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Dividendos: encontre as oportunidades, e fuja das ciladas

Com os juros em alta e Ibovespa fraco, algumas boas pagadoras de dividendos ficaram baratas. Ou seja: este pode ser um bom momento para entrar.

Por Júlia Moura; Design e colagens: Caroline Aranha; Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 25 out 2022, 16h00 - Publicado em 14 out 2022, 07h19

São raras as vezes em que a bolsa de valores oferece oportunidades tão claras para você tentar imitar investidores do calibre de Warren Buffett – ou Luiz Barsi, se você quiser uma versão brasileira. 

Este é um dos momentos. É que a bolsa brasileira está barata. Não se trata exclusivamente de comprar ações em liquidação. Há outro ponto, fundamental para o longo prazo: quando os preços dos papéis estão no chão, o potencial de ganhos com dividendos tende à estratosfera.

Ok, mas quem diz que a bolsa está barata? O P/L – “preço sobre lucro”. Ele é a divisão do valor de mercado de uma empresa (ou seja, o preço somado de todas as ações) pelo lucro que a companhia deu nos últimos 12 meses. Grosso modo, o P/L mostra o tempo que um investidor levaria para recuperar o valor investido numa empresa.

Quanto menor o P/L, mais barata está a ação. Tipo: se um papel está cotado a R$ 30, mas tem P/L de 7, e outro custa R$ 5, mas tem P/L de 10, a ação mais barata é a de R$ 30. 

Bom, segundo a XP, o P/L médio das 89 empresas que fazem parte do Ibovespa estava em 6,6 no final de setembro. A média dos últimos 15 anos é de 11,2. Ou seja: as companhias do índice estavam quase que “pela metade do preço” levando em conta o P/L histórico. 

A bolsa brasileira também está barata na comparação com os EUA, mesmo com a queda vertiginosa dos índices americanos ao longo de 2022. O P/L do S&P 500, principal índice acionário do mundo, está em 18. Dow Jones, em 17; Nasdaq, 23.

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Olhando nas entranhas do Ibovespa, existem ações virtualmente de graça. Era o caso da Petrobras ao fim de setembro. PETR4 apresentava um P/L de 2,41. Isso significa que o papel negociava a 2,41 vezes o lucro da companhia nos últimos quatro trimestres. E que levaria dois anos e meio para o investidor receber, em caso de distribuição de 100% do lucro aos acionistas, a quantia que gastou na compra. Um assombro. 

Significa que é uma boa hora para investir na petroleira? Não necessariamente. Vamos examinar melhor esse caso mais adiante. Primeiro, vale deixar clara a mágica de comprar uma ação com P/L baixo mirando rentabilidade com dividendos, como fazem alguns dos melhores investidores peso-pesado. 

O primeiro foco deles é identificar empresas promissoras: companhias que têm modelo de negócio sólido, boa gestão e potencial de continuar gerando lucros por décadas a fio. Mas isso não basta, é preciso pagar um preço bom pelas ações delas. Vamos ver como funciona com um exemplo clássico de Luiz Barsi.

Em 1972, ele comprou ações do Banco do Brasil pelo equivalente a R$ 0,60 de hoje. Ao fim de setembro, a ação era negociada a R$ 38,52. Uma alta de 6.320%. Mas não é para esse dado que Barsi olha. É para os dividendos.

Para focar nos proventos, você precisa saber se o retorno vale a pena. E isso se faz calculando o dividend yield. Basta dividir o tanto que a empresa pagou em proventos no ano pelo preço do papel. Qual preço? Nesse caso, aquele que você pagou pela ação.

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Em 2022, o banco estatal já pagou R$ 3,01 por ação em dividendos. Significa que a rentabilidade de Barsi sobre aquele investimento inicial, de R$ 0,60 por ação, foi de 502% neste ano. Por que choras, Tesouro Selic? 

Nesta reportagem, ajudamos você a buscar ações com potencial de gerar bons dividend yields nos próximos anos, ou décadas, se compradas hoje. E a descartar aquelas que parecem oportunidades, mas que podem ser ciladas. Vamos começar pela Petrobras.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Pontos fora da curva

As especulações em torno da guerra da Ucrânia levaram o petróleo a patamares não vistos desde 2012 – acima de US$ 120. Ruim para a inflação, mas bom para os acionistas da Petrobras. A estatal apresentou lucros recordes e distribuiu tudo. 

