Funcionários da Embraer boicotaram greve pelo Facebook
Como os funcionários da Embraer usaram a rede social para derrubar em quatro dias uma paralisação proposta pelo sindicato que os representa
No início de novembro, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, no interior de São Paulo, anunciou uma greve geral por tempo indeterminado na principal unidade da Embraer, em São José dos Campos. A notícia surpreendeu.
Desde que foi privatizada, há 20 anos, a fabricante de aviões nunca viu uma paralisação total de suas atividades. O motivo: uma desavença na negociação dos reajustes salariais.
O sindicato, que, além dos funcionários da Embraer, representa empregados de outras dez empresas do setor aeroespacial na região, pedia 10% de aumento, enquanto a Embraer oferecia 7,4%. Não houve acordo, marcou-se a greve.
E, então, ocorreu o inusitado: descobriu-se que a maioria dos trabalhadores era contra a paralisação. No dia seguinte ao anúncio da greve, foi criada no Facebook uma página com o título “Sou Embraer e não estou em greve”. Nas primeiras 6 horas, 2 000 funcionários entraram no grupo, que chegou a 4 000 membros em dois dias.
Na página, há postagens reclamando que o sindicato não ouviu o pessoal administrativo na votação da greve. O sindicato diz que ouviu o pessoal da fábrica e convidou o restante, que não se envolveu. “Os administrativos e os engenheiros não têm o costume de participar”, diz Herbert da Silva, vice-presidente do sindicato e mecânico ajustador da Embraer, onde trabalha há oito anos.
Só que os administrativos, engenheiros e técnicos são a maioria dos funcionários – cerca de 5 900 pessoas. Os funcionários operacionais são 3 500, conforme números da Embraer.
No segundo dia, um grupo tentou entrar para trabalhar, mas foi impedido pelo sindicato. A coisa esquentou no Facebook. O WhatsApp também foi acionado. Os empregados se mobilizaram nas redes sociais e combinaram de comparecer à empresa usando uma camiseta azul com o logo da Embraer.
A primavera aeroviária deu resultado. Quatro dias após seu início, a greve acabou. Na última assembleia, os funcionários compareceram e a maioria votou pelo fim da greve.
Segundo o sindicato, a paralisação foi derrubada por 60% dos votos, mas as imagens da assembleia sugerem uma margem bem maior. A greve foi suspensa sem que os 10% de aumento fossem concedidos. O sindicato entrou com uma ação de dissídio coletivo na Justiça do Trabalho, que ainda não foi julgada.
Quem foi contra o movimento grevista atribui a decisão ao alto nível de competitividade no mercado em que a Embraer atua. “Se não produzimos, a empresa não honra seus compromissos e os clientes vão buscar a concorrência”, afirma o engenheiro de vendas Alvadi Serpa-Junior, que participou do grupo no Facebook e se manifestou contra a greve.
Para o sindicato, os empregados que vestiram a camisa da empresa (literalmente) foram coagidos a votar contra a greve. “Foi assédio moral coletivo”, diz Herbert da Silva.
Em nota enviada à reportagem, a Embraer contesta a versão. “O movimento nas mídias sociais foi espontâneo, uma reação democrática”, diz o texto. Funcionários ouvidos por VOCÊ S/A também negam a pressão. “As pessoas que entraram no grupo não têm cargo de liderança”, diz Marcelo Zanrosso, administrador de programas da Embraer.
Para a socióloga Noêmia Lazzareschi, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o episódio na Embraer reflete a falta de representatividade do sindicalismo brasileiro. “No Brasil, muitos sindicatos são vistos como trampolins para líderes que almejam uma carreira política”, diz Noêmia.
Na era das redes sociais, que criaram a possibilidade de os cidadãos se mobilizarem de forma ágil para defender seus interesses, a insatisfação com essas entidades tende a ficar mais evidente. “As velhas formas de sindicalismo estão ficando para trás diante de modelos em que não há um único líder, mas uma liderança exercida em rede”, afirma Gil Giardelli, especialista em cultura digital e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Em todo o mundo, há uma queda de participação nos sindicatos.
Nos Estados Unidos, em 2013, o percentual de trabalhadores sindicalizados era de 11,3%, ante 20,1% em 1983. Até na Suécia, um dos países mais sindicalizados do planeta, a proporção de inscritos caiu de 80%, em 1999, para 67%, em 2013, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Sinal de que essas entidades precisarão rever sua forma de atuação para representar profissionais mais críticos e conectados.