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Conheça o vibrante mercado das sextechs

O segmento do bem-estar sexual passa por uma revolução: deve faturar US$ 108 bilhões no mundo em 2027, e não faltam oportunidades para empreender na área. Veja algumas das iniciativas brasileiras.

Por Bruno Carbinatto | Fotos: Eduardo Dulla | Design: Juliana Krauss | Edição: Alexandre Versignassi
14 jan 2022, 07h51

Em 1902, a empresa americana de eletrodomésticos Hamilton Beach colocou à venda o primeiro vibrador elétrico do país em suas lojas. Na época, ele dividia as prateleiras com outros produtos eletrificados, como torradeiras e máquinas de costura, que ainda eram novidade. E foi um dos pioneiros: chegou antes do aspirador e do ferro de passar roupas.

Mas calma, não foi um movimento revolucionário contra o conservadorismo do século passado. É que os vibradores (que mais pareciam um secador de cabelo) nada tinham a ver com sexo, mas sim com as crenças pseudocientíficas da época. Médicos recomendavam seu uso para massagear partes do corpo prometendo cura para dores, cólicas e até infecções na garganta, por exemplo. Também podiam ser usados na região genital de mulheres para tratar “histeria” – uma doença que não existe, mas que era usada como diagnóstico para quadros de estresse e irritabilidade (a ideia era a de que o útero, hyster em grego, causava comportamentos excêntricos).

 

A partir da década de 1920, as coisas começaram a mudar. O vibrador passou a aparecer em filmes e ensaios pornográficos, e sua imagem passou a ser menos ligada a eventuais tratamentos e mais ao sexo. O produto virou tabu, e foi sumindo das prateleiras das lojas de eletrodomésticos. Mas não deixaram de ser usados, é claro. Agora, eram vendidos em um mercado paralelo – o de produtos eróticos.

Por décadas, sex shops dominaram esse segmento, vendendo vibradores (agora com formato fálico), lubrificantes, brinquedos sexuais e outros produtos voltados ao universo erótico. Tudo de forma discreta, longe do varejo tradicional.

Mas isso começa a mudar. Nos últimos anos, o mercado erótico passou por um grande rebranding – até o nome mudou: “mercado do bem-estar sexual”. Na onda do autocuidado, marcas começaram a anunciar seus produtos não apenas como sexuais, mas também ligados ao bem-estar, saúde física e mental e empoderamento feminino. 

Quem lidera esse movimento são as sextechs, com o sufixo “tech” para indicar startups que inovam no setor (assim como em fintechs ou foodtechs, por exemplo). E elas trazem um diferencial importante: os novos produtos são desenvolvidos de mulher para mulher. 

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“Antes, mulheres poderiam até estar à frente de sex shops, mas poucas encabeçavam todo o negócio, desde o desenvolvimento de produtos e marcas”,  comenta  Lídia Cabral, fundadora da Tech4Sex, plataforma que estuda e fomenta o ecossistema de sextechs brasileiras.

E não faltam demandas específicas delas. Dados do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (Prosex) mostram que 55,6% das mulheres têm dificuldade para chegar ao orgasmo em relações sexuais. Mais: 40% não se masturbam. Para muitas, a sexualidade ainda é tabu.

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Um mercado quente

As sextechs surgem para atender esse enorme segmento de clientes cujas necessidades vinham sendo ignoradas pelo mercado erótico anterior. As mudanças são várias: vibradores e brinquedos sexuais não têm mais necessariamente formato de pênis; muitos são discretos ou assumem formas inusitadas (veja alguns exemplos nas imagens). O design costuma ser clean, sem referências eróticas, para lembrar produtos do dia a dia, como cosméticos, e não causar constrangimento caso forem expostos. E o foco na discrição das embalagens é redobrado, pelo mesmo motivo. 

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Produtos da sextech Pantynova, fundada em 2018 por Izabela Starling e Heloisa Etelvina (Eduardo Dulla/VOCÊ S/A)

Lubrificantes, géis e produtos de relaxamento para facilitar o sexo também são apostas do segmento – 59,7% das mulheres afirmam sentir dor durante a relação sexual. Itens de saúde também são frequentes, como camisinhas femininas feitas especialmente para maximizar o conforto. Afinal, entre a maior preocupação das mulheres em relação ao sexo, as chances de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) é a que lidera a lista, com 46% (entre os homens, a maior preocupação é não satisfazer sexualmente o parceiro ou parceira, citada por 55% deles).

