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Fed tenta evitar uma corrida bancária após quebra do SVB; veja como funciona

Evitar uma crise financeira significa adotar uma das medidas mais impopulares do mundo. Entenda.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 13 mar 2023, 10h05 - Publicado em 13 mar 2023, 10h01

A quebra do banco de startups SVB, Silicon Valley Bank, foi a maior da temporada de 2023, até agora, o maior colapso desde a crise de 2008 e a segunda maior falência bancária da história dos Estados Unidos. A partir daqui, é o Fed quem determina se haverá um efeito-dominó ou não, que no sistema financeiro se chama corrida bancária.

Existem duas vias de contágio: a da corrida bancária e da escassez de crédito nos empréstimos entre bancos.

Primeiro vamos falar da corrida bancária. Pela regra do jogo normal, quem tinha dinheiro em um banco nos Estados Unidos leva até US$ 250 mil do valor depositado em caso de falência – é o FGC (Fundo Garantidor de Créditos) deles. A ideia dos seguros para depósitos, que existe em todo país sério, é justamente evitar que um cliente tenha medo de um calote, acelerando o processo de quebra de uma instituição financeira.

Banco, você sabe, não tem todo o seu dinheiro depositado. Ele pega o seu saldo em conta e empresta para outro cliente, num processo de multiplicação de dinheiro. Em condições normais de temperatura e pressão, você não se importa com isso porque confia que, quando precisar da grana, vai poder usá-la. Então, você deixa o seu salário e suas economias no banco porque confia que está tudo bem. 

E em 99% dos casos, é isso mesmo o que acontece. O problema é quando acontece aquele 1%.

Se existem sinais de que o banco está mal das pernas, você tem duas opções: confiar na cobertura do “FGC” e brincar de avestruz, fingindo que o problema não existe. Ou correr para sacar o seu dinheiro. Aí rola o seguinte: quem tem mais de US$ 250 mil não tem opção a não ser sacar a grana, já que o resto do valor será perdido. E quando esse endinheirado vai retirar o saldo do banco, ele acelera a crise pedindo resgates de dinheiros mais altos do que em momentos normais.

Antes disso, o banco até poderia sobreviver. Após a corrida bancária, não tem escapatória. Ele vai quebrar. Isso acontece porque, quanto mais pedidos de saque chegam, mais rápido ele precisa vender seus investimentos (títulos públicos e outros títulos de dívida) para honrar os pagamentos. Na pressa, vira liquidação. Algo que valia $ 100, passa a valer $ 50.

Na sexta, o Fed determinou a liquidação do SVB e pretendia seguir as regras do jogo normal. Ou seja, cobrir os US$ 250 mil de cada cliente e fim de papo. A consequência é que, imediatamente, outro banco, bem menor, quebrou. Era o Signature Bank, especializado em criptos (Vale dizer que ao longo da semana passada o Silvergate, outro banco tradicional, mas especializado em prestar serviços ao ecossistema cripto, também havia colapsado).

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Em português claro: há efeito-contágio no sistema. E quando isso acontece, a tendência é que clientes comecem a questionar o quão seguro está o dinheiro em qualquer instituição financeira. E ao sinal de dúvida, lá vem a corrida bancária.

Aí não teve jeito: no final de semana, o Fed anunciou que vai cobrir 100% dos depósitos que clientes tinham no SVB, ignorando o teto de US$ 250 mil. Funciona para proteger a economia real, principalmente startups que eram as principais clientes do banco, e também o sistema financeiro, já que ajuda a prevenir corrida bancária a outras instituições. Se o Fed garantiu, tá garantido.

Mas aí vem a segunda parte da “corrida bancária” e do risco sistêmico. Bancos trocam empréstimos entre si todos os dias, de curtíssimo prazo, só para todo mundo dormir no azul. Só que eles também temem calotes uns dos outros, acordar no dia seguinte e descobrir que o Fed mandou fechar um banco para quem você emprestou grana.

Aí, quando uma crise dessas acontece, os bancos param de emprestar dinheiro entre si. Se nada for feito, mais uma leva de instituições quebra. O crédito desaparece, a economia entra em recessão.

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A outra medida anunciada pelo Fed no final de semana, para evitar que isso aconteça, foi garantir que, na ausência de empréstimos entre bancos, ele vai prover todo o crédito que as instituições quiserem. Isso é chamado de credor de última instância.

Para funcionar, o banco central precisa garantir que a fonte de recursos é ilimitada. Haverá tanto dinheiro quanto os bancos demandarem. A contrapartida é que eles precisam dar garantias (usualmente títulos públicos) e a taxa de juros costuma ser mais salgada que a Selic, uma espécie de punição pelo mau comportamento.

Tanto o teto do FGC quanto o custo mais caro do crédito de emergência do Fed fazem parte de um sistema de punições criado para evitar mau comportamento. A ideia é que as garantias não incentivem bancos e clientes a tomarem decisões arriscadas, só porque, se tudo der errado, o Fed (ou qualquer BC) entra em jogo e salva o dia. 

Esse, por sinal, é o mesmo argumento usado para não renegociar em excesso ou perdoar dívidas de pessoas comuns: elas teriam incentivos a repetir o mau comportamento.

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Só que tudo isso vai por água abaixo quando um banco do tamanho do SVB quebra. O Fed reabriu uma linha de crédito usada em 2008 para garantir que os bancos conseguiram empréstimos para honrar depósitos de seus clientes.

Salvar banco talvez seja uma das medidas mais impopulares que existe. Especialmente se houve má gestão. A crise do SVB ocorre na esteira da rápida alta de juros e da crise das startups. De um lado, os títulos que o banco tinham perderam valor. De outro, seus clientes entraram em crise.

Ainda assim, o trabalho de um banco é justamente equilibrar as duas coisas. Se ele falhou na tarefa, ele não cumpriu com a sua missão. 

Ainda assim, não salvar bancos têm consequências ainda mais desastrosas para a economia. A crise de 2008 manda lembrar.

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(Este texto foi publicado originalmente como parte da nossa coluna de Abertura de Mercado.)

 

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