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7 dicas para você virar um mestre da autoavaliação

A jornada subconsciente adentro é pré-requisito de muitas empresas, e seus benefícios são embasados pela ciência. Mas existem parâmetros fundamentais a se considerar antes de uma exploração interior. Veja quais são — e entenda como perder o medo dessa ferramenta tão importante para a sua carreira.

Por Sofia Kercher
Atualizado em 9 abr 2024, 14h33 - Publicado em 9 abr 2024, 13h55

Na entrada do Oráculo de Delfos, o mais importante centro religioso da Grécia Antiga, havia a inscrição: nosce te ipsum. Conhece-te a ti mesmo.

O filósofo Sócrates deve ter dado uma passeada por lá e gostado da ideia. Tanto que, até hoje, atribuímos ao pensador — que nunca deixou nenhum registro escrito — a versão mais alongada da frase: Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

O Oráculo foi construído por volta de 1.200 a.C. Sócrates veio ao mundo em 470 a.C. Ou seja: há milênios, quando o mundo corporativo nem sequer sonhava em existir, os gregos já tinham mandado o papo. Atingir o conhecimento pleno sobre as coisas da vida (tanto na esfera pessoal quanto profissional) só é possível quando a gente sabe — e muito —- o que está acontecendo dentro de nós. 

E não à toa. Pesquisas demonstraram que, quando nos vemos de modo mais claro, somos mais confiantes e criativos, tomamos decisões melhores, construímos relacionamentos mais fortes, nos comunicamos de forma mais eficaz

Apesar de reconhecida como virtude, a autoconsciência não é tão comum quanto esperaríamos. A equipe da pesquisadora Tasha Eurich, psicóloga organizacional e autora do livro Insights, best-seller do NY Times, conduziu testes com mais de 5 mil participantes com o intuito de examinar o que realmente é a autoconsciência, por que precisamos dela e como podemos aumentá-la. 

O estudo concluiu que, embora a maioria das pessoas acredite ser autoconsciente, essa é uma qualidade rara: apenas 10% a 15% das pessoas estudadas atendiam aos critérios estabelecidos. Seguir os passos de Sócrates, então, é mais difícil do que parece.

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Apenas 10% a 15% das pessoas são, de fato, autoconscientes.

No ambiente corporativo, esse importantíssimo legado filosófico ganha forma na autoavaliação. Ela é oferecida pelas empresas junto com o feedback — também uma forma de avaliação, mas vinda de um terceiro, geralmente seu gestor. 

Caso sua empresa tenha te incumbido dessa complicada tarefa (ou você esteja pensando em fazê-la sozinho), não se preocupe: existem alguns pontos fundamentais que podem te ajudar a dominar a sutil arte da autoavaliação. Vamos a eles.

Qual a importância da autoavaliação para minha trajetória profissional?

“A autoavaliação é um convite para o profissional tomar o protagonismo da própria carreira”. 

A aspa é da psicóloga e mentora de desenvolvimento Priscila Preda. Segundo a especialista, um profissional não deve só esperar insumos externos, ou que a empresa direcione sua carreira. “Por meio desse processo, você assume a direção da sua vida profissional: onde está, como se vê e, acima de tudo, onde quer chegar.” 

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Apesar de ser verdade, é inegável que a autoavaliação nos coloca numa posição um pouco desconfortável (não à toa, menos de 20% das pessoas a dominaram na pesquisa de Tasha). 

Portanto, para quem está relutante em enfrentar as próprias idiossincrasias, é melhor deixar de lado a autoavaliação como um ato de “tomar as rédeas de carreira”. Melhor vê-la com um olhar mais prático.

Alexandre Ullmann, diretor de RH do LinkedIn, afirma que a autoavaliação é, sobretudo, uma ferramenta estratégica. “Além de melhorar o poder de argumentação, o colaborador melhora suas perspectivas dentro da empresa”, explica o especialista. 

