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11ª queda do Ibovespa: o que está acontecendo? Entenda de uma vez.

Contra todas as expectativas, Ibovespa iguala recorde negativo de 1984 e fecha 11 pregões seguidos no negativo. Saiba as razões.

Por Camila Barros, Alexandre Versignassi
Atualizado em 15 ago 2023, 21h16 - Publicado em 15 ago 2023, 18h31

Primeiro: não é só aqui. Dos últimos 11 pregões, o Ibovespa fechou 11 no negativo, você sabe. E o tombo acumulado até agora, contando os -0,55% desta sexta, é de 4,77%. Mas o S&P 500 não foi tão melhor. Dos últimos 11 pregões, 9 fecharam no vermelho, com uma queda acumulada de 3,29%. Vale lembrar que o S&P 500 não serve de termômetro só para os EUA, mas para o mundo.

E o que rola neste mês de agosto é uma tempestade perfeita – com mais de um fator negativo para a renda variável se combinando. 

Fator 1: os números ruins da China, com a indústria e o consumo no país em franca desaceleração, trouxeram de volta um fantasma que parecia adormecido: o de uma recessão global. A China, afinal, é “só” um dragão com apetite insaciável por commodities. Eles são o maior parceiro comercial de praticamente todos os outros países (os EUA viraram uma exceção depois que o México suplantou a China no posto de maior parceiro comercial – mas isso não muda grande coisa). E têm uma classe média, consumidora, formada por 400 milhões indivíduos – mais do que toda a população dos EUA (de 331 milhões). Mais abaixo, veja os dados mais recentes da freada chinesa.    

Problemas na China batem aqui com mais força, já que somos o segundo maior país exportador de minério de ferro (atrás da Austrália), e a China é o maior importador. A Vale é a maior empresa do Ibovespa (responde por 12% da carteira) – e caiu 11% só em agosto.  

Fosse apenas isso, já estaria ruim. Mas piora, porque há o fator 2. O Fed deixou claro que vai manter os juros em alta nos EUA por um bom tempo ainda. E o horizonte para o eventual início do ciclo de baixa parece cada vez mais distante (veja mais detalhes adiante). 

Os 5,25% da “Selic” americana representam a maior taxa em 22 anos. Ao mesmo tempo, a dívida dos EUA sai pelo ladrão. Está em 123% do PIB – patamar equivalente ao do final da Segunda Guerra (a do Brasil, para comparar, terminou 2022 em 73% do PIB). O governo americano, então, precisa de cada vez mais dinheiro para rolá-la. Para tanto, eles emitem toneladas de novos títulos. Com um detalhe: fazem isso numa época de juros nas alturas. 

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Aí não tem renda variável que segure. O grosso da grana flui para o porto seguro dos títulos públicos em dólar. Some isso ao medo de recessão, e mais gente ainda foge das bolsas rumo a opções menos arriscadas. A começar pelos títulos americanos. Tempestade perfeita.

Este é o panorama do mercado nas últimas semanas. Agora, vamos aos fatos que fizeram esta terça. 

Petro sobe preços

Pela manhã, a Petrobras anunciou que vai aumentar o preço dos combustíveis vendidos às refinarias: a partir de amanhã, a gasolina sobe R$ 0,41, para R$ 2,93. O diesel tem alta de R$ 0,78, a R$ 3,80.

Trata-se de um aumento já aguardado pelo mercado: lá fora, o Petróleo passou por um rali de alta, que elevou a cotação do brent em 13% em julho. Por aqui, a Petrobras ainda não havia feito reajustes para cima este ano – por conta disso, os preços domésticos dos derivados aumentaram seu descolamento do mercado internacional.

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No início desta semana, o valor do diesel negociado no Brasil era 28% menor do que a média praticada no exterior, segundo a Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis). Para a gasolina, a defasagem era de 26%. Com o reajuste, a disparidade diminui. 

Desde que abriu mão de sua política de paridade de preços de importação (PPI), em maio, a estatal não tem mais o compromisso de definir seus preços de acordo com as variações internacionais. Agora, a petroleira tem apostado em tornar seus valores mais competitivos. 

Mas “competitivo” é um termo vago – e o mercado começava a se incomodar com a imprevisibilidade da coisa. A notícia de reajuste animou: as ações PETR4 começaram o dia disparando 5%. Mas a alta perdeu força ao longo do dia. Encerrou em 0,72%. 

Pela interferência de um fator político: no fim da tarde, o Estadão revelou que Haddad negocia com Jean Paul Prates, o presidente da Petrobras, um acordo para a petroleira pagar pelo menos R$ 30 bi para encerrar processos com a Receita Federal. O trato seguiria as novas regras do projeto do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), um tribunal administrativo que permite recorrer a decisões da Receita. Para entrar em vigor, o projeto do Carf ainda precisa da aprovação do Senado. 

Esta é uma maneira que Haddad encontrou para recuperar a receita do governo, que estima déficit de 1,4% do PIB para este ano. Mas o acordo com Prates cheirou a risco de interferência política na companhia – e deixou os investidores com o pé atrás.

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Impacto na inflação

O aumento nos combustíveis elevou bem as previsões para o IPCA, diga-se. Para o Itaú, o reajuste dos combustíveis deve impactar em 0,25 pp a inflação dos próximos dois meses. Para o fim do ano, o banco elevou a projeção do IPCA de 4,9% para 5,1%. Já a XP diz que a medida deve representar alta de 0,11pp em agosto e 0,35pp em setembro. 

