Ibovespa ensaia mais um voto de confiança a Brasília e sobe 1,2%
Grandes gestores podem até dizer que estão preocupados com a crise fiscal, os mortos pela Covid e a reforma ministerial. Mas a bolsa continua em alta.
Após permanecer impávido frente à dança das cadeiras dos ministérios de Bolsonaro na segunda-feira, o mercado finalmente digeriu às trocas nesta terça (30). E do ponto de vista dos investimentos, o balanço foi positivo: o Ibovespa subiu descolado do exterior.
Foi para a conta “da melhora no cenário político”. Tudo porque o centrão foi contemplado na reforma ministerial promovida aos atropelos pelo governo Bolsonaro na segunda. Depois das trocas em seis ministérios, a Secretaria de Governo ficou com a deputada federal Flávia Arruda, que fará a interlocução do Planalto com o Congresso. Mas isso foi na segunda, hoje a notícia foi a confirmação de novas baixas exclusivamente na ala militar: comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica decidiram entregar seus cargos. Em tese, nada a ver com o mercado financeiro.
O que é notícia velha, mas ainda a principal pedra no sapato é o Orçamento federal para 2021. Aprovado com pelo menos três meses de atraso, foi considerado impossível de cumprir. Após o relator Marcio Bittar revisar o plano, adicionando emendas que permitem a realização de obras, criou-se um rombo de R$ 31,9 bilhões. Isso, por tabela, refletiu na queda do Teto de Gastos, que limita os gastos do governo – assunto primordial para o mercado financeiro. Entre trocas de acusações, governo e Congresso negociam como fazer o ajuste. Aqui deve entrar Flávia Arruda. Sem mudanças e sem vetos, o presidente Bolsonaro pode ser acusado de crime de responsabilidade.
Mas enquanto o mercado financeiro espera a solução para colocar o teto de gastos novamente de pé, o Ministério da Economia anunciou a abertura de mais um rooftop por lá. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que gastos com novas medidas de enfrentamento da pandemia podem ficar de fora do teto assim como a já aprovada nova rodada do auxílio emergencial (R$ 44 bilhões fora do teto). O principal desafio do governo agora tem sido achar recursos para reeditar o programa que permite a empresas cortarem salário e jornada dos funcionários — tentaram fazer com o seguro-desemprego, mas não emplacou. O ponto é que a medida é importante para reduzir as demissões conforme estados e municípios fecham atividades não essenciais para conter a circulação do vírus.
O mercado fala pelo preço das ações, do dólar e de outros ativos. E se a bolsa tá subindo, não dá para dizer que investidores estão de todo preocupados com o cenário. Diz o jargão que “já está no preço”. Ainda assim, a situação é tão sui generis que mais gestores de fundos estão falando cada vez mais de outras maneiras, especialmente em voz alta, sobre suas preocupações econômicas e políticas.
Hoje foi a vez de Rogério Xavier, da SPX. Durante um evento, ele destacou que a classe política não parece comprometida em dar recados ao mercado de que o cenário econômico atual, marcado por problemas graves de dívida pública, pode mudar. “Com um presidente acuado, temos que tomar um pouco de cuidado nas ações que ele possa tomar daqui para frente”. Xavier segue Luis Stuhlberger, gestor do mítico fundo Verde, que disse ter acreditado e votado em Bolsonaro em 2018, mas não planeja repetir a dose em 2022.
O clima político anda mesmo estranho. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, falou sobre a renúncia coletiva na alta cúpula das Forças Armadas. “Eu não consigo antever a intenção do presidente da República, preciso acreditar que seja uma troca de comando”, disse. “Não me permito fazer nenhum tipo de especulação, é nossa crença e nossa confiança.”
De novo, nada disso foi problema para a Faria Lima. Pelo menos não hoje. De novo, a bolsa descolou dos resultados do exterior e o Ibovespa registrou alta de 1,24% e fechou a 116.849 pontos. O dólar, que vinha subindo e beirando os R$ 5,80, fechou praticamente estável (-0,08%), cotado a R$ 5,762.
Em Wall Street, os principais índices recuaram após os títulos do tesouro americano alcançarem novas máximas naquela novela da volta ou não da inflação. Rendimentos de títulos de 10 anos alcançaram 1,77%. Resultado? Caíram os índices S&P (-0,32%) e Nasdaq (-0,11%).
Voando baixo
E mesmo com mais de 3.780 mortes pelo coronavírus nas últimas 24h, quem liderou a alta da bolsa foi o setor aéreo e de turismo. A Embraer puxa o bonde, com alta de 9,30%, seguida por Gol (8,56%) e Azul (6,94%). O ânimo com as aéreas reacende com a expectativa de que a vacinação contra Covid-19 ganhe corpo nos próximos dias. Por enquanto, dá pra chamar de wishful thinking, já que hoje a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou a certificação às vacinas do consórcio indiano Covaxin. O imunizante era uma das principais apostas do governo federal para ampliar a campanha de vacinação nacional, mas seu fabricante, Bharat Biotech, não passou na inspeção feita por agentes da Anvisa durante visita à Índia, em março. No relatório, inspetores alegaram questões de ordem sanitária, de controle de qualidade, e de segurança para negar seu “certificado de boas práticas”, essencial para a liberação do uso em solo nacional.
O que o investidor enxerga é o efeito da vacinação nos Estados Unidos — e torce para que em breve o cenário se repita por aqui. Lá são vacinados 2,8 milhões de cidadãos por dia, aí os aeroportos voltaram a encher. Os país já mantêm uma média superior a 1 milhão de passageiros diários desde o dia 11 de março, segundo dados da TSA (Administração para a Segurança dos Transportes).Outro estímulo para o setor aéreo brasileiro é mais banal. Um juiz do Ceará indeferiu um pedido do MPF (Ministério Público Federal) de que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) exigisse que passageiros precisassem apresentar testes rápidos de Covid-19 em viagens nacionais. O argumento contra a medida é de que o número de viajantes de voos domésticos é 4 vezes maior que a capacidade de testes do SUS (Sistema Único de Saúde).
O número de voos domésticos segue bem abaixo do normal, ainda que, no início do ano, o setor começou a ensaiar um lento retorno. Nos últimos 12 meses, a Anac contabiliza 42 milhões de passageiros em voos nacionais. Em janeiro deste ano, mais de 6 milhões de pessoas embarcaram em aviões que cumprem rotas domésticas. No mês de março, porém, o aumento no número diário de mortes no Brasil fez a água voltar a bater na cintura, e companhias nacionais voltaram a cortar o número de voos diários após 10 meses – limando cerca de 14% da malha aérea. Quer dizer, qualquer recuperação de verdade dos voos e das ações na bolsa vai depender de mais que promessas de vacinas. Estamos ansiosos.
Maiores altas
Embraer: 9,30%
Gol: 8,56%
Azul: 6,94%
MRV: 6,12%
Lojas Renner: 5,86%
Maiores quedas
Suzano S/A: -3,31%
PetroRio: -2,26%
Klabin: -1,08%
Minerva: -1,05%
Marfrig: -0,85%
Bolsas americanas
Dow Jones: 0,36%, a 33.066,96 pontos
S&P 500: -0,32%, a 3.958,55 pontos
Nasdaq: -0,11%, a 13.045,39 pontos
Petróleo
Brent: -1,3%, a US$ 64,14
WTI: -1,6%, a US$ 60,55
Minério de ferro
US$ 166.67 na bolsa de Dalian, China.