“Faz parte de um ciclo de desenvolvimento contínuo. Quando você mostra ao seu gestor o quanto caminhou, é natural que isso beneficie sua carreira”. Racionalmente, então, fazer uma autoavaliação seria como fazer um MBA, ler um livro ou participar de uma palestra na sua área. Você não relutaria em ouvir um podcast sobre determinado assunto relevante à sua profissão — então não tem por que relutar em fazer sua autoavaliação.

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A autoavaliação é, sobretudo, uma ferramenta estratégica. (Felipe Mayerle/VOCÊ S/A)

Além disso, as vantagens da autoconsciência para o ambiente corporativo é um tema amplamente explorado pela ciência. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Nigéria em 2015 investigou a indústria bancária do país para tentar entender a relação entre autoconsciência dos colaboradores e sua performance. Eles descobriram que funcionários mais autoconscientes geram um maior lucro líquido e o retorno do investimento nas empresas.

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Outra pesquisa, dos anos 1990, publicada pelo Instituto Internacional de Psicologia Aplicada (IAAP), demonstrou, por meio do estudo de oficiais da Marinha dos Estados Unidos, que ela também está relacionada a funcionários mais eficazes que, naturalmente, recebem mais promoções

Entendida sua importância, existem alguns pontos que devem ser considerados antes, durante e depois de realizá-la. Sem mais delongas:

As sete dicas capitais

1. Pontos fortes importam tanto quanto pontos fracos

Também no Mundinho Carreiras, existe uma ferramenta chamada Plano de Desenvolvimento Individual (da qual você pode entender melhor aqui). Como o nome já diz, ela serve para que o colaborador construa um plano de ação para melhorar alguma habilidade que precise desenvolver.

No caso do PDI, é raro que listemos habilidades que já matamos no peito. Esse não é o caso na autoavaliação: aqui, listar os seus pontos fortes é tão importante quanto os pontos fracos.

Tente montar uma autoavaliação equilibrada: ninguém tem só qualidades ou só defeitos. Se algum dos dois extremos se apresentar, o ideal é você pular para a quinta dica do texto (spoiler: compare suas respostas com as de seu gestor, colegas de trabalho e pessoas próximas para entender onde está a discrepância).

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Além disso, conhecer suas qualidades e o que você pode agregar à equipe é crucial para suas perspectivas de carreira. “Você pode mostrar para o seu chefe o que agrega enquanto profissional”, diz Alexandre. “Isso melhora o seu poder de negociação e de argumentação.”

2. Pergunte o quê — não o porquê

Pode parecer contraintuitivo, mas perguntar o porquê não é o método mais eficaz na hora de fazer uma autoavaliação. Num estudo conduzido nos anos 1990, os psicólogos J. Gregory Hixon e William Swann fizeram um grupo de universitários preencher um teste sobre “sociabilidade, simpatia e interesse”. A sacada foi a seguinte: todos eles receberam de volta um feedback negativo.

Alguns alunos foram convidados a pensar sobre que tipo de pessoas eram — outros, a tentar responder o porquê de serem dessa forma. O estudo concluiu que, enquanto os alunos do “porquê” gastaram mais energia tentando racionalizar e negar aquilo que tinham aprendido, os alunos do “o quê” ficaram mais abertos às novas informações, e em como poderiam aprender com ela. Concluíram o seguinte: “pensar sobre por que alguém é do jeito que é pode não ser melhor do que nem sequer pensar em si mesmo”.

A ideia é ousada, mas faz sentido: em uma autoavaliação, entender o motivo por trás das características não é tão produtivo quanto explorá-las por si só. Se você concluiu que não é muito resiliente, ótimo — não precisa entender o porquê disso ser um traço seu (talvez seja melhor deixar isso para uma terapia). Entender que aquela questão existe e traçar um plano de ação para melhorá-la é chave para uma autoavaliação de ouro.

3. Desafiador — mas alcançável 

Digamos que você queira começar a correr (um objetivo perfeitamente alcançável). Não adianta querer fazer meia maratona (21 km) na primeira vez que pisar os pés num parque: você provavelmente sairá frustrado, hiperventilando e com grandes chances de desistir do esporte por completo.

