorre na Europa, onde o juro zero fez a inflação do euro passar de 10%. 

Também não há relação entre uma eventual realidade “sem juros” e a independência do BC (o fato de o presidente da autarquia ter estabilidade no cargo nos primeiros dois anos de um novo governo).   

Talvez a intenção de Lula fosse dizer que, com uma meta mais folgada para a inflação, não precisaríamos de juros tão altos. Mas isso é ilação deste autor. O que ele falou de fato foi “a gente poderia nem ter juros”. E enquanto as falas do presidente forem nessa direção tudo o que teremos serão títulos públicos que pagam juros cada vez mais altos – o que encarece a dívida do governo (já que títulos novos precisarão pagar mais). E, não menos pior, garante a aposentadoria dos “rentistas”. Com taxas reais (acima da inflação) em mais de 6% ao ano o incentivo para investir em atividades produtivas vai para o espaço. E a economia segue estagnada.

Bom fim de semana.

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Maiores altas

3R Petroleum (RRRP3): 3,48%

Usiminas (USIM5): 2,73%

Pão de Açúcar (PCAR3): 2,46%

Banco do Brasil (BBAS3): 2,45%

CSN (CSNA3): 2,41%

———

Maiores baixas

Americanas (AMER3): -34,00%

Alpargatas (ALPA4): -5,90%

Cosan (CSAN3): -4,47%

Suzano (SUZB3): -4,46%

Rede D’Or (RDOR3): -2,61%

 

Ibovespa: -0,78%, aos 112.040 pontos. Na semana, 1,01%

 

Em NY:

S&P 500: 1,89%, aos 3.972 pontos

Nasdaq:  2,66%, aos 11.140 pontos

Dow Jones: 1,00%, aos 33.374 pontos

 

Dólar: 0,72%, a R$ 5,20. Na semana, 1,98%.

 

Petróleo

Brent: 1,71%, a US$ 87,63. Na semana, 1,28%.  

WTI: 1,02%, a US$ 80,61. Na semana, 1,91%.

 

Minério de ferro: 1,76%, a US$ 127,49 a tonelada na bolsa de Dalian

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