Campos Neto, o presidente do BC, disse que os aumentos devem elevar o IPCA de 2023 como um todo em 0,40pp. 

Distribuidoras comemoram

As ações das distribuidoras de combustíveis também subiram após a notícia da Petrobras. Parece um desafio à lógica: por que essas empresas sobem se a “matéria prima” delas ficou mais cara?

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Porque isso valoriza os estoques delas. As pequenas distribuidoras, que fazem pouco estoque, terão de comprar mais caro da Petrobras já, e aumentar seus preços. As grandes, com estoques relevantes, ganham poder de fogo: podem cobrar mais, aumentando suas margens, usando combustível do estoque, adquirido a preços menores. 

O inverso também acontece, claro: quando a Petro reduz os preços nas refinarias, leva vantagem quem não fez o estoque. Aí a competição com as pequenas distribuidoras fere as margens das grandes.

Por conta disso, Ultrapar e Raízen começaram o dia entre as maiores altas. Mas fecharam com números modestos: UGPA3 com 0,81% e RAIZ4 em 0,27%.

Já a Vibra (VBBR3), que teve seu balanço do segundo tri divulgado hoje, disparou 7,7%. É que, além do cenário positivo para a valorização do estoque, a companhia teve o melhor resultado do setor – mesmo com queda de 81,2% no lucro, para R$ 133 milhões. 

EUA e China

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Lá fora, o clima foi de mosca na sopa. 

Na China, o Departamento Nacional de Estatísticas divulgou os dados de indústria e varejo para julho. E o resultado decepcionou: o crescimento da produção industrial ficou em 3,7% em 12 meses – uma desaceleração em relação aos 4,4% registrados em junho, e abaixo das expectativas do mercado. Já as vendas do varejo cravaram 2,5% nos 12 meses até julho, contra 3,1% em junho. As expectativas, consultadas pela Reuters, eram de alta de 4,5%.

O governo também anunciou que vai parar de divulgar informações de desemprego entre jovens no país. Em junho, a taxa entre jovens de 16 a 24 anos em áreas urbanas atingiu o recorde histórico de 21,3%. Para o mês de julho, esperava-se mais uma alta. 

São sinais de que a economia da potência asiática não tem conseguido se reerguer desde o fim de sua dura política de Covid zero. Durante a madrugada, o Banco Central chinês decidiu promover um corte nos juros – o segundo movimento deste tipo em três meses. A MLF (Linha de Empréstimos de Médio Prazo, uma taxa paga por bancos), caiu de 2,65% para 2,50%. 

Trata-se, claro, de uma tentativa de combater a desaceleração estimulando o consumo local. Em meio aos dados macroeconômicos ruins e sinais fortes de aprofundamento da crise no mercado imobiliário, as bolsas de lá nem comemoram o corte. Ao longo do dia, os mercados ao redor do mundo também sentiram o baque do pessimismo chinês. 

A terra de Joe Biden também não ajudou. Por lá, o dado de vendas no varejo de julho veio em alta de 0,7% – acima da previsão de analistas, que projetavam crescimento de 0,4%. Neste caso, o problema foi o oposto da questão chinesa: dados fortes demais indicam uma economia ainda resiliente dos EUA, o que pode postergar o início do ciclo de afrouxamento monetário. 

Durante a tarde, Neel Kashkari, presidente do Fed em Minneapolis, disse não ter certeza se o comitê já terminou seu ciclo de alta nos juros, e que está “longe de começar a cortar as taxas de juros”. 

Nesse clima, o S&P 500 fechou em cabisbaixos -1,16%.

Risco de rebaixamento 

Nos EUA, quem liderou as baixas do dia foi o setor bancário. A empresa de classificação de risco Fitch alertou que dezenas de bancos americanos podem sofrer rebaixamento de nota de crédito – entre eles, o J. P. Morgan Chase. 

Em junho, a empresa já havia reduzido sua avaliação sobre a saúde do setor. Na época, a nota caiu de “AA” para “AA-”. Mas o movimento não fez muito barulho, já que não alterou as notas das instituições individualmente.

Mas agora a Fitch considera rebaixar a nota do setor em mais um degrau, para “A+”. Segundo o analista Chris Wolfe, isso forçaria a instituição a reavaliar os mais de 70 bancos americanos individualmente. 

Na semana passada, a Moody´s (outra firma de classificação) rebaixou as notas de 10 instituições americanas, e alertou que outras 17 revisões podem estar por vir.

Ou seja: o mercado, neste momento, só parece bom mesmo para o short selling. Aos demais, só resta seguir a recomendação de Chico Buarque: ir levando.

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MAIORES ALTAS

Vibra (VBBR3): 7,77%

BRF (BRFS3): 6,90%

Natura (NTCO3): 5,48%

Yduqs (YDUQ3): 4,29%

Arezzo (ARZZ3): 3,79%

MAIORES BAIXAS

Gol (GOLL4): -12,50%

Azul (AZUL4):-6,60%

Petz (PETZ3): -4,13%

Méliuz (CASH3): -4,00%

Eletrobras (ELET6): -3,61% 

Ibovespa:  -0,55%, aos 116.171 pontos

Em Nova York

S&P 500: -1,16%, a 4.437 pontos

Nasdaq: -1,14%, a 13.631 pontos

Dow Jones: -1,02%, a 34.946 pontos

Dólar:  0,43%, a R$ 4,98

Petróleo

Brent: -1,51%, a US$ 84,89

WTI: -1,84%, a US$ 80,99

Minério de ferro: 1,58%, a US$ 101,72 em Dalian (China). 

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