A bolada de R$ 12,99 que a estatal pagou por ação nos últimos 12 meses encerrados em setembro chamou a atenção dos brasileiros de volta para o investimento com foco em dividendos. Quem comprou em setembro de 2021, com PETR4 a R$ 27,23, chegou a setembro de 2022 tendo embolsado 47% de dividend yield (DY). Uma loucura. 

A benesse foi tanta que, no segundo trimestre deste ano, tornou a Petrobras a companhia aberta que mais distribuiu lucros no mundo todo, de acordo com a gestora Janus Henderson.

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A distribuição farta não veio à toa. Foi um presente extraordinário para que a União, maior acionista da companhia e com direito a dividendos bilionários, financiasse os programas eleitoreiros de Jair Bolsonaro, como os vales para caminhoneiros e taxistas. 

Quem se dá mal nessa, porém, é a própria companhia. Ao distribuir dividendos vultosos, ela esvazia os bolsos. E fica com menos caixa para investir em tecnologia, novos poços etc. Sua capacidade de gerar lucros maiores nos próximos anos acaba afetada. 

Fora que o preço do barril fechou setembro abaixo de US$ 90 – longe do pico de US$ 120, registrado em março. Ou seja, o lucro dos próximos trimestres dificilmente irá crescer, o que limita a distribuição de dividendos. O final das eleições, em 30 de outubro, também diminuirá a pressão para novos pagamentos fora da curva, independentemente de quem saia vencedor. 

Olhando mais para frente, o uso de fontes energéticas mais limpas tende a se fortalecer, deixando a era de ouro do óleo definitivamente para trás – o que não é uma boa notícia para petroleira alguma, seja estatal ou privada, brasileira ou estrangeira. Daí os P/Ls relativamente baixos que as gigantes do setor apresentam mundo afora. O da Exxon, a maior dos EUA, fechou setembro em 9, por exemplo – metade do P/L do S&P 500 para a mesma data. 

Ou seja, se você busca dividendos rechonchudos no longo prazo, então, a estatal pode não ser o melhor caminho. Para o curto prazo, corretoras continuam recomendando ações da Petrobras. É o caso da XP, que a classifica como “barata demais para ignorar”, e do Santander, que ressalta o desconto de 45% do preço da ação em relação à sua média histórica e de 9% em relação às maiores petroleiras do mundo – tudo isso mesmo com PETR4 cravando a segunda maior alta do Ibovespa no ano, ao norte dos 60% (atrás apenas da Cielo, com seus 160% até o início de outubro).

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A história de outra gigante brasileira, a Vale, é parecida até a página dois.

Na primeira metade do ano, a tonelada do minério de ferro chegou a ser negociada no patamar de US$ 160, o que permitiu o pagamento de R$ 7,29 em dividendos este ano. Nos últimos 12 meses, o DY é de 9,56%.

Atualmente, o minério está no patamar de US$ 100 e as perspectivas não são das melhores. A economia da China, seu maior consumidor, continua a desacelerar e uma recessão global se avizinha. Parece que, pelo menos por enquanto, os lucros da Vale não vão aumentar tão cedo.

No segundo trimestre deste ano, a mineradora já decepcionou o mercado, com custos acima do esperado na produção de minério de ferro. O resultado fraco levou a empresa a desapontar as expectativas de uma parcela extra de dividendos. 

Para a Ágora, isso sugere que a empresa está um pouco mais cautelosa com as perspectivas, mas a corretora não descarta dividendos extraordinários ao fim de 2022. A empresa segue na carteira de dividendos da corretora do Bradesco, que espera que as tendências de demanda na China melhorem neste segundo semestre e vê a atual precificação do papel como excessivamente pessimista, correspondendo a um minério eventualmente bem mais barato, de US$ 70 a tonelada. O Santander também recomenda a companhia.

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Motivo: o P/L atual, de 3,2, é baixo para as perspectivas do minério de ferro no longo prazo. É aí que a história da Vale se separa daquela da Petrobras. O mundo trabalha ativamente para encerrar a era do petróleo. O minério de ferro, porém, segue insubstituível. O crescimento da China pode, sim, arrefecer. Mas qualquer outro grande país que entre em rota de ascensão nas próximas décadas vai precisar de minério – e a Vale, dado seu histórico de solidez, provavelmente estará lá para fornecer a matéria-prima.

