Continua após publicidade

Como a guerra de Lula contra o BC promove o rentismo

Juros dos títulos de inflação renovam recordes nesta sexta, por cortesia do Presidente. PETR4 vive rebote de 4,30%. OIBR3 e HAPV3 derretem – de novo.

Por Alexandre Versignassi
3 mar 2023, 18h44

O BC não determina na canetada todos os juros da economia. A Selic está parada em 13,75% desde agosto do ano passado. Mas há outra taxa que não para de subir nos últimos meses: a dos juros futuros. E o responsável por isso tem sido o Presidente da República.  

Vamos falar deles mais adiante. Antes, vapt vupt, o que rolou com a bolsa. 

O índice fechou em alta de 0,52%, com um forcinha da Petrobras. Depois de tombar 2,61% ontem, por conta da eventual retenção de parte dos dividendos, PETR4 devolveu as perdas, com sobra, fechando 4,30% no verde. 

O exterior também ajudou. O clima em NY foi amigo do apetite ao risco. Alta de 1,61% no S&P 500. É o crescimento na aposta em que o Fed talvez pare de subir a “Selic” dos EUA no meio do ano – como aventou ontem Raphael Bostic, presidente do Fed de Atlanta (o equivalente a um cargo de “diretor” no organograma do banco central americano). De qualquer forma, não há como cravar nada (algo que o próprio Bostic deixou claro).     

PETR4: P/L de 1,8 

Aí entra um truque chamado lógica. A petroleira caiu 33% desde seu último pico, em outubro do ano passado, por conta do receio sobre o que o governo Lula faria com a estatal. Seu lucro, de qualquer forma, seguiu extraordinário. Ela fechou 2022 em R$ 188 bilhões, renovando o recorde anterior, de 2021, quando tinha registrado já opulentos R$ 106 bilhões. 

Com a ação em baixa e o lucro firme, a Petro é agora uma das empresas mais baratas da galáxia, com P/L de 1,8. Isso significa que seu valor de mercado (o preço somado de todas as ações) é de apenas 1,8 vezes o lucro nos últimos 12 meses. “Ah, mas ela lucrou muito porque o barril estava caro…”. Sim. A Exxon, petroleira americana cujo maior acionista é Warren Buffett, também ganhou os tubos. Mas custa hoje 8,4 vezes seu lucro anual. Ou seja: custa o quádruplo da Petrobras. 

Continua após a publicidade

É muito desconto. Mesmo se a petroleira enxugar seus dividendos, seguirá sendo uma boa pagadora. O payout para quem comprou PETR4 no início de 2022 foi de 54%. Para quem comprou Exxon, 5,6%. 

Ou seja: mesmo se descontarem uma tuba nos dividendos e o preço do petróleo se mantiver relativamente baixo, provavelmente a Petro seguirá pagando bem – mesmo com os quatro meses de imposto sobre a exportação de óleo cru. É isso que boa parte do mercado entendeu hoje, dada a alta.

Outra coisa que o mercado entendeu hoje (e ontem também, no caso) é que o barco da Oi talvez tenha batido num iceberg. 

OIBR3

A tele anunciou na quarta, após o fechamento de mercado, que ajuizou seu segundo pedido de recuperação judicial. A notícia já era esperada, mas a bolsa reagiu como se não fosse. Tombo de 21,67% ontem. E no fundo do poço tinha um alçapão: mais 16,35% nesta sexta. 

Hoje, a Oi anunciou que vai levantar um empréstimo de R$ 275 milhões para quitar suas dívidas de curto prazo. Mas os detentores de OIBR3 não ficaram contentes – até porque o valor some diante da dívida total da empresa, em R$ 29 bilhões, com 14 instituições financeiras. 

Continua após a publicidade

Desde 2021, as ações da empresa caem 94%. 

Outra que experimenta uma espaguetificação gravitacional é a Hapvida.

Sad vida

A operadora de planos de saúde segue me queda livre. Desde quarta-feira, já foram 40%, de R$ 4,49 para R$ 3,02 no dia 1, após o balanço decepcionante do 4T22; fechamento em R$ 2,92 ontem e hoje, com mais 8,22% de queda, em R$ 2,68.

