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Mercado pet abre portas para investir além das tradicionais pet shops

O Brasil tem quase tantos bichos de estimação quanto seres humanos. E, só no ano passado, o setor pet faturou R$ 40 bilhões. Conheça as oportunidades de negócios.

Por Juliana Américo | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Brenna Oriá | Ilustração: Ana Toyoda
Atualizado em 19 jul 2021, 09h53 - Publicado em 5 jul 2021, 15h00

Desde março de 2020, quando entrei para o time do home office, vivo em um regime monárquico. A rainha é a Pantera, minha gata. Claro que eu já suspeitava que ela se sentia dona da casa, afinal são 12 anos juntas. Neste último ano, porém, o território temporal da minha soberana se expandiu. Agora sou súdita da felina nas minhas horas de trabalho também.

Todo mundo da equipe conhece a Pantera. E a lista de entrevistados que já foram interrompidos por ela durante as videoconferências também é longa. Acontece. E até ajuda a quebrar o gelo às vezes. Quem não gosta de um bichinho fazendo graça? São tão poucos os que conseguem resistir que o número de animais de estimação no Brasil só cresce. Os dados mais recentes do Instituto Pet Brasil (IPB), que são de 2019, revelam que os lares brasileiros abrigam 141,6 milhões de pets, entre cães, gatos, pássaros, peixes de aquário e animais menos comuns.

E seus donos gastam cada vez mais com eles. O setor faturou R$ 40,1 bilhões no ano passado – 13,5% a mais do que em 2019. Além disso, o segmento gerou 2,4 milhões de empregos em 2020.

Trata-se de um crescimento impressionante para um ano no qual a economia como um todo caiu 4,1% – pior PIB em 24 anos. Há alguns motivos. Para começar, os pet shops foram considerados serviço essencial, assim como supermercados e farmácias. Significa que mantiveram o funcionamento, mesmo nas fases mais restritivas de isolamento.

A solidão também bateu. Só nos primeiros três meses da pandemia, a organização não governamental União Internacional Protetora dos Animais (UIPA) registrou um crescimento de 400% na procura por cães e gatos para adoção. Além disso, as pessoas passaram mais tempo com os seus pets, e isso incentivou o consumo. “Você começa a conhecer a rotina do animal, percebe se ele está roncando, com alguma alergia ou então oferece mais brinquedos para distraí-lo enquanto você está em uma reunião”, analisa Nelo Marraccini, presidente-executivo do IPB.

O setor ainda descobriu que precisava se digitalizar se quisesse sobreviver. O que explica o boom da Petlove. A empresa é um dos maiores e-commerces de produtos pets do país e soma mais de 4,5 milhões de clientes. No ano passado as vendas subiram 65% e a receita chegou nos R$ 500 milhões. A estratégia foi apostar em um modelo de venda conhecido como ship from store, que é quando a loja online aproveita o estoque de lojas físicas parceiras para agilizar as entregas. Em vez de despacharem um produto a partir de um centro de distribuição, eles acionam um pet shop perto do comprador que possa liberar o produto.

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Em 2020, a Petlove recebeu dois aportes: um de R$ 250 milhões do Softbank e outro de R$ 125 milhões do fundo de private equity L. Catterton. Ela também comprou a Vetus (empresa de gestão de pet shops e clínicas) e anunciou a fusão com a plataforma de hospedagens DogHero.

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(Brenna Oriá/VOCÊ S/A)

Briga de cachorro grande

O que não falta no Brasil são pet shops: são mais de 40 mil lojas. A maioria delas (quase 80%) é de pequenas empresas. Mas, claro, existem grandes redes tentando dominar o mercado.

Uma delas é a Petz. Criada em 2002, a companhia já possui 138 lojas e 116 centros veterinários em 15 Estados. No ano passado, faturou R$ 1,7 bilhão – uma alta de 46,6% em relação a 2019. E as vendas digitais atingiram mais de R$ 395 milhões.

Ela também entrou para a história como a primeira do segmento pet a abrir capital na bolsa. Desde a sua oferta pública, em setembro de 2020, as ações já se valorizaram quase 47%.

