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Queda de 70% no ano: entenda o calvário do Grupo Casas Bahia (BHIA3)

Desde o anúncio do follow-on, há quatro pregões, as ações da ex-Via desabam 40%. Veja quais são as perspectivas para o papel.

Por Jasmine Olga
Atualizado em 29 set 2023, 17h47 - Publicado em 18 set 2023, 15h36

Grandes dramas deixam marcas no imaginário coletivo. Lúcifer caiu em desgraça e foi expulso do céu – e, talvez por isso, seja o mais famoso dos anjos. A metáfora bíblica, quem diria, ecoa fundo no ambiente mundano da bolsa de valores: de tempos em tempos, uma empresa “conquista” seu espaço no imaginário ao entrar numa espiral descendente, atirando os investidores num abismo.

Mas nem sempre a queda é cinematográfica como a vista na Americanas (AMER3), envolvendo fraude contábil bilionária e recuperação judicial. Tropeços da gestão, dificuldades em se manter relevante em um cenário competitivo e fragilidades no panorama macroeconômico podem ser o suficiente para arrancar o título de queridinha do mercado de uma companhia — e o recém rebatizado Grupo Casas Bahia (ex-Via) sabe bem disso.

Nos últimos anos, a varejista dona das Casas Bahia e do Ponto (ex-Frio) deve ter perdido as contas de quantas vezes foi do céu ao inferno – e de quantas ficou presa no purgatório. Em agosto de 2020, auge da corrida do e-commerce para suprir a demanda da pandemia, os papéis da empresa chegaram a valer R$ 20,56, número 2.600% superior aos R$ 0,76 do último fechamento. 

Mudanças de estratégia e trocas de comando, somadas ao “boom” do e-commerce durante a pandemia e a um cenário macroeconômico adverso, foram alguns dos motivos capazes de virar a chavinha da opinião do mercado com relação à companhia na história recente. 

Os dias de glória parecem estar mais uma vez no passado. No ano, os papéis BHIA3 (formerly known as VIIA3) acumulam uma perda de 70%, o pior desempenho do Ibovespa. 

E se antes a companhia era acompanhada de pertinho por diversos bancos de investimento, o tamanho da encrenca em que a empresa está metida pode ser medido pela falta de análises e comentários sobre a situação atual do grupo. 

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É bem verdade que, com a pressão dos juros altos e a retomada do consumo das famílias ainda engatinhando, o varejo como um todo tem sofrido na bolsa — mas o calvário da Casas Bahia é maior. O seu principal concorrente, Magazine Luiza (MGLU3), tem perdas de apenas 3% no ano; varejistas de outros setores, como Petz e Lojas Renner, caem 2% e 19%, respectivamente. 

A queda brusca nos últimos cinco pregões segue na esteira de uma oferta de ações frustrante para a companhia, mas essa é apenas uma das pedras no sapato da companhia. 

Um passo para trás

Antes de olharmos para os problemas da oferta de ações recém concluída e os números do balanço, é preciso entender um pouco melhor o mal estar generalizado entre as varejistas da bolsa. 

Voltemos ao início de janeiro, quando o mercado enfrentou um terremoto chamado Americanas (AMER3). A saída do recém-empossado CEO Sergio Rial em janeiro jogou luz sobre o que, naquele momento, era uma “inconsistência contábil” na casa dos RS 20 bilhões. 

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Conforme as investigações avançaram, descobriu-se que o problema era bem maior. O fim todos conhecem: uma recuperação judicial de R$ 43 bilhões, a quarta maior da história do país, com direito até a CPI em Brasília. 

O mercado de crédito sofreu um chacoalhão e diversas emissões de títulos de dívida foram paralisadas. Os bancos, principais credores da Americanas, apanharam na bolsa e um temor de efeito dominó tomou conta do setor de varejo. É que o episódio serviu para escancarar a potencial fragilidade dos balanços das empresas desse segmento. 

Hoje a Americanas afirma que houve fraudes contábeis, mas à época da renúncia de Rial, o mercado trabalhava com a teoria de que as inconsistências teriam vindo de operações de “risco sacado” que não haviam sido contabilizadas como dívidas.  

