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Por que o investimento em COEs é uma ilusão

Eles prometem ser um investimento tipo “renda fixa”, mas com os ganhos da renda variável. A verdade é que são apostas, e podem custar caro quando você perde. Entenda aqui.

Por Tássia Kastner | Design: Brenna Oriá | Foto: Studio Oz
9 dez 2022, 05h18
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 (Studio Oz/VOCÊ S/A)
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Quando a bola começou a rolar na Copa do Mundo, a XP colocou na sua prateleira de investimentos o “COE Torcida”. Com R$ 3.000, o investidor poderia apostar na alta de cinco ações de empresas patrocinadoras do evento: Adidas, Coca-Cola, Visa, AB-Inbev e McDonald’s. A Copa do Catar terminaria dia 18 de dezembro. Já o COE prossegue até novembro de 2026 – quando o próximo torneio, que será disputado numa parceria dos Estados Unidos, Canadá e México, terá terminado.

A regra desse COE em específico é a seguinte: a cada seis meses, a XP vai olhar o desempenho das cinco ações da Copa. Se as cinco tiverem subido entre o fim de novembro e a data da “checagem”, o investidor ganha o dinheiro e o investimento é encerrado. Se um dos cinco papéis estiver em baixa, a bola segue rolando e o procedimento é repetido seis meses depois. Se lá em novembro de 2026 uma das ações não tiver acumulado alta, na comparação com novembro de 2022, o investidor recebe só os R$ 3.000 que colocou no começo. 

O pior cenário significa que o investidor sairá com um prejuízo potencial de pelo menos 30%. Como assim, mas o dinheiro não voltou para a conta? A inflação média do país desde a criação do Plano Real é de 7% ao ano. Nesses quatro anos em que o dinheiro fica parado, os R$ 3.000 vão perdendo valor. Para que eles comprem as mesmas coisas em 2026, precisam se transformar em R$ 3.932.

E se no mesmo fim de novembro o investidor tivesse colocado o dinheiro não no COE, mas em um título tipo Tesouro IPCA+ também com vencimento em 2026, garantiria que o dinheiro valeria R$ 3.831 MAIS a inflação acumulada do período. Daria, usando a inflação média de novo, R$ 4.500, já tirando o imposto de renda. 

Mas, claro, a aposta de que as ações vão subir pode se confirmar. Se isso de fato acontecer, o investidor leva para casa uma rentabilidade estimada de 20% ao ano, segundo a projeção da corretora. Se isso acontecer em maio de 2024, o rendimento anualizado cai para 19,11%. Se passar raspando, e apenas em novembro de 2026 todas as ações estiverem em alta na comparação com novembro de 2022, o ganho é de 15,78% ao ano. Também descontado o IR, o investidor teria transformado os R$ 3.000 em algo como R$ 5.000.

Dá uma diferença de R$ 500 em relação ao previsível IPCA+. Não é desprezível, claro. O problema é que se trata de uma aposta, não de um investimento. E pior. Quem entra nesse jogo não conhece a real probabilidade de vencê-lo. Vamos dar uns passos atrás para entender como isso funciona.

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A raiz

COE é a sigla para certificado de operações estruturadas – nome um tanto cifrado para pessoas comuns. Daí por que o mercado financeiro tratou de explicar o produto como “a combinação da segurança da renda fixa com os ganhos da renda variável”. Na hora de vender, o que manda é o nome pop de cada COE: “Black Friday”, “Innovative Leaders”, “Ganha-Ganha”… Ajuda a atrair interessados, mas explica pouco sobre como o investimento realmente funciona.

De fato, o COE combina renda fixa com renda variável. Uma parte do dinheiro vai para títulos públicos, que estão ali no pacote para garantir que a grana não vai virar pó caso a aposta dê errado. O nome disso é “capital protegido” – a maioria dos COEs tem isso, mas não é regra. 

Ok, e a outra parte do dinheiro vai para ações, certo? Não. O dinheiro é usado para negociar uma combinação de contratos de opções. É daí que realmente vem o nome “operações estruturadas”, da combinação de contratos – a gente vai explicar isso mais adiante. 

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Não se trata de uma jabuticaba: investimentos tipo COE existem nos EUA e em outros países também. Por aqui, eles começaram a ser emitidos em 2014, primeiro para o público de altíssima renda, e chegaram aos investidores pessoa física em 2015. Hoje existem R$ 48,1 bilhões em COEs no Brasil, segundo dados da B3. 

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É ninharia perto dos R$ 986 bilhões aplicados na poupança, dos R$ 648 bilhões em ações ou ainda dos R$ 107 bilhões em títulos públicos. Um outro investimento jovem do mercado, a LIG – Letra Imobiliária Garantida, uma prima do LCA que estreou em 2019 – já tem R$ 46 bilhões em investimentos.