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(Caroline Aranha/Fotos: Getty Images e Unsplash/VOCÊ S/A)

O banco de D. João VI

O Banco do Brasil é um outro exemplo de estatal barata. Ao final de setembro, ele negociava a um P/L abaixo de seus pares (4,5), apesar de ter um dividend yield maior (12,40%). O preço defasado é fruto do receio dos investidores com empresas cujo maior acionista é o Estado, o que dá margem para manobras na governança. Tanto que as ações subiram 7,63% na segunda-feira pós-primeiro turno. A força da candidatura de Bolsonaro naquele momento serviu de combustível para quem aposta numa eventual privatização do banco (improvável, mas não impossível num cenário de manutenção de Paulo Guedes no Ministério da Economia). 

A Petrobras subiu forte no pós-primeiro turno pelo mesmo motivo. Mas a diferença entre ela e o BB é a seguinte: o setor bancário como um todo tem receitas mais previsíveis, que não dependem de variáveis como o preço internacional do barril. E, um dos fatores externos que mexe com as finanças dos bancos está favorável, que é a Selic em 13,75%. Juros mais altos fazem bancos lucrarem mais, pois o dinheiro que emprestam encarece. E mesmo com a inflação desacelerando, eles devem continuar em dois dígitos por um bom tempo.

A concorrência com as fintechs, vale lembrar, segurou o preço das ações dos grandes bancos nos últimos anos – e mais ainda do BB, um dinossauro fundado por Dom João VI em 1808. Mas o mercado parece já ter entendido que exagerou: BBAS3, a ação do banco, iniciou outubro como uma das cinco maiores altas do Ibovespa no ano: 53%.    

O banco está na carteira de dividendos da XP e do BTG. A XP destaca o porte do Banco do Brasil, presente em mais de 99% das cidades brasileiras, e sua liderança em financiamentos e empréstimos, especialmente no crédito rural, que tem uma menor taxa de inadimplência. A corretora calcula que o banco tem um desconto de 60% em relação a seus pares privados.

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(Caroline Aranha/Fotos: Getty Images e Unsplash/VOCÊ S/A)

Telefonia e elétricas

Quando se fala em dividendos, as companhias telefônicas são umas das mais recomendadas. Geralmente, elas têm uma receita previsível, assim como as elétricas, o que possibilita uma distribuição regular de dividendos.

No momento, porém, a situação está um pouco diferente. A recuperação judicial da Oi levou Tim e Telefônica Brasil (Vivo) a aumentarem o seu endividamento e os seus custos de operação, já que elas abocanharam dois terços da companhia carioca — a Claro (da mexicana América Móvil) ficou com o restante.

Outro infortúnio no curto prazo é o investimento em 5G, que demanda um alto gasto em infraestrutura e tecnologia.

No caso da Vivo, o endividamento aumentou 62,9% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, especialmente pela aquisição de licenças 5G em leilão da Anatel. A dívida líquida da companhia, ou seja, tudo que ela deve menos o dinheiro que ela tem em caixa, está em R$ 13,2 bilhões. Uma dívida maior pode significar dividendos menores.

Até o momento, a empresa anunciou o pagamento de proventos relativos a 2022 apenas em 2023. São R$ 0,69, o que representa um DY de 1,70% considerando o valor da ação ao final de setembro (R$ 40,49). Nos últimos 12 meses, o DY da companhia foi de 8,76% com um P/L de 12,43. 

Atualmente, a preferida dos analistas no setor é a Tim, mesmo com uma dívida líquida maior (R$ 15,9 bilhões), já que a empresa foi a que levou a maior parte da Oi. Isso porque as ações da Tim têm um P/L menor do que as da Vivo (10,9), mas o DY é menor também: 5,29% nos últimos 12 meses. 

De acordo com o Santander, a Tim tem um bom potencial de crescimento com a aquisição de sua fatia da Oi Móvel. O banco também destaca que a companhia oferece maior rentabilidade em relação aos pares.

Com relação às elétricas, entre as mais recomendadas estão a Alupar, de transmissão e geração, com um DY de 5,04% e um P/L de 7,35 e a CPFL, que atua em toda a cadeia, com DY de 14,63% e um P/L de 7,71.

