Petz: vale a pena ter ações da Magalu dos pet shops?
A rede chegou a 150 lojas e, desde o IPO, passou a fazer aquisições para oferecer mais que ração e brinquedinhos. Investidores compraram a proposta, até que a empresa ficou cara.
Algumas ações têm fã-clube. Investidores compram sem se importar com o quanto elas já se valorizaram na bolsa. Tudo porque acreditam que o foguetinho continuará a subir. Eles carregam uma convicção quase cega de que todo mundo deveria se pendurar nessa nave. Só que existe um outro tipo de ação igualmente fenomenal, que sobe bem mais do que a média do mercado. Essas, porém, não têm exatamente um fã-clube. Menos gente tem coragem de dizer em voz alta que topa pagar qualquer preço. Pior: analistas do mercado financeiro quase pedem desculpas por recomendar o investimento. Nesse grupo está a Petz.
A rede de pet shops estreou na B3 em setembro de 2020 e viveu uma dessas histórias meteóricas de sucesso. As ações subiram quase que ininterruptamente até dobrarem de preço, quando alcançaram a marca de R$ 28, em agosto de 2021. O volume de negociação era tão grande que, ao fim desse primeiro ano de bolsa, a Petz passou a fazer parte do Ibovespa, algo até então atípico para empresas novatas.
Enquanto subia, foi virando assunto. O mercado financeiro ia dizendo que ela já tinha se tornado uma ação cara e, portanto, arriscada, mas que ainda assim valia a pena tê-la. Depois do recorde, as ações tombaram 20%, o que não mudou em nenhum milímetro as avaliações do mercado. Como disse o Itaú em um relatório no final de outubro, ainda é “uma empresa comprável”.
A Petz pode não ser uma Tesla, que transformou os carros elétricos em algo comercialmente viável e passou a contar com um potencial de crescimento astronômico. Por outro lado, era a empresa pronta para surfar uma transformação do mercado: o momento em que os animais de estimação passaram a dividir a cama e a fazer o papel de filhos dentro de casa.
Copia, só não faz igual
Existe um meme antigo na internet, um tanto autoexplicativo. Um colega de escola pede para copiar o trabalho do outro, que deixa. Ele diz “copia, só não faz igual”. O fundador da Petz, Sergio Zimerman, levou a sério esse conceito. Em 2002, ele se recuperava da falência de um negócio no ramo de perfumaria que tinha tocado por uma década. O que sobrou foi um galpão na Marginal Tietê, e ele tentava descobrir que tipo de comércio colocaria no local para recomeçar. O cunhado sugeriu algo com pets.
Foi quando Zimerman conheceu a Cobasi, que dava os primeiros passos para criar uma rede de megalojas de pet shops. A Cobasi, por sinal, surgiu como um negócio de agropecuária, ainda nos anos 1980 – uma época em que cachorro comia restos das refeições e ficava do lado de fora da casa, e gatos eram vistos mais como uma ferramenta de desratização do que como proprietários dos lares onde vivem. A cultura foi mudando. Os cães e gatos ascenderam na pirâmide social e, nos anos 1990, a Cobasi passou a migrar para o ramo de animais de estimação – 100% inspirada no modelo americano da Pet Smart, que inaugurou lá fora o conceito de megastores voltadas a mães e pais de seres de outras espécies.
O fundador da Petz curtiu tanto o negócio da Cobasi que, antes de virar concorrente, tentou ser um franqueado. Ele diz que foi a uma loja e conversou com um gerente para sondar a possibilidade. E que ouviu um não (a família Nassar, dona da Cobasi, afirma hoje que o recado nunca chegou aos seus ouvidos).
Sergio não ficou esperando e decidiu se aventurar sozinho no negócio. Criou a Pet Center Marginal: uma megaloja de 3.000 metros quadrados com produtos para animais de estimação. Hoje são 150 unidades espalhadas por 18 Estados, mais o e-commerce, o app e as 127 unidades da Seres, uma rede de clínicas de atendimento veterinário. O nome mudou para Petz em 2015, quando o fundo americano de private equity Warburg Pincus comprou metade do negócio e começou a financiar a expansão, que continua agora com o dinheiro do IPO. Foi esse motor que fez a companhia ultrapassar a concorrente Cobasi.
Capitalizada, a Petz continua abrindo lojas – deve inaugurar mais 50 nos próximos 12 meses –, comprou a Zee.Dog, marca americana de produtos premium para cães, gatos e, mais recentemente, humanos. Adquiriu também a Cão Cidadão, uma franquia de adestramento de animais. Isso sem falar no Cansei de ser Gato, um felino digital influencer com meio milhão de seguidores no Instagram.
Chico, o gato protagonista da conta, planeja a dominação mundial felina. Enquanto isso, a Petz monta um ecossistema de produtos e serviços para dominar o mercado de estimação. Com a Zee.Dog, ensaia passos para fora do país. Dá para dizer que ela copiou o concorrente, mas que não fez igual – foi além. E passou de ano com louvores.
Espaço para crescer
O movimento do mercado de pets é parecido com o que ocorreu no setor de farmácias nas últimas décadas. No começo, elas eram lojas de bairro, cada uma controlada por um farmacêutico. Com o tempo, as redes foram dominando o mercado, e hoje temos grandes varejistas de farmácia com ações na bolsa, caso de Raia Drogasil, Pague Menos e Panvel. Nas grandes cidades, as redes já dominam 60% do setor.