A B3 não divulga o número de certificados emitidos, tampouco os bancos e corretoras com maior market share. 

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O que se sabe é que os COEs são criados no estilo linha de produção: no fim de novembro, a XP tinha 23 deles à venda. O BTG, 6. Bancões também vendem COEs. No Santander, havia 7 produtos no ar. E a lista de certificados emitidos é ainda mais expressiva. A XP tem em seu site uma lista de 3 mil COEs já distribuídos pela plataforma. O banco espanhol oferece um PDF com o histórico de 480 certificados emitidos para pessoa física, mas isso só de maio até novembro. 

Parece uma contradição: se o mercado é pequeno, por que tanto interesse das instituições financeiras nos COEs? É justamente pela capacidade que eles têm de esconder lucros potencialmente gigantescos, mas desconhecidos. Vamos entender como.

As opções

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Quando emite um título público, o governo se endivida para investir ou pagar dívidas anteriores. Ao vender um CDB, o banco diz que está buscando dinheiro para dar crédito. E uma empresa vende ações, em geral, com o intuito de captar dinheiro para expandir seu negócio. O COE é diferente. 

Num COE, o que acontece é uma aposta. Um banco olha para o mercado e monta um produto para que o pequeno investidor possa tentar ganhar dinheiro com uma tendência de mercado: queda nas ações de tecnologia, disparada na inflação, alta do dólar, derretimento da bolsa americana. Qualquer cenário para quase qualquer mercado. O ponto aqui é tentar prever o futuro – e convencer o investidor da aposta.

Essa mágica acontece com contratos de opções. Eles funcionam como um “vale”. Quando você tem um desses na mão, ganha o direito de comprar alguma coisa por um preço menor do que ele vale no mercado em uma data futura. Uma ação do Itaú a R$ 25  em janeiro – quando você acredita que ela já valerá R$ 30. 

Esse cupom não é de graça, claro. Alguém que aposta na queda do papel topa te dar essa garantia, desde que você pague algum cascalho, tipo R$ 1, digamos.

Se a aposta de fato se confirmar e a ação subir, o cara que te vendeu a opção precisa comprar ações a preço de mercado e vender para você por R$ 25. Você revende no mercado e fica com um lucro de R$ 4 (os R$ 5, menos o preço do “vale”). Já a outra pessoa, que errou a aposta, tomou um prejuízo de R$ 4 (ela comprou a R$ 30, vendeu a R$ 25, mas colocou o R$ 1 no bolso). Se o comprador da opção tiver errado, aquele vale “vira pó”, deixa de ter serventia, e o prejuízo é de R$ 1.

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Com as opções também é possível apostar na queda do mercado. Você compra um vale que dá direito de vender a um preço maior uma ação ou ativo que considera caro. Ainda no Itaú. Se sua avaliação é de que a ação deveria ser negociada a R$ 20, e não R$ 25, você compra uma opção de venda.

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Confirmado o cenário, você pode comprar as ações a R$ 20 no mercado e vender para a pessoa que firmou o contrato a R$ 25. Mesmo esquema para a pessoa que vende a opção e coloca o dinheiro no bolso enquanto aposta na alta.

São, no fim, quatro posições diferentes na qual um investidor pode jogar. A combinação dessas posições consiste na “estrutura” da operação, a entidade que nomeia os COEs. A B3 reconhece 56 arranjos distintos para COEs, que podem ser usados não apenas para opções de ações brasileiras, mas também para outros tipos de ativos, como ações gringas, índices de ações, taxas de juros, dólar e commodities. 

O investidor sempre sabe no que está apostando, mas não em como elas são feitas. Fica parecendo que ele comprou alguma coisa (como ações da Adidas ou da Coca-Cola). Mas não. Os papéis são só a referência para a estrutura de opções de compra e de venda que compõem o pacote. 

Nessa estrutura fica embutido o ganho do banco ou da corretora com o COE. Se você não sabe como ele investe o dinheiro, quanto paga pelos “vales” nem quantos são os contratos de opções dentro da estrutura, não tem como descobrir qual é a margem de lucro com a operação. Enquanto isso, o investidor fica ocupado com um vocabulário e explicações complexas até para quem trabalha na Faria Lima.

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Bula de remédio

“Retorno mínimo garantido no vencimento, viés de alta: índice de ações americanas. Descrição: produto para investidores que acreditam no desempenho positivo do Ativo de Referência. Existe garantia de resgate mínimo no vencimento igual ao Valor Nominal investido. O investidor receberá o melhor entre um cupom e a alta do Ativo de Referência. Para fins de esclarecimento, o presente investimento não se trata de investimento direto no Ativo de Referência.”

Essas são as primeiras informações do “documento de informações essenciais” de um COE emitido pelo BTG que permitia apostar na alta do índice S&P 500. Essa lâmina é exigida pela CVM, ainda que a oferta de um certificado não precise passar pelo aval do órgão. 