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Com a autoavaliação não é diferente. Você precisa garantir que os objetivos traçados sejam desafiadores, mas atingíveis dentro da sua realidade. Por exemplo: você dificilmente vai se livrar de toda a sua timidez em um ano. Mas pode decidir que vai apresentar a reunião de resultados junto com o seu colega de equipe, pelo menos uma vez no mês, para ir perdendo o medo de falar em público. 

“Se for preciso, quebre sua meta maior em pequenas metas”, aconselha Priscila. Então, 21k talvez seja too much — mas 5k? Vai fundo! (E lembre-se: traçar objetivos inalcançáveis também é uma forma de autossabotagem.)

4. Lembre-se do gato de Alice no País das Maravilhas

Frustrada pelas aventuras do País das Maravilhas e com cada vez mais saudades de casa, a personagem de Lewis Caroll senta-se em um tronco e começa a se lamentar. Eis que lhe aparece o Gato de Cheshire. O encontro começa da seguinte maneira:

“Você poderia me dizer, por favor, que caminho devo seguir?”.

“Isso depende muito de onde você quer chegar”, disse o Gato.

“Não me importa muito onde…” disse Alice.

“Então não importa qual caminho pegará”, responde.

O trecho da obra infantil, escrito no longínquo 1865, também nos oferece uma reflexão importantíssima sobre autoavaliação: para quem não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve.

Justamente por isso, não adianta sentar para fazer uma autoavaliação sem entender o que, a partir dali, você fará com isso. Seus objetivos podem ser profissionais ou pessoais: está querendo uma promoção? Melhorar seu relacionamento com seus colegas de trabalho? Sentir-se melhor consigo mesmo? Torne a linha de chegada muito clara para não acabar se perdendo no meio do caminho (igual a Alice).

5. Compare suas respostas com as do seu gestor

No próprio LinkedIn, Alexandre Ullmann explica que a autoavaliação é feita com as mesmas perguntas que o feedback, e entregue nas mãos do gestor antes do papo acontecer. Para o profissional, o ideal é que você tenha essa base comparativa, especialmente para corrigir casos muito discrepantes — quando você acaba sendo crítico demais ou, bom… de menos.

Se o modelo de feedback da sua empresa não estiver disponível, não tem problema. O importante aqui é ter acesso a diferentes pontos de vista. Você provavelmente vai ter essa visão dentro da sua reunião de feedback e, se tiver algum ponto que te encucou, pode perguntar para outros colegas de trabalho, amigos, familiares… A pluralidade de opiniões fará com que sua autoavaliação seja muito mais enriquecedora (sem se sobrepor às suas próprias conclusões, claro).

6. Celebre todas as conquistas (não importa o tamanho)

Seja uma taça de vinho, um post nas redes sociais, ou uma mensagem para alguém que torce por você — quando atingir algum objetivo mensurado na sua autoavaliação, Priscila Preda argumenta que comemoração nunca pode faltar.

“O ser humano vive e prospera com rituais”, afirma a especialista. Portanto, dar a devida importância aos marcos atingidos também vai te dar um gás extra na sua jornada de autoconhecimento. Para categorizar seu avanço, também vale a documentação das suas realizações — seja num caderno, numa planilha ou em qualquer outra plataforma em que você se sinta confortável. O importante é não passar em branco!

7. Revisite seus objetivos uma vez no ano, ao menos

Nada de deixar sua autoavaliação largada às traças, ok? 

Caso ela esteja interligada ao feedback de sua empresa, Alexandre aconselha que você siga o cronograma interno. Existem empresas que oferecem isso uma vez ao ano, de seis em seis meses, ou até mensalmente — toque seu barco a partir da estrutura que já existe no seu ambiente de trabalho.

Para Priscila, contudo, caso você tenha estabelecido algumas metas que busca atingir, é interessante que o profissional retorne para dar uma olhada em sua autoavaliação ao menos uma vez no mês. Vai de cada um — o importante é não deixar seus objetivos juntarem poeira.

Parâmetros-guia

Tipos de autoconsciência

Dito tudo isso, está na hora de algumas dicas práticas para te ajudar na missão da autoavaliação. 

