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Professor de Stanford alerta para os efeitos colaterais do trabalho

Em seu livro Morrendo por um Salário, Pfeffer mostra como os profissionais adoecem por causa dos ambientes tóxicos e do descaso das empresas com o bem-estar

Por Bárbara Nór, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 14h08 - Publicado em 28 out 2019, 15h00

Em Morrendo por um Salário, lançado neste ano no Brasil, Jeffrey Pfeffer, professor na Universidade de Stanford, aponta o trabalho como principal fator para diversas doenças — e até para a morte.

Segundo seu levantamento, pelo menos 120 000 pessoas falecem por ano nos Estados Unidos em consequência de problemas gerados pelo trabalho.

Com salários baixos, benefícios reduzidos e altas cargas horárias, a situação estaria ficando cada vez pior. E, ao contrário do que se possa imaginar, fazer os profissionais se matarem para cumprir suas tarefas não traz vantagens para as companhias.

De acordo com Jeffrey, as empresas perdem 300 bilhões de dólares por ano em decorrência de problemas de saúde de seus empregados. Apesar disso, a gravidade da situação ainda não está no radar das companhias.

“As pessoas não estão prestando atenção nos custos reais”, diz o especialista, que esteve no Brasil e conversou com VOCÊ S/A.

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O que o motivou a pesquisar os temas que aborda em seu livro Morrendo por um Salário?

Participei durante muitos anos de vários comitês na Universidade de Stanford cuja preocupação era o custo dos planos de saúde. E me ocorreu que, se quiséssemos diminuir nossos gastos, precisaríamos primeiro corrigir o ambiente de trabalho.

Se você não construir um local saudável, as pessoas vão gastar uma fortuna com planos de saúde. Então resolvi ver se esse não seria realmente o problema. E era.

De lá para cá, venho tentando encorajar as empresas a construir espaços de trabalho mais saudáveis, que, no fim, também são mais produtivos.

Seu livro foi escrito analisando o cenário americano. Como avalia essa questão em outros locais?

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O que eu discuto no livro acontece em quase todos os países do mundo. De modo geral não há muita preocupação em relação ao bem-estar das pessoas, seja físico, seja psicológico.

Não há preocupação, não há indicadores, não há gestão nem ênfase alguma nisso. As empresas não estão prestando atenção nisso.

Em quais países encontramos os melhores exemplos?

O norte da Europa é um bom exemplo: países como Dinamarca, Noruega e Suécia. E também França e Alemanha. São locais que estão de fato preocupados com a longevidade de seus cidadãos.

Nos Estados Unidos, o tempo médio de vida da população vem diminuindo, enquanto em outros países as pessoas estão vivendo mais.

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Nos Estados Unidos, muita gente se preocupa em ser “pró-vida” [movimento contrário a métodos de controle de natalidade e ao aborto], mas ninguém se importa com a vida das pessoas depois que elas nascem.

O que as pessoas podem fazer diante disso? No Brasil, por exemplo, com o fantasma do desemprego, há uma percepção de que aguentar um trabalho ruim é melhor do que não ter emprego nenhum.

Eu pensaria em mudar de país. Nós vivemos em um mundo global, muitos migram para diferentes lugares e para outros empregos em que haja possibilidade de prosperar.

Acho que as pessoas devem estar abertas a mudar o que precisa ser mudado para poder cuidar de si mesmas. Elas têm de cuidar de suas competências, estar dispostas a se transformar para ter uma vida melhor e a votar em candidatos que vão ajudar a modificar esse cenário.

Os funcionários deveriam se unir e levar essa questão para seus líderes?

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Eles até podem se unir, mas o que precisamos fazer é explicar às empresas e ao governo que isso está custando uma fortuna.

De acordo com o Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos, 90% do custo dos planos de saúde está relacionado a doenças crônicas, como estresse e depressão.

Essa é uma questão tão séria que a própria Organização Mundial da Saúde declarou que há uma crise.

Qual é sua opinião sobre a economia “dos bicos”, com pessoas trabalhando cada vez mais por meio de aplicativos para ter renda?

Não acho que funcione, não sei dizer se a maioria realmente consegue viver disso, porque você simplesmente não ganha muito dinheiro. A própria Uber está perdendo dinheiro.

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Cedo ou tarde, os governos precisarão parar de subsidiar empresas que estejam provocando um custo tão grande na saúde das pessoas.

Técnicas para lidar com o estresse, como meditação e exercícios de respiração, realmente ajudam?

A melhor maneira de lidar com o estresse é prevenindo, e não tratando. O que acontece é: eu estresso você e, então, crio uma salinha de soneca ou algum tipo de exercício de relaxamento.

A melhor coisa seria proporcionar um ambiente saudável. Prevenir é muito melhor do que remediar. Impedir o funcionário de se estressar e de se deprimir é muito melhor do que dizer: “Ok, sei que você está deprimido, mas precisamos descobrir como você pode render e produzir mesmo assim”.

Alguma coisa tem de ser feita, porque a depressão, a ansiedade e as taxas de suicídio estão crescendo. Cedo ou tarde, isso só vai tornar a situação impossível para os países.

O que as empresas podem fazer?

Primeiro, deveriam medir a saúde e o bem-estar das pessoas. Perguntar se elas estão prosperando naquele ambiente, como estão em casa, se têm tempo de cuidar de si mesmas, de suas famílias e obrigações pessoais, se estão se sentindo energizadas para ir trabalhar.

Um amigo meu, que lidera uma empresa, diz que, todos os dias, quando chegam para trabalhar, os funcionários confiam seu bem-estar físico e mental à sua empregadora.

A questão para as organizações é: você vai assumir essa responsabilidade e dizer que, como empresa, precisa se preocupar com o bem-estar das pessoas ou vai dizer que não se importa com isso? Algumas empresas se importam.

Mas por que as organizações continuam falhando no cuidado com os funcionários?

As empresas não se sentem responsáveis. Elas dizem que as pessoas precisam cuidar de si mesmas ou que as metas são mais importantes. Mas isso não faz sentido.

As coisas terão de mudar porque são insustentáveis, o custo que isso gera é insustentável. Ao longo dos anos, as companhias foram se livrando do senso de responsabilidade.

Elas dizem que são apenas uma plataforma, que não são responsáveis pela qualidade da jornada nem pelo bem-estar dos empregados. Isso tem a ver com uma desregulamentação por parte do governo e, por parte das empresas, com uma prevalência da ideia de que podem se safar.

Alguns especialistas apontam a globalização e o aumento da competitividade como fatores para explicar a pressão maior no trabalho.

Não acho que tenha a ver com globalização. Encontramos boas empresas e más empresas em todos os países. Trata-se mais de aceitar ou não a responsabilidade de cuidar das pessoas.

Um amigo meu, que dá aulas de negócios numa escola em Barcelona, diz que nós nos importamos mais com os ursos polares do que com os seres humanos.

Ou seja, nós assumimos a responsabilidade pelo meio ambiente, reciclamos, gerenciamos carbono, toda essa história, mas de alguma forma decidimos não assumir a responsabilidade pelos humanos.

Quer dizer, acho que o Brasil anda tendo problemas com as florestas também, queimando tudo.

O senhor pretende continuar pesquisando o tema?

Sim. Uma das coisas nas quais estou trabalhando é ver o que acontece quando alguém toma antidepressivos.

E estamos descobrindo que, nesses casos, há mais propensão a precisar de medicamentos para doenças do coração, câncer e diabetes. Isso significa que depressão é uma doença real que causa outras doenças, que são, por si sós, muito caras.

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