Outra é a Cobasi, que já está há 36 anos no mercado. Com 112 unidades em 11 Estados, a companhia faturou R$ 1,5 bilhão no ano passado – o e-commerce foi responsável por 25% desse total. Em abril, ela recebeu um aporte de R$ 300 milhões do fundo Kinea Private Equity, e no mês seguinte anunciou a aquisição da Pet Anjo, uma empresa de serviços de hospedagem, creche, babá e passeador de cachorros.

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R$ 3 bilhões foi o faturamento dAs maiores redes de pet shops do País – cobasi e petz – juntas.

FarmÁUcia

Para quem imagina empreender na área, vale um lembrete: não faltam oportunidades fora dos tradicionais serviços de banho, tosa e hospedagem.
Em 2010, a farmacêutica Renata Piazera juntou sua profissão com a paixão pelos bichos e lançou a Fórmula Animal, uma farmácia de manipulação para remédios veterinários. “Muitos tutores têm dificuldade para dar medicamentos para os pets. Sem falar que a dosagem é proporcional ao peso do animal, então a indústria não consegue fornecer remédios nos tamanhos corretos para todos”, afirma. Para resolver esse problema, a empresa produz medicamentos em vários formatos e sabores (como um petisco sabor picanha, para os mais carnívoros).

Deu certo. Em 2013, a empresária adotou o modelo de franquia e expandiu de Jaraguá do Sul (SC) para outras regiões – agora são 59 unidades em 13 Estados, além de uma unidade no Paraguai. A farmácia ainda fornece remédios para zoológicos. E, em 2020, o faturamento foi de R$ 28 milhões.
Outro setor que viu uma oportunidade nos animais de estimação foi o de seguros. Quem já precisou correr para um hospital veterinário em uma emergência sabe o quanto pode sair caro. Por isso, empresas como Porto Seguro e BB Seguros, passaram a incluir os cuidados com pets nos planos dos seus segurados.

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(Ana Toyoda/VOCÊ S/A)

Também começaram a surgir planos de saúde específicos para pets. O veterinário alagoano Raphael Clímaco percebeu esse movimento em 2013. Na época, ele trabalhava em Aracaju e reparou que muitos tutores optavam por sacrificar os animais doentes porque o tratamento era caro. Então ele lançou a Plamev Pet.

A empresa oferece seis opções de planos para cães e gatos, que variam de R$ 44 a R$ 397. “Funciona como um plano de saúde para humanos. Tem aqueles que cobrem os procedimentos básicos, como consultas, exames e vacinas, e outros que incluem cirurgias mais complexas, atendimento domiciliar e até acupuntura”, afirma o CEO Pedro Svacina. Em 2020, a companhia fechou o ano com 5 mil pets e faturou
R$ 5 milhões.

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A rede de cobertura já conta com mais de mil veterinários em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe. E segue crescendo: até 90 clínicas novas são cadastradas por mês. Mesmo assim, para garantir atendimento em todo o Brasil, a companhia faz reembolsos de até R$ 550 para atendimentos em clínicas não cadastradas.

Marmita pet

Os donos também estão mais preocupados com a alimentação dos bichinhos. Rações cheias de conservantes, corantes, produtos químicos e aromas artificiais não são tão bem-vindas quanto já foram.

O paulistano Murilo Ferraz adotou a filosofia da “ração natural” em 2019. Uma de suas cachorras, a Milla, estava com um problema urinário e a veterinária indicou receitas (com carne, cereais e legumes) para substituir a ração industrial. Milla melhorou. Os amigos do dono ficaram surpresos com o resultado e passaram a pedir que Murilo preparasse refeições para os pets deles também.

Assim surgiu a ObentôPet. A empresa, que está em operação há um ano, vende comida natural para cães e gatos. Com o acompanhamento de uma veterinária especializada em nutrição animal, Murilo também prepara alimentos específicos para pets doentes ou com restrições alimentares.
Mas pet também é gente: não quer só comida. Quer diversão também. “Começamos com as refeições, mas já estamos com uma linha de kits para festas com bolo e brigadeiro de batata-doce.” Entre marmitinhas e petiscos, a empresa produz 1 tonelada de comida por mês.