Nesse tipo de transação, os bancos antecipam recebíveis com uma taxa de desconto e, ao invés de a varejista passar a dever aos seus fornecedores, a dívida acabava sendo com a instituição financeira que fez o empréstimo. 

Como a prática é comum no setor, o temor de que outras companhias também estivessem escondendo dívidas muito maiores do que as conhecidas passou a tomar conta dos investidores — e muita gente preferiu abandonar o barco. 

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Para a Via, a derrocada da Americanas significou uma queda de 5% no dia seguinte à descoberta das inconsistências contábeis. 

Não demorou para a dona da Casas Bahia se pronunciar, informando que todas as operações de “risco sacado” já estavam registradas no balanço – de acordo com as regras internacionais de contabilidade, sob a denominação “Fornecedores Convênio”. Já os juros decorrentes dos adiantamentos são registrados como despesas financeiras. 

Mas o efeito Americanas não foi o único depressor no ambiente. Vale lembrar que a Selic só iniciou seu ciclo de queda agora há pouco, em agosto de 2023, e ainda se encontra em patamares elevados — encarecendo a oferta de crédito e pressionando o consumo. Ainda que o Banco Central cumpra o seu plano para os juros brasileiros, ainda devemos terminar o ano com uma taxa básica de grossos 11,75%. 

Para Breno Francis de Paula, analista de Varejo do Inter, parte do problema da companhia está na performance abaixo do esperado no e-commerce. “O consumo não é pujante desde a pandemia. As pessoas estão endividadas e com limitado acesso à crédito. A empresa também sofre com a chegada dos players chineses e com o crescimento de Mercado Livre e Amazon Br”. 

Fall from grace

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Foi uma semana cheia para a turma da Casas Bahia. A empresa decidiu abandonar o nome “Via” e retornar às origens com o mais clássico Grupo Casas Bahia. Isso sem falar na tentativa de apelo emocional ao resgatar o tradicional slogan “Dedicação total à você”. 

As fortes quedas desta semana tiveram como gatilho um momento na linha “o rei está nu”. A varejista fez uma uma oferta de ações especialmente malfadada, que deixou claro o baixo interesse do mercado.  

Na última apresentação da companhia ao mercado, com o anúncio do balanço do segundo trimestre, anunciaram uma mudança de prioridade: ao invés da expansão dos novos canais digitais e crescimento no número de lojas, o objetivo agora é estabilizar a operação e fomentar um aumento na geração de caixa, com redução de despesas. 

O plano ainda não foi publicado em detalhes, mas mostra que o novo CEO, Renato Franklin, ex-presidente da locadora Movida, tem um projeto de reestruturação. Ele substituiu Roberto Fulcherberguer no dia 1º de maio.  

Para qualquer mudança acontecer, porém, é preciso de grana. A empresa vem rodando no prejuízo no último ano e reportou uma dívida bruta de R$ 8,7 bilhões ao fim do segundo trimestre.

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Desse montante, R$ 1,2 bilhão devem ser quitados em uma janela de um ano — e a cifra pode ficar ainda maior caso o nível de alavancagem siga crescendo e os credores exijam o pagamento antecipado de dívidas

Com a oferta, o Grupo Casas Bahia esperava uma injeção de R$ 1 bilhão no caixa, mas só conseguiu um valor 37% menor: R$ 623 milhões, com cada ação saindo por R$ 0,80, um valor 31% abaixo R$ 1,17 do dia do anúncio da operação. 

A companhia aumentou sua base acionária em 44%, de 1,6 bilhão de papéis para 2,3 bilhões. Trata-se de uma porcentagem pouco trivial. Para empresas que dão lucro e o dividem com os seus acionistas, isso significa uma fatia consideravelmnete menor do bolo total. Nesse caso específico, 30% menor – caso tenha ficado confuso: basta você pensar que um aumento de 100% na base acionária reduziria o dividendo por ação em 50%; não em 100%. 

Uma diluição da base acionária desse volume em uma Nvidia da vida, empresa que causa euforia no mercado, não viria acompanhada por um desconto equivalente na precificação do follow on – já que não faltam investidores loucos por se tornarem sócios da fabricante de GPUs. 

