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EUA vivem inflação de Brasil: 1% em maio. Mercado senta e chora

Nos últimos 12 meses, alta é de 8,6% – de novo, a maior desde dezembro de 1981. Ou seja: mais combustível para amentos nos juros gringos. Dólar sobe 1,49%. Ibovespa cai 1,51%.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 10 jun 2022, 17h50 - Publicado em 10 jun 2022, 17h46

1929: Uma fuga em massa da bolsa de NY deixa a economia mundial à beira do precipício. O Fed não faz nada, por medo de criar inflação. A economia dá um passo adiante, e cai no precipício. Por dez anos – no longo que entrou para a história como “Grande Depressão”.

2008: Uma série de falências bancárias nos EUA deixa a economia mundial à beira do precipício. O Fed, com medo de uma nova depressão com “d” maiúsculo, faz alguma coisa. Passa a imprimir dinheiro feito louco e distribuir pelo sistema financeiro, sem medo de criar inflação (a consequência da impressão tresloucada de dinheiro). Mantêm as torneiras bem abertas até 2016 (via juros baixos, a forma clássica de injetar dinheiro novo na economia. E surpresa: o movimento não criou inflação. Os juros sobem nos anos seguintes, mas se mantêm bem abaixo dos níveis pré-2008.  

2020: Um vírus aparece no meio do caminho. Pandemia global. Mundo à beira do precipício. Tasca ligar as impressoras de dinheiro de novo. Fé em Deus, juro zero e pé na tábua.  

2022: Chega a prova de que não existe juro zero grátis: maior inflação nos EUA desde a época em que Michael Jackson ainda estava gravando Thriller no estúdio. O índice de preços ao consumidor de lá foi subindo, subindo, até que, em março, bateu em arrepiantes 8,5% nos últimos 12 meses – coisa que não se via desde dezembro de 1981. Esse era o pico até aqui. “Era”, já que…. 

10 de junho de 2022: Pois é. Saiu hoje o CPI (“IPCA” deles) de maio. Foi uma alta de 1% ante abril. Uma bomba. No mês passado, a inflação mensal tinha ficado em 0,3%. Os analistas já não esperavam grande coisa – o consenso do mercado era para uma alta de 0,7%. E mesmo assim acabaram surpreendidos. 

O que gera uma situação peculiar. O Brasil, Pelé da inflação em termos históricos, fechou maio com um índice substancialmente menor que o americano no mês a mês: 0,47%, contra os 1% deles. 

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Na conta dos 12 meses, de qualquer forma, seguimos na frente: BRA 11,73% X 8,5 EUA. Mas é isso: ao menos neste momento, é lá que rola o viés de alta. E aí não há a quem apelar, fora uma entidade. Deus? Quase: os juros. 

Tudo indica que o banco central daqui fez bem em começar a alta nos juros um ano antes do banco central deles. O Fed de fato foi tímido. Só tirou os juros do zero em março. A “meta da Selic” não é um número seco, mas uma banda entre duas porcentagens. Desde 2020, ela estava entre 0% e 0,25%. Em março, veio uma acabrunhada alta de 0,25 pp. Em maio, na reunião seguinte do Comitê de Política Monetária deles, apertaram um pouco mais: 0,50 pp. 

Só que agora, com a inflação monstro de maio, até os vendedores de hot dog de Wall Street sabem que essa banda 0,75% – 1% não segura nada. Espera-se uma enxurrada de altas para as próximas reuniões – talvez mais três de 0,50 pp a partir da próxima, que rola já na semana que vem, o que elevaria os juros de lá para 2,50%.

A pergunta é: bastaria? Era tudo o que o Fed queria, mas talvez não. Da última vez em que precisou dar uma freada na inflação, antes da crisde de 2008, os juros chegaram a 5,25%. Detalhe: a inflação era metade da de hoje. 

E aí o que vem é aquela frase que se escreve sozinha: “num cenário de juros altos os mercados ficam avessos ao risco”. Significa que passa a valer mais a pena colocar dinheiro em título público americano, que paga juros em dólar, do que apostar em ações. O pessoal saca o dinheiro da bolsa para colocar no porto seguro dos títulos que pagem bem, e a bolsa cai – não só as dos EUA, mas as do mundo todo, já que dinheiro atravessa fronteira sem ter de mostrar passaporte.

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Não deu outra: -1,51% no Ibovespa, seguindo os -2,91% do S&P 500. 

E o dólar sobe (1,49% hoje, a R$ 4,98), já que para aportar dinheiro nos títulos americanos você precisa converter os seus reais, pesos, liras turcas e rands sul-africanos em dinheiro produzido pelo Fed.

Seja como for, o que está acontecendo agora era esperado. Sabia-se que a inflação viria pesada, tanto lá como aqui, após as enxurradas de dinheiro novo. O que ninguém contava era com a alta-monstro do petróleo – cortesia da invasão russa à Ucrânia. Uma alta que veio a pior hora possível. 

Mas é isso. Os eventos de 1929 e de 2008 também foram impossíveis de prever. A economia, por mais que pareça feita de números, é feita de gente. E gente é o mais imprevisível dos ativos.

Bom fim de semana.

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Maiores altas

Qualicorp (QUAL3): 7,39%

CSN Mineração (CMIN3): 3,98%

Raia-Drogasil (RADL3): 0,73%

Hypera (HYPE3): 0,57%

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Cielo (CIEL3): 0,53%

Maiores baixas

Americanas (AMER3): -10,63%

Inter (BIDI11): -6,87%

Azul (AZUL4): -6,62%

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Eletrobras (ELET6): -6,59%

Positivo (POSI3): -6,39%

Ibovespa: -1,51%, a 115.481 pontos 

Em NY:

S&P 500: -2,91%, a 3.900 pontos

Nasdaq: -3,52%, a 11.340 pontos

Dow Jones: -2,73%, a 31.392 pontos

Dólar: 1,49%, a R$ 4,98

Petróleo

Brent: -0,86%, a US$ 122,01

WTI: -0,69%, a US$ 120,67

Minério de ferro: -1,94%, a US$ 141,19 por tonelada, no porto de Qingdao

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