Esse é o trabalho em construção no mercado pet. O faturamento deve bater R$ 50 bilhões em 2021, segundo o Instituto Pet Brasil, só que metade desse dinheiro ainda fica na mão de pequenos pet shops, e quase 20% em clínicas e hospitais veterinários. As grandes lojas levam apenas 7% do montante.
Ou seja: a lógica do capitalismo mostra que há muito terreno a ser ocupado. E a metragem quadrada desse terreno amplia-se num ritmo bem mais acelerado que o da economia como um todo. Nos últimos dez anos, o mercado pet cresceu a uma taxa de 12% ao ano. De acordo com o Itaú BBA, a tendência persiste.
Cerca de 50 milhões de domicílios no Brasil têm animais de estimação – é mais do que a quantidade de lares com crianças (35,5 milhões). A comparação aqui não é mera curiosidade estatística, claro. “Existem muitos fatores por trás dessa tendência [a do crescimento do mercado pet], mas a queda no número de filhos por casal e o envelhecimento da população parecem ser os dois drives mais fortes”, escreveram os analistas do Itaú.
Isso é o que o mercado financeiro chama de uma tendência secular, uma mudança tão profunda no comportamento das pessoas que é capaz de alimentar a expansão de um mercado por anos a fio. “As pessoas estão adiando os planos de ter filhos e tendo pets. Não vejo essa tendência ir embora tão cedo. São mais uns cinco anos de crescimento”, estima Aline Cardoso, da EQI Investimentos.
E a Petz tem um trunfo para aproveitar essa tendência melhor que os concorrentes: sua presença online.
Magalu canina
O Magazine Luiza virou benchmark para migração de empresas que eram lojas físicas para o online. E a Petz seguiu os passos. Com o dinheiro do IPO, a companhia tem turbinado seu e-commerce. Cada loja da rede também funciona hoje como um minicentro de distribuição das encomendas online, o que agiliza as entregas e reduz custos, além de prover uma fonte extra de lucro para as unidades.
A Petz estima que o tempo de maturação de uma loja, ou seja, o período até atingir seu potencial pleno de vendas, é de três anos. Hoje, 55% das unidades foram abertas há menos tempo que isso, e mesmo assim a rentabilidade delas tem superado as estimativas do mercado.
A Petz faturou R$ 641 milhões no terceiro trimestre, com crescimento de mais de 20% pelo critério de “venda em mesmas lojas” (sem considerar as unidades que abriram nos últimos 12 meses). Da receita total, 31% vieram de vendas online – há um ano, esse indicador estava em 25%.
Sergio Zimerman disse recentemente que a crise faz bem ao setor pet. Em uma entrevista ao UOL, afirmou que as pessoas deixaram de gastar com coisas grandes (como comprar casa, carro ou viajar), e isso faz com que sobre mais dinheiro para os animais de estimação. A culpa parental também ajuda esse mercado. Tutores resistem a trocar rações premium por mais baratas, por exemplo.
Mesmo assim, é claro que as margens da companhia sentem os efeitos da crise. Os preços das rações no atacado subiram 24% em 12 meses até outubro, segundo o IBGE, e o repasse para o consumidor não foi integral. Além disso, o segmento de alimentação passou a responder por uma parcela maior da receita – ocupando o espaço de supérfluos, que geram mais lucro para a companhia.
Ainda assim, analistas consideram que a Petz vai se sair bem nesse período mais difícil da economia. O BTG, por exemplo, considera a ação uma boa aposta para atravessar 2022, que promete ser volátil.
P/L de 100
Ainda assim, investir na Petz exige um certo sangue frio. Depois do recorde, as ações passaram por uma correção e desceram da estratosfera para um andar abaixo, mas seguem em um patamar considerado caro.
Isso é medido pelo P/L, um indicador que divide o preço das ações pelo lucro nos últimos 12 meses. O resultado dessa conta diz, grosso modo, quantos anos o investidor leva para recuperar o valor investido. O P/L médio do Ibovespa está em 6. O da Petz ronda os 100 – um dos mais altos entre as 84 empresas que compõem o índice.
“Não se trata de uma companhia barata, mas é uma das que mais crescem”, diz Aline, da EQI. Para ela, o crescimento esperado permite considerá-la barata. “A Petz tem perfil de consumo mais defensivo [difícil de cortar], em um cenário em que o crescimento do PIB é revisado para zero, e de ano eleitoral”, complementa.
Analistas estimam que a ação da Petz tem potencial para subir de volta ao patamar de R$ 30 ao final de 2022, o que significaria uma valorização na faixa de 60%. “Apesar do valuation premium, perspectivas robustas de crescimento justificam a visão otimista”, escreveu o BTG, que estima o preço em R$ 32.
O Itaú, que vê a ação em R$ 30 cravados, diz que é complicado avaliar companhias de alto crescimento justamente porque o P/L elevado indica uma expectativa de que o lucro irá disparar, justificando o preço alto. “O tema é particularmente complexo no segmento de varejo, em que o crescimento rápido normalmente aumenta a pressão sobre a rentabilidade. A Petz não é exceção a essa regra”, escreveram os analistas do banco.
O fato é que hoje a Petz tem um P/L maior que o da Amazon ou o do Magazine Luiza, por exemplo. E o exemplo da Magalu talvez seja o mais adequado. A ação da companhia também teve sua trajetória meteórica e chegou a acumular valorização de 5.000%. O P/L habitava a faixa dos 500.
Mas 2021 chegou e as asas da Magalu derreteram: queda de 65%. Se a Petz vai repetir essa história, não dá para saber. O que importa é não esquecer que, por melhor que seja a empresa, comprar caro é sempre uma aposta de risco.