Mas a ex-Via, por óbvio, não é uma Nvidia. O apetite da diretoria foi grande em um momento adverso para a companhia – e para todo o setor de varejo. Assim, não tiveram como evitar uma “liquidação” das novas ações. 

O desconto de 31% para viabilizar a oferta deixou uma má impressão. Em uma situação como essa, fica o sinal de que os executivos da companhia aceitaram seguir em frente porque não havia como abrir mão do dinheiro nesse momento. 

Para o analista do Inter, a opção de realizar o follow on parece ter sido uma surpresa. Isso porque a companhia havia captado R$ 1,1 bilhão com debêntures em junho e feito a renegociação de prazos de pagamento de parte das suas dívidas de curto prazo no trimestre anterior. 

Segundo cálculos dos analistas Sergio Matsumoto, Felipe Reboredo e João Pedro Soares, do Citi, o nível de endividamento da companhia deve sair da casa dos 1,86 vez a dívida líquida sobre o Ebitda para 1,34. 

Apesar da redução no nível de endividamento, o banco não acredita que os problemas estão resolvidos — a estrutura de capital segue sendo um problema. Mesmo com o dinheiro extra, o Citi ainda vê o endividamento em alta, podendo chegar à casa dos R$ 3 bilhões no acumulado dos últimos 12 meses, com um aumento das despesas financeiras e empréstimos. 

Para o banco, mais do que a injeção de capital, a companhia precisará de uma melhor gestão de seus passivos para garantir uma estrutura de capital mais sustentável. “Esperamos também que a empresa continue a monetizar seus R$ 2,5 bilhões de créditos fiscais e mantenha uma rígida disciplina de capital (com investimentos limitados na abertura de novas lojas)”. 

Apesar da surpresa com a oferta de ações, o Inter não vê grandes preocupações com o caixa da companhia após a injeção recente de capital via follow on e debêntures. 

Via versus Grupo Casas Bahia

Para além das preocupações do mercado com a saúde financeira da companhia, a mudança de nome (e de ticker) e o novo plano de transformação também pautam as análises sobre o futuro da companhia. 

O retorno ao nome antigo e que remete mais ao mundo do varejo de rua do que ao competitivo mercado de comércio eletrônico soa como uma tentativa de resgatar a imagem de um passado de glória — mas ainda é cedo para cravar que estamos diante de uma mudança brusca de realidade. 

O plano de transformação, no entanto, deixa algumas pulgas atrás da orelha. Para De Paula, do Inter, ele tenta empolgar o mercado com a sinalização de resgate às origens, mas “é preciso ter cautela e entender que seguidos planos de turnaround indicam mais falhas do que acertos nas decisões”. O analista, de qualquer forma, lembra que ainda é cedo para julgar a gestão de Renato Franklin na companhia. 

Apesar do Grupo seguir tendo como pontos fortes uma grande capilaridade de suas lojas físicas e uma boa operação de sua fábrica de móveis (Bartira), concorrentes como Mercado Livre, Amazon e Magazine Luiza seguem em melhores condições operacionais e financeiras no momento. 

Ou seja: enquanto a Casas Bahia passa por reestruturações em seu quadro de pessoal, incluindo executivos, as suas principais rivais têm um organograma mais consolidado, podendo ser mais agressivas em seus planos de expansão. 

Com VIIA3 valendo menos de R$ 1, muitos podem estar se perguntando se esse é um bom momento para encher o carrinho de compras, mas os analistas preferem esperar mais um pouco. 

As expectativas para o futuro são boas. Ainda que a reestruturação interna leve mais algum tempo para gerar frutos e os seus concorrentes sigam abocanhando uma parcela maior de participação do mercado, a companhia tende a recuperar parte do seu valor em consequência dos futuros cortes na Selic. 

A relação de risco-retorno, no entanto, segue desfavorável. O ideal é esperar a poeira baixar e ter maiores certezas sobre a firmeza das operações do grupo. 

“Tanto no setor, quanto no segmento, consideramos outros players melhores para se ter em carteira”, aponta o analista do Inter. 

O Citi tem um preço-alvo de R$ 2,30 para os papéis — um potencial de alta de 220% ante o preço no pregão desta segunda-feira (18); R$ 0,72. Mas a recomendação do banco segue neutra para VIIA3, dadas as incertezas do cenário. 

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