Exportadoras

Exportadoras também tendem a pagar bons dividendos, especialmente em momentos de dólar alto. Nessa seara, Klabin (fabricante de papel) e Minerva (frigorífico de carne bovina) são as preferidas dos analistas, com DYs de 5,73% e 8,71%, respectivamente, nos últimos 12 meses.

A XP aponta que os papéis da Klabin negociam abaixo da sua média histórica de preço, sendo uma boa hora de entrada. A Minerva também está descontada. O Santander mostra que ela negocia com P/L 6% abaixo do histórico dos últimos 5 anos.

Outra boa pagadora de dividendos nessa área é a SLC Agrícola, que exporta algodão, soja e milho. Ela é uma das apostas da carteira de dividendos do BTG Pactual, que vê um cenário favorável para os preços dessas três commodities. Nos últimos 12 meses, o DY foi de 5,85%. 

Outro destaque no pagamento de dividendos são Gerdau e sua controladora, a Metalúrgica Gerdau, com DYs de 11,44% e 18,52%, respectivamente, nos últimos 12 meses. E o P/L está baixo: 2,55 e 2,15. A companhia conseguiu aumentar significativamente o lucro dado o salto no preço internacional do aço em 2021. Apesar de o pico ter ficado para trás, a cotação segue em patamares elevados.

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Grana gringa

Outra forma de condicionar os seus dividendos ao dólar é, claro, ter ações gringas, seja via uma corretora que opera na bolsa americana, seja via BDRs. Os custos empatam – ainda assim é mais recomendável ir direto à fonte, pois a liquidez das ações “de verdade” é maior que a dos recibos de ações, negociados por aqui (e, quanto maior a liquidez, mais fácil vender os papéis caso você precise se livrar delas).

Quem investe de olho em dividendos faz isso em nome da segurança. Prefere ver um papel render dinheiro de verdade a cada trimestre do que simplesmente torcer para que a cotação suba logo. E quem busca dividendos em dólares preocupa-se em dobro com a segurança – busca garantir uma renda em moeda forte. 

Um bom guia para começar é Dividend Aristocrats. Trata-se de um índice produzido pela S&P Global, a mesma consultoria por trás do índice S&P 500, feito sob medida para quem mira em dividendos com foco no longuíssimo prazo.  

Para fazer parte desse índice, a empresa deve ter pagado dividendos crescentes nos últimos 25 anos, ou seja, aumentando o valor dos proventos a cada 12 meses. Se falhar nessa tarefa por um único ano, abraço: só volta para o Aristocrats 25 anos depois, pelo menos.

Hoje, há 65 companhias americanas nesse clube. Um dos destaques é a AbbVie, dona do Botox e de medicamentos contra o HIV. Ela paga os tais dividendos crescentes há 50 anos. Não se trata de uma pechincha. Seu P/L está em 19. Mas o dividend yield é razoável: 4,12%. Razoável por ser em dólar. A renda fixa dos EUA (via títulos do Tesouro americano) paga isso hoje. Mas ela está num momento de alta, por conta da escalada nos juros de lá. Garantir 4% em dólar para os próximos 50 anos (caso a AbbVie mantenha seu histórico) é tudo, menos um mau negócio.

A lista também tem companhias mais conhecidas, e que têm tudo para seguirem fortes no próximo meio século: caso de Johnson & Johnson e Coca-Cola (que têm uma liquidez razoável entre as BDRs). Ambas têm um DY próximo de 3% – ou seja, vale esperar o preço cair mais um pouco (como tem acontecido com basicamente todas as ações americanas neste ano). Como ambas pagam dividendos crescentes há 60 anos, têm tudo para seguir nessa toada mesmo sob um valor de mercado severamente menor. Nisso, sua chance de entrar num momento em que o DY é maior cresce. E é isso. Acesso no QR-Code a lista completa, com as 65 aristocratas dos dividendos. 

Só não se esqueça: ações não são renda fixa. Luiz Barsi gosta de chamar a RF de “perda fixa”. Trata-se de um exagero. Papéis de empresas podem gerar rendas absurdas para quem sabe escolher e esperar. Mas são voláteis por natureza – vacile no jogo, e tudo o que você vai obter é “perda variável” mesmo. Bons negócios ;) 

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