Tecnologia animal

No mercado internacional, o que não faltam são soluções tecnológicas para cuidar dos pets: tem coleira rastreadora, comedouro e bebedouro inteligentes que acompanham a alimentação do animal e brinquedos conectados que permitem interagir com o bichinho quando você não está em casa.

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Aqui no Brasil, a divisão de pet tech ainda é um filhote. Até existem startups tentando investir no setor, mas a maioria está em fase de prototipagem dos produtos. A SciPet, em vez de desenvolver um dispositivo, saiu da caixa e apostou em algo de utilidade inquestionável: uma inteligência artificial para ajudar a encontrar animais perdidos.

A ideia é do engenheiro da computação Fabio Piva, de Santo André (SP). Em 2011, ele foi para a Alemanha fazer um doutorado. “A minha namorada estava aqui no Brasil e a cachorra dela fugiu. Fiquei pensando se não tinha alguma forma mais eficaz de procurar o pet do que espalhar folhetos.”
O projeto só saiu do papel em 2015, quando Fabio e outros dois colegas criaram a SciPet. A empresa atua em duas frentes.

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(Ana Toyoda/VOCÊ S/A)

A primeira é com o aplicativo gratuito Crowdpet – por enquanto, só disponível para Android –, que permite fotografar o animal e criar um perfil digital dele com os contatos dos tutores. Caso ele fuja e alguém o encontre, basta tirar uma foto. O sistema então combina reconhecimento facial e geolocalização para tentar identificar o pet. Ele também notifica quando há um animal perdido na região. Já são 3 mil cães e gatos cadastrados. O app também ajuda em adoções. A mais recente é do gato Leãozinho. Ele morava nas ruas de Campinas e foi cadastrado por um usuário. No final de junho, foi resgatado e ganhou um lar.

A segunda frente de negócios da SciPet é com as prefeituras. A empresa ajuda os municípios a mapear os animais da cidade para auxiliar no controle de zoonoses e campanhas de vacinação. Eles já atuam em Jaguariúna, Vinhedo e estão conversando com cidades de Minas e do Paraná.

O pulo do gato

Para quem quer empreender no setor, a dica é entender o perfil dos consumidores. Leonardo Brandão, coordenador da Comissão de Animais de Companhia, destaca que as vendas pela internet foram importantes na pandemia, mas isso não significa o fim das lojas físicas. “As pessoas gostam de passear nos pet shops, de levar o bichinho junto e conversar
com o lojista.”

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Com ou sem pandemia, praticidade também é sempre bem-vinda. Daí a onda dos pet trucks. Eles prestam basicamente serviços de banho e tosa, mas tudo dentro de uma van que vai até o cliente. Assim o tutor não precisa levar o animal ao pet shop toda vez que ele vai tomar banho. Para quem quer empreender, essa pode ser uma maneira barata (não envolve aluguel) e eficiente em termos de divulgação – sua marca fica circulando pelas ruas da cidade, afinal. Também dá para parar a van próxima a eventos de adoção, por exemplo, e já conquistar
novos clientes.

Um exemplo é a Zazuu. A empresa começou a operar em agosto do ano passado nas zonas sul e oeste da capital paulista. É só agendar um horário no aplicativo, fazer o pagamento e o pet truck vai buscar o bicho para realizar o serviço. A Zazuu também tem um esquema simplificado de franquias. Um profissional da tosa, por exemplo, pode se tornar parceiro alugando o pet truck deles.

Nelo Marraccini, do IPB, ainda lembra que a participação dos gatos é a que mais cresce no mundo dos pets – entre 2013 e 2019, a presença deles nos lares brasileiros subiu 11%, contra 5% dos cachorros. E hoje eles são 24,7 milhões, quase metade da população canina. “As pessoas estão morando em espaços cada vez menores e o gato é um animal que se adapta melhor à vida de apartamento.” Então fica a dica: empreender com produtos e serviços mais voltados para os felinos pode chamar a atenção num setor em que o marketing é quase que totalmente voltado aos donos de cães. Né, Pantera?

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