E agora, a volta da inflação nos EUA é ou não é um problema? Pela primeira vez o Fed indicou ao mercado financeiro que também tem as suas preocupações. Foi de um jeito bastante sutil, claro. Uma espécie de “tá bem, a gente conversa sobre isso na próxima reunião”.
O lance é que, até ontem, só investidores mostravam alguma preocupação mais concreta. Os juros dos títulos americanos subiam, enquanto as bolsas recuavam, o melhor jeito que o mercado financeiro dizer que está com medo. Agora que o Fed está mais atento ao problema, a coisa azedou. Tanto que nesta quarta o mercado americano ficou no vermelho pelo terceiro dia seguido.
O que mudou é que o Fed divulgou a ata da reunião de abril, quando decidiu mais uma vez manter o juro básico do país perto de zero. Além disso, os membros do BC americano votaram por manter a compra de títulos em US$ 120 bilhões por mês. Beleza.
Esse foi o combo de reação à crise causada pelo coronavírus, que o Fed adotou em março do ano passado. Um ano e um mês depois, alguns membros do órgão levantaram a mão para dizer uma coisa na linha “quem sabe o pessoal lá em Wall Street, a economia está indo melhor que o esperado e a gente deva repensar algumas dessas medidas”.
Aí eles combinaram de debater o tema mais a fundo na próxima reunião, marcada para junho.
E olha que eles falaram nisso antes da divulgação da inflação de abril. Ela foi de 0,80% em abril em ante março, a maior variação mensal em 12 anos. Até semana passada, o Fed defendia com unhas e dentes que a inflação alta é passageira, e que não tinha problema se a alta nos preços ultrapassasse a meta anual de 2%. Acontece que já ultrapassou bastante: nos últimos 12 meses a inflação foi de 4,2%.
Além disso, esses membros do Fed “que levantaram a mão” começaram a dizer que talvez ela não seja tão de curto prazo assim. Um dos problemas é que as pessoas estão com dinheiro para gastar, mas a produção nas fábricas não se recupera no mesmo ritmo.
Na reunião de junho, o índice de preços de maio também já terá sido divulgado.
Tem um outro detalhe: o que eles devem debater não é um aumento de juros. Eles concordam que a taxa precisa continuar perto de zero. A pauta deve se concentrar em uma eventual redução da compra bilionária de títulos, os US$ 120 bilhões mensais que fazem parte da “impressão de dinheiro” do Fed.
Wall Street reagiu. Com o Fed atento à inflação, os juros dos títulos de dívida de longo prazo da economia americana avançaram. Os contratos de 10 anos, conhecidos como T-note, avançaram de 1,63% para 1,67%. Já os de 30 anos (T-bond) subiram para 2,37%, ante os 2,36%. Os juros mais altos tendem a atrair dinheiro para esses títulos mais seguros, o que derruba as bolsas. O S&P 500 caiu 0,29%, aos 4.115 pontos; Nasdaq, -0,03% aos 13.299 pontos; e Dow Jones, -0,48% aos 33.897 pontos.
Outra consequência é o dólar subir ante moedas mais fracas, como o real. A moeda americana avançou 1,17%, cotada a R$ 5,31.
Commodities
O dia foi de tanta aversão a risco que as matérias-primas, em alta expressiva no ano, tiveram um tombo. O preço do minério de ferro, por exemplo, recuou 3,77%.
Isso deixou o setor de mineração e siderurgia sem saída aqui no Brasil. A CSN liderou as quedas (3,98%), mas quem pesou foi a Vale. A empresa é responsável por quase 13% da carteira do Ibovespa, então qualquer queda dela já faz um estrago no índice. E foi uma desvalorização de 2,05%.
Quem caiu também foi o petróleo. Culpa do aumento de casos de coronavírus na Ásia, que pode reduzir a demanda por combustível. Além disso, o mercado também está focado no eventual acordo nuclear entre o Irã e os Estados Unidos. A ideia é restringir o desenvolvimento de armas nucleares do país da Opep. Caso isso aconteça, cai a sanção de compra do petróleo iraniano por parte dos EUA, o que impulsionaria as ofertas de petróleo.
O tipo Brent (que é referência internacional) caiu 2,98%, enquanto o WTI (que é referência nos EUA) recuou 3,25%. A Petrobras acompanhou o movimento de baixa, ainda que mais modesta, e fechou o dia com perda de 0,76%.