Boa parte dos analistas disseram que a queda no primeiro dia tinha sido exagerada. O mercado, pelo jeito, ainda não concorda.  

A explosão dos juros futuros

De volta a eles. Então: o que mais tem subido no país são os juros futuros. Ele consistem, basicamente, nas apostas que o mercado faz sobre qual será o futuro da Selic nos próximos anos, e até na próxima década. 

Continua após a publicidade

E não se trata de algo abstrato. São eles que determinam a taxa que você vai pagar num financiamento imobiliário de 20 anos, por exemplo. E são eles que dizem qual é a taxa que a maior parte dos títulos públicos precisa pagar hoje para ter quem os compre. E quanto maior for esse juro, mais caro fica o financiamento da dívida pública.

Exemplo prático: um desses títulos, o IPCA+2035, estava pagando 6,27% em julho do ano passado. Em 1 de novembro, com as eleições definidas a favor de Lula, estava em 5,67%. Uma bem vinda queda. Que acabou. Hoje, esse juro está em 6,46%

Trata-se da maior taxa para ele desde abril de 2016, quando a economia passava pela maior recessão da nossa história e o caldeirão político fervilhava, com a tramitação do impeachment de Dilma Roussef. 

Outro desses títulos, o IPCA+2045, pagava também 6,27% em julho de 2022. Em novembro, tinha caído para 5,74%. E agora está em 6,57%. A maior de sua história – ele estreou em 2017.  

Qual a diferença entre novembro e agora? Sim, é aquela mesma: o fato de Lula estar fazendo com Roberto Campos Neto, o presidente do BC, algo análogo ao que Bolsonaro fez com Alexandre de Moraes: eleger o sujeito como inimigo do país, bradando que o eleito foi ele, o Presidente da República, não o outro. E que, por consequência, manda no que bem entender. Ao outro, restaria a obediência cega.

Continua após a publicidade

Ao bater nessa tecla incessantemente, Lula bombardeia a confiança no futuro do país. Passa o recado de que fará o possível para baixar os juros, mesmo que isso possa levar a uma espiral inflacionária lá na frente. 

E uma espiral inflacionária leva, inevitavelmente, a dois caminhos. Um é a destruição da moeda do país. Dolariza-se a economia, como aconteceu no Brasil dos anos 1980 e como acontece na Argentina hoje. O outro é que acontece nos países sérios: sobe-se os juros até que a inflação ceda. Caso seja uma completamente fora do controle, serão juros capazes de criar recessão por anos.  

O irônico é que a eleição de Lula tinha trazido esperança ao mercado, como se viu na queda dos juros futuros lá atrás. Ele mesmo, sozinho, tratou de trazer o medo. E, por hora, o medo vence a esperança. Enquanto isso, quem tem reservas para investir aproveita para contratar juros historicamente altos para o longo prazo. É assim que a guerra de Lula contra o BC promove o rentismo.

Bom fim de semana. 

Compartilhe essa matéria via:

 

 

Maiores altas

Continua após a publicidade

Minerva (BEEF3): 7,27%

Azul (AZUL4): 6,63%

Méliuz  (CASH3): 6,17%

3R Petroleum (RRRP3): 4,89%

Petrobras (PETR4): 4,30%

 

Maiores baixas

Hapvida (HAPV3): -8,22%

Via (VIIA3): -4,92%

Multiplan (MULT3):  -4,63%

Magalu (MGLU3): -4,13%

Qualicorp (QUAL3): -4,05%

 

Ibovespa: 0,52%, a 103.865 pontos; na semana, -1,83% 

 

Em NY:

S&P 500: 1,61%, a 4.045 pontos 

Nasdaq: 1,97%, a 11.689 pontos

Dow Jones: 1,17% , a 33.390 pontos

 

Dólar: -0,07%, a R$ 5,20; na semana, 0,03

 

Petróleo

Brent: 1,27%, a US$ 85,83 por barril; na semana, 3,63%

WTI: 1,94%, a US$ 79,68; na semana, 4,40%

 

Minério de ferro: 1,04%, a US$ 133,16 a tonelada na bolsa de Dalian

Publicidade