Antes de fazê-la, um ponto de partida interessante é entender qual seu nível de autoconsciência. A pesquisadora Tasha Eurich a divide em dois tipos: 

A autoconsciência interna representa a clareza com que vemos nossos valores, paixões, aspirações, reações, adequação ao ambiente e impacto nas outras pessoas. Segundo a pesquisa de Tasha, essa autoconsciência está relacionada a uma maior satisfação nas relações e no trabalho; em compensação, em excesso, ela também gera ansiedade, estresse e depressão.

A autoconsciência externa, por sua vez, significa compreender como as outras pessoas nos veem (nesses mesmos fatores que citamos ali em cima). A pesquisa concluiu que essa autoconsciência traz uma habilidade maior de demonstrar empatia. O problema é que, quando ela não vem bem acompanhada de uma autoconsciência interna, o profissional pode acabar tomando decisões e seguindo caminhos em sua carreira baseados nas opiniões de terceiros — e não em seus valores de fato. 

A partir dessa ideia, a pesquisadora divide os profissionais em quatro arquétipos:

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Fonte: Harvard Business Review ()

Entender em qual caixinha você está pode ser interessante para te dar um olhar mais crítico acerca da sua autoavaliação. Digamos, por exemplo, que você tenha se identificado mais com os agradadores (Tasha disponibiliza um teste gratuito para você encontrar o seu perfil. Só clicar aqui). Nesse caso, talvez seja interessante pular a quinta dica — ao menos inicialmente — e tentar focar em quais são as suas opiniões acerca de si e o que quer fazer com sua carreira. 

Em contrapartida, caso tenha se identificado mais como introspector, a opinião de seu gestor, colegas de trabalho e pessoas próximas será mais enriquecedora, e por aí vai. Definido isso, fica mais fácil entender qual abordagem de autoavaliação será mais produtiva para você. 

Matriz FOFA

Na hora da autoavaliação em si, existe uma ferramenta que pode te ajudar a estruturá-la: é a Matriz SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats). O acrônimo traduz para Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças — ou FOFA 😉

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(Arte/Você S/A)

Essa é uma metodologia de planejamento estratégico amplamente utilizada por empresas. A ideia é mapear esses quatro pontos do negócio, definindo quais as melhores decisões a serem tomadas. Na tentativa de trazer uma visão mais estratégica à área de RH, a Sociedade de Recursos Humanos americana (SHRM) incentiva o uso da matriz FOFA para a avaliação de profissionais. 

Você pode usar esse modelo como um esqueleto para a construção de sua autoavaliação. Dessa forma, poderia preenchê-la da seguinte forma, por exemplo:

Forças: boa oratória; alta criatividade; bom em resolução de problemas imediatos.

Fraquezas: gestão de tempo; cumprimento de prazos; participação nas reuniões.

Ameaças: retorno total ao presencial a partir do segundo semestre do ano.

Oportunidades: rodada de promoções no final do ano.

Não estou conseguindo bater minhas metas. E agora?

Caso esteja com dificuldades de evoluir dentro daquilo que estabeleceu, não se preocupe. Para a consultora e coach executiva Camila Valente, os problemas podem ser relacionais ou funcionais.

No caso de problemas funcionais (como comunicação, gestão de tempo, reuniões mais curtas etc.) ela afirma que o profissional pode buscar uma mentoria, curso, até alternativas oferecidas dentro da sua própria empresa.

No caso dos problemas relacionais (mais voltados ao comportamento), a especialista recomenda que o profissional cogite uma mentoria individual, life coach e, se for o caso, uma terapeuta.

Sim, a jornada para o autoconhecimento não é fácil. Não era em 470 a.C, não será em 2050. Mas, apesar de ser uma atividade individual, o caminho não precisa ser solitário: busque amparo do seu gestor, colegas de trabalho, amigos e familiares, até em profissionais — como psicanalistas e especialistas da área — quando estiver precisando de uma ajudinha para se conhecer melhor. Sua mente e sua carreira agradecem.

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