Resultado: o Ibovespa não resistiu e cedeu 0,28%, aos 122.636 pontos.
Frigoríficos e Eletrobras
Mas o dia não pode ser ruim para todo mundo. É o caso dos frigoríficos. Depois de caírem no último pregão por causa da suspensão das exportações na Argentina, os papéis das companhias reagiram.
A BRF liderou entre os maiores ganhos do bloco (4,65%). A empresa anunciou que investirá R$ 319 milhões de reais em sua fábrica em Uberlândia, Minas Gerais. A unidade, que exporta 31 mil toneladas de alimentos por ano, terá sua capacidade expandida em 25%.
A Eletrobras também figurou entre as maiores altas: 4,17% (ELET3) e 3,62% (ELET6).
A votação da medida provisória que viabiliza a privatização da companhia iniciou logo após o fechamento do pregão. O plano original era começar mais cedo, mas partidos de oposição ao governo entraram com nova ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a votação. De qualquer forma, a expectativa do mercado era de que a privatização fosse decidida hoje, por isso as ações encerraram o dia em alta.
Ontem, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) divulgou um relatório com mudanças na MP que agradaram os investidores. Mas os governadores do Nordeste são contra. Eles apresentaram um documento afirmando que a privatização acarretará no aumento do preço da energia em pelo menos 8% para os pequenos consumidores e de até 15% para os grandes consumidores, como a indústria.
Quando a gente fala de privatização, leia-se a venda de novas ações da estatal de energia. A ideia do governo é reduzir a sua participação na Eletrobras. Esse processo é conhecido tecnicamente como capitalização. Somando as parcelas a cargo da União e do BNDES, o governo é dono de 58% da empresa. Agora, essa fatia deve ser reduzida a cerca de 45%.
Bitcoin
Para quem gosta de fortes emoções, teve ainda a saga do bitcoin. A criptomoeda entrou em seu quinto dia seguido de quedas (-7,93%) e arrastou o resto das outras criptos. Mas quem olha esse número, nem imagina que a moeda digital caiu mais de 31% de manhã – descendo para pouco mais de US$ 30 mil – e subiu 33% à tarde.
As oscilações estão relacionadas à decisão da China de proibir que instituições financeiras e empresas de pagamentos ofereçam serviços que envolvam transações em criptomoedas. Segundo o Banco do Povo da China (o BC chinês), moedas digitais não são consideradas moedas reais e por isso não podem ser usadas como forma de pagamento (com essa volatilidade, eles nem precisariam se preocupar com isso).
Mas a queda das criptomoedas começou na semana passada, depois que Elon Musk suspendeu a venda de carros da Tesla com pagamento em bitcoins e ainda sugeriu que a montadora poderia vender o US$ 1,5 bilhão investidos na cripto em fevereiro.
Por sinal, foi o bilionário quem deu um empurrão para o dia terminar menos pior. Ele tuitou (claro, onde mais) que a Tesla tem mãos de diamante (com emojis e tudo), um meme da internet para dizer que a empresa não venderá os criptoativos, ainda que eles sejam voláteis.
Ufa, foi um dia difícil para o mercado. Agora é esperar os investidores digerirem a promessa do Fed de discutir sobre a inflação e, quem sabe, tirarem Wall Street do jejum de altas.
Maiores altas
Cemig: 5,07%
BRF: 4,56%
Eletrobras (ELET3): 4,17%
Marfrig: 4%
Eletrobras (ELET6): 3,62%
Maiores baixas
Cyrela: -4,03%
CSN: -3,98%
Embraer: -3,23%
Hering: -3,01%
CVC: -2,70%
Ibovespa: 0,28%, aos 122.636 pontos
Em NY:
S&P 500: -0,29 %, aos 4.115 pontos
Nasdaq: -0,03%, aos 13.299 pontos
Dow Jones: -0,48%, aos 33.897 pontos
Dólar: alta de 1,17%, a R$ 5,31
Petróleo
Brent: baixa de 2,98%, a US$ 66,66
WTI: baixa de 3,25%, a US$ 63,36
Minério de ferro: baixa de 3,77%, US$ 237,57 no porto de Qingdao (China)