Não só. Como o assunto ainda é delicado entre as mulheres, as empresas têm de se reinventar na hora de conquistar clientes. A linguagem é acessível, nada provocativa; em propagandas, os modelos são pessoas comuns, e não corpos que se encaixam perfeitamente nos padrões.

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Praticamente todas as sex-      techs também se engajam em uma outra missão para além de vender seus próprios produtos: o da educação sexual. Em suas redes sociais, por exemplo, essas startups disseminam conteúdos para tirar dúvidas e dar dicas voltadas para a sexualidade. Muitas acabam até integrando esse extra aos seus negócios, vendendo ou oferecendo cursos, livros e podcasts para seus clientes. Esse tipo de esforço ajuda a normalizar o assunto, e criar uma base fiel de compradoras.

 

A fórmula tem dado certo. Em 2020, o mercado do bem-estar sexual movimentou US$ 78 bilhões, segundo a Allied Market Research. E a consultoria prevê que o segmento vá atingir os US$ 108 bilhões ainda em 2027.

A maior parte do mercado global ainda está concentrada nos Estados Unidos, pioneiro no movimento. Por lá, inúmeras start- ups passam a chamar atenção dos investidores e recebem aportes milionários. Celebridades passam a empreender no segmento também, ajudando a divulgar e normalizar os produtos de bem-estar sexual. 

Em novembro, a cantora americana Demi Lovato, por exemplo, lançou sua própria linha de vibradores em parceria com a sextech Bellesa. E a atriz e supermodelo Cara Delevingne se tornou conselheira criativa para a marca Lora DiCarlo, cujos vibradores térmicos buscam simular o toque humano.

Por aqui, o mercado ainda está nas fases iniciais, mas grandes varejistas começam a dar um empurrãozinho. A pioneira foi a Amaro, varejo de moda que inaugurou uma seção de bem-estar sexual em seu e-commerce em abril de 2021. 

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O maior salto, porém, veio em outubro, quando a gigante Magalu decidiu fazer o mesmo. Segundo Lídia, da Tech4Sex, o movimento é importante para conquistar novos públicos e impulsionar o mercado. Afinal, dificilmente uma pessoa tem contato com esses produtos a não ser que procure ativamente por eles. Com segmentos de vendas nas varejistas, novos clientes podem ser atraídos pela curiosidade.

Sextechs à brasileira

Para Marília Ponte, empreender na área não era o plano A. Seu interesse pelo segmento das sextechs começou quando passou a entender a própria sexualidade – e acabou descobrindo como o mercado americano vendia soluções inovadoras para essas questões. A jovem de 26 anos decidiu que queria trabalhar com isso – mas teve um problema: não encontrou nenhuma empresa do tipo no Brasil. A solução foi criar a sua própria.

Marília fundou a Lilit, uma sextech que comercializa vibradores, em 2020. O primeiro desafio foi aquele que todas as sextechs relatam: a falta de dados que indiquem o tamanho real do mercado. O jeito foi fazer sua própria coleta; uma pesquisa inicial com mais de quatro mil mulheres, e depois encontros e conversas constantes com potenciais clientes para desenvolver os produtos ideais.

O processo revelou algo importante: “Enquanto nós estávamos preocupadas em saber os detalhes dos protótipos de vibradores, como o tipo de material e carregador, as mulheres estavam envergonhadas e perguntavam como usar o produto. Ali percebemos que o mercado brasileiro estava em um estágio anterior de maturidade”, conta.

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Os produtos da Feel e o vibrador Bullet da Lilit (Eduardo Dulla/VOCÊ S/A)

Para o pontapé inicial, Marília apostou num produto simples e discreto: o Bullet Lilit, um vibrador pequeno, discreto, com 5 estágios de vibração, recarregável e resistente à água. A ideia é que o Bullet seja o “primeiro vibrador” para mulheres que nunca utilizaram produtos sexuais.

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O Bullet Lilit foi lançado em agosto de 2020, e, até hoje, é o único vendido pela marca. A estratégia de ser monoproduto funcionou: desde o lançamento, a empresa já faturou R$ 1,2 milhão. Agora, com o nome mais consolidado e uma base de clientes, a ideia é lançar novos produtos a partir de 2022.

Foi também apostando no simples que surgiu a Feel, marca de lubrificantes fundada por Marina Ratton em 2020. No início, a empreendedora não tinha certeza sobre em qual produto apostar – também foi necessário fazer pesquisas com bases de clientes em potencial. A startup constatou que muitas mulheres se queixavam de desconforto e ressecamento em relações de penetração vaginal; ao mesmo tempo, tinham vergonha de comprar lubrificantes em farmácias.