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E todo o material continua na mesma toada bula de remédio, recheada de expressões como “data do fixing” (quando o marco zero do investimento começa a correr), cupom (quanto o investidor vai receber se o cenário se confirmar), ativo de referência (a coisa na qual está se espelhando para investir). No meio aparece a data inicial e a final, o valor mínimo de investimento etc.

Depois disso, chega a hora dos gráficos e das explicações de cenários. Afinal, como a gente vem falando, um COE é fazer uma aposta de que alguma coisa acontecerá no mercado. O lance é que, não raro, essas explicações são imprecisas. A Você S/A encontrou inconsistências em pelo menos três documentos, enquanto tentava atravessar as explicações.

O Santander usa nas estimativas de rentabilidade variações percentuais de exemplo – muito acima das oferecidas pelo COE em questão. O BTG prometeu a devolução do dinheiro “corrigido”, ainda que o COE se comprometesse a devolver apenas o valor investido, sem correção.

Esses PDFs também indicam os riscos de investir em COEs. O principal deles é a liquidez. Quem coloca dinheiro num desses certificados fica com a grana presa por anos a fio – existem COEs de um ano, mas o mais comum são quatro anos. As instituições financeiras até oferecem a possibilidade de desistir da ideia, mas não é trivial. É preciso que um outro investidor tenha interesse naquele investimento do qual você desistiu. O mais comum é que você precise vender a preço de banana para achar um comprador – aí o tal do capital protegido foi para as cucuias.

Em resumo, trata-se de um produto complexo, cheio de explicações tortas. Ao menos deve ser bem melhor que a renda fixa, né? Não é bem o caso. 

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Probabilidades

Se você investe na poupança, sabe que vai ganhar 0,50% ao mês. Se compra um Tesouro Selic, leva o rendimento da taxa básica de juros. Quando investe em ações, espera ganhar pelo menos a média do desempenho do mercado, medido pelo Ibovespa

O COE não tem qualquer indicador de referência, não é possível saber como eles se saíram no passado e tampouco qual é a expectativa esperada para um produto específico. As corretoras até mostram para os investidores quanto eles ganhariam em alguns cenários – “se as ações subirem 5%, você ganha 10%. Se subirem 10%, ganha 20%”. Mas elas não dizem se o mais provável é que suba 5% ou 10%. Esse foi o ponto de partida de um estudo de professores da FGV em 2020.  

Eles decidiram estimar qual era a rentabilidade média esperada dos produtos que haviam sido vendidos entre 2016 e 2019, com base em dados fornecidos pela CVM para a pesquisa. Eles analisaram 284 COEs e descobriram que apenas 32 deles tinham um retorno esperado maior do que deixar o dinheiro em um título do Tesouro Prefixado que tivesse sido contratado na mesma época em que o COE estava à venda. 

No Tesouro Prefixado também há o risco de perder o dinheiro caso você queira vender o investimento antes do prazo. Mas na data do vencimento você levará a rentabilidade contratada sem nenhuma condição adicional.

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E o estudo mostrou um problema adicional para os COEs. Aqueles 32 que valeriam a pena em comparação com os títulos públicos eram arriscados demais para o potencial de ganhos. Ou seja: se fosse para arriscar, valeria mais a pena comprar diretamente na bolsa as ações que serviam de referência para os COEs.

O que as corretoras oferecem é um desempenho médio passado dos COEs (como na tabela ao lado) em relação ao CDI. Em tese, eles teriam rendido mais do que a renda fixa. Mas isso não responde a pergunta da probabilidade de isso se repetir nas próximas emissões, já que “resultados passados não são garantia de ganhos futuros”. 

Aí a gente está falando de “custo de oportunidade”, que explicamos lá no começo. Se eu investir nisso, e meu retorno for zero, quanto eu deixei de ganhar? Essa conta passa batido enquanto o investidor está tentando entender quais são os cenários possíveis de rentabilidade.

Depois desse estudo da FGV, as críticas aos COEs começaram a se espalhar. Ainda assim, eles continuam firmes no mercado. Em parte pelos incentivos das instituições: cada vez que um agente autônomo vende um COE, leva entre 1% e 1,9% do valor aplicado pelo investidor. 

É que as operações estruturadas em si não são o vilão da história. Um investidor pode sim ler uma tendência de mercado e tentar aproveitá-la, como faz com qualquer outro investimento. Ninguém precisa de um COE para isso.

O importante é conhecer mais do que o produto em si, mas também os motivos que fazem você apostar em uma tendência específica de mercado. Dá para imaginar que as grandes empresas patrocinadoras da Copa deste ano vão continuar a se dar bem pelos próximos anos? Até dá, são negócios que estão aí há tempo o bastante. Acertar que todas as companhias vão se valorizar no período? Nem o bolão da Copa consegue passar ileso às zebras. 

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