Mais: boa parte delas preferia produtos orgânicos e naturais, seja no campo dos alimentos, dos cosméticos ou dos itens de higiene. E essa preocupação era praticamente ignorada no ramo de bem-estar sexual. A ideia da Feel, então, foi lançar um lubrificante natural à base de calêndula e aloe vera – vegano e sem testes em animais.

Embora o plano inicial fosse investir em apenas um produto, a sextech constatou outros problemas entre suas clientes, e mais oportunidades de negócios. “Percebemos, por exemplo, que muitas mulheres estavam usando óleo de coco da cozinha para hidratar a região da vulva”, diz Marina. A Feel então integrou a seu catálogo um produto à base de óleo de coco para aplicar após a depilação e aliviar assaduras. Hoje, também comercializa sabonetes íntimos.

Ainda que as mulheres sejam as novas protagonistas quando se fala do mercado do bem-estar sexual, outros grupos que antes tinham pouco espaço também despontam. Marcas começam a apostar em produtos feitos especialmente para o público LGBTQIA+.

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No Brasil, uma das empresas que aposta na diversidade é a Pantynova, e-commerce de produtos eróticos fundado pelas empreendedoras Izabela Starling e Heloisa Etelvina em 2018. Na época um casal, elas estavam insatisfeitas com suas experiências como consumidoras do mercado erótico.

Com cintas penianas no catálogo, além de vibradores e lubrificantes, a startup viu seu faturamento disparar 400% em 2020, quando grande parte da população ficou em casa e começou a explorar mais sua sexualidade. “Costumamos brincar que a pandemia foi um investidor-anjo”, conta Iza. Em tempo: a maior parte da equipe que compõe a Pantynova é LGBTQIA+.

Metaverso sexual

Nem só de produtos físicos vivem as sextechs. Uma tendência no mercado internacional é o surgimento de apps e redes sociais voltadas para o bem-estar sexual, oferecendo fóruns de discussão, podcasts, contos eróticos em texto e áudio e outros conteúdos voltados para a sexualidade. No Brasil, uma das pioneiras no movimento é a startup Share Your Sex, fundada por Mariah Prado. O negócio seguiu um caminho incomum: começou com um grupo secreto no Facebook, ainda em 2015, exclusivo para mulheres compartilharem relatos e dúvidas sobre o sexo. 

Com o crescimento da comunidade, que hoje soma mais de 250 mil participantes, Mariah despertou o interesse por empreender no ramo. O empurrão final para o surgimento da empresa veio em 2020, quando o grupo no Facebook acabou derrubado pela plataforma, que alegou violação da política da rede social em relação ao conteúdo sexual. Mariah e as participantes da Share Your Sex conseguiram reverter a decisão – mas ficou claro que aquilo poderia acontecer novamente.

A solução foi fundar seu próprio aplicativo para celular, de mesmo nome, com fóruns e grupos de discussões. Há também a opção de assinar o serviço para ter acesso exclusivo a streaming de áudios com contos eróticos, masturbações guiadas, podcasts sobre saúde feminina e outros conteúdos desenvolvidos por psicólogas e sexólogas.

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(Arte/VOCÊ S/A)

A censura que motivou a criação da Share Your Sex, aliás, é um dos maiores desafios citados pelas sextechs. Muitas redes sociais têm políticas de restringir conteúdos sexuais, e divulgar a venda de produtos eróticos é praticamente impossível. 

Mesmo conteúdos não explícitos, como os de educação sexual, podem ser removidos automaticamente pelos algoritmos – na maioria das vezes até é possível recorrer para um analista humano separar o joio do trigo, mas a burocracia e a demora atrapalham. Por isso,  muitas sextechs burlam o sistema em suas redes sociais escrevendo seus conteúdos de forma disfarçada: sexo vira s3x0, por exemplo.

Talvez isso não dure por muito tempo. O crescimento das sex-   techs no mundo vem pressionando as redes sociais a rever suas políticas de conteúdo. Afinal, o grande desafio das empresas do ramo é esse: normalizar o sexo e o consumo de produtos e conteúdos eróticos. A base de clientes em potencial é enorme, as soluções estão sendo desenvolvidas, os empreendedores estão a postos e os investidores estão de olho. Só falta mesmo quebrar de vez o tabu. 

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