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Startups apostam em tecnologia na hora de investir no setor de educação

O boom das aulas online abriu as portas para novos negócios no campo da educação. E as inovações vão bem além do ensino à distância. Veja algumas das iniciativas mais promissoras.

Por Juliana Américo | Ilustração: Henrique Petrus | Design: Juliana Krauss | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 9 dez 2021, 10h27 - Publicado em 19 nov 2021, 05h30

Tecnologia e escola eram igual água e óleo. Não se misturavam. Quando eu estava no ensino fundamental, a escola onde eu estudava orgulhosamente inaugurou a sua “sala de multimídia”. Um espaço com projetor, tela grande, caixa de som, computador e aparelhos de VHS e DVD. Para comemorar, a direção fez uma sessão de cinema, com direito a pipoca e o filme Jurassic Park 3.

O objetivo dessa tal sala era trazer mais ferramentas de ensino, além da biblioteca e da sala de informática com meia dúzia de computadores de tubo. Era preciso se modernizar. Afinal, estávamos no início do século 21 e uma geração de crianças nascidas em um mundo totalmente conectado já engatinhava nas turmas do maternal. A tecnologia tinha entrado de vez naquela escola da Zona Leste de São Paulo.

Na prática, o nosso dia a dia ainda era bem analógico… Era uma única sala com 30 lugares para uma escola com uns 700 alunos por período. Para os professores conseguirem reservar um horário, era uma verdadeira guerra. Para que estudantes apresentassem trabalhos lá, precisavam entregar, com 24 horas de antecedência, o material em disquete ou em CD para o técnico de informática passar um antivírus. Resultado: o retroprojetor e a cartolina continuaram seu reinado.

Até que veio a pandemia. E tudo mundo sabe o que aconteceu: as aulas das escolas particulares migraram para o online (modelo que, infelizmente, não teve como ser replicado a contento no ensino público – 39% dos alunos de escolas municipais, estaduais e federais não têm computador em casa).

O boom do ensino online espalhou-se para a educação adulta. Uma das empresas que melhor surfaram nessa onda foi a Descomplica. Criada em 2011, ela começou como um cursinho online para vestibular, Enem e concursos públicos.

Há dois anos expandiu seu portfólio: lançou cursos de pós-graduação credenciados no MEC. São 350 nas áreas de gestão, tecnologia, educação, engenharia, saúde e marketing. Em 2020, o número de alunos na pós pulou de 3 mil para 30 mil; e hoje já são 55 mil. A empresa, então, aproveitou para se aventurar no campo da graduação. Lançou no ano passado 14 cursos de engenharia, gestão, tecnologia e educação – e amealhou 2 mil alunos.

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Tudo isso chamou a atenção de grandes investidores. Em fevereiro, o SoftBank e o Invus Group fizeram um aporte de US$ 84,5 milhões na startup. Hoje, contando com as aulas preparatórias e de educação superior, a Descomplica tem 5 milhões de alunos.

Outra que recebeu um aporte vultoso em 2021 foi a Hotmart: US$ 130 milhões numa rodada de investimentos liderada pelo fundo TCV, que tem entre seus pupilos a Netflix. A Hotmart não é uma instituição de ensino, como a Descomplica. Trata-se de uma empresa de “cursos livres”. Ela dá as ferramentas necessárias para pessoas comuns e empresas ministrarem aulas online sobre qualquer assunto (artesanato, idiomas, meditação, marketing digital, violão – tem de tudo). E também funciona como um hub para que usuários encontrem esses cursos. Ela cresceu 160% em 2020, na esteira do boom do zoom.

Hotmart e Descomplica fazem parte de mais um segmento que leva a palavra “tech” no final (como as fintechs e as proptechs): o das edtechs – empresas de educação que não fazem parte do modelo tradicional.

E que têm o potencial de transformar esse modelo tradicional, seja na parte puramente educacional, seja na de negócios mesmo, como vamos ver agora.

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Ambiente híbrido

O ensino superior no Brasil é uma máquina de fazer dinheiro, com várias gestoras de faculdades particulares listadas na bolsa. A virada de chave para o modo online abriu para elas a oportunidade de atrair mais alunos. Antes, existia uma barreira física: não dava para colocar 200 pessoas em uma sala em que só cabiam 100. E abrir mais turmas exigia contratar mais professores e levantar mais prédios. Não mais.

O ensino online, porém, está longe de contar com o mesmo status do presencial – o que faz todo o sentido, pois a presença física em sala de aula é, sim, importante para o aprendizado.

A Hybre é uma startup que busca suavizar essa barreira. Em operação há sete meses, ela adapta salas de aula para um ambiente híbrido, de modo que o professor dê aulas presenciais e online ao mesmo tempo.

Não é só uma câmera no fundo da sala. A Hybre monta telas de videoconferência nas paredes da sala e instala câmeras e microfones no ambiente. A ideia é que os alunos que estão de casa possam interagir com o professor da mesma forma que os presenciais, e participar das discussões em sala como se estivessem lá dentro.

“As instituições de ensino não conseguem propiciar a mesma experiência dos alunos dentro da sala de aula para os que estão em casa. E a gente enxerga que a aplicação correta da tecnologia contribui no engajamento da turma e numa maior relação com o professor, mesmo à distância”, afirma Tiago Ribeiro, gerente de negócios da Hybre.

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Desde abril, a Hybre já montou 400 salas de aula híbridas em 30 universidades espalhadas pelo país e já faturou R$ 2,5 milhões. Para 2022, a meta é chegar a 3 mil salas e a um faturamento de R$ 10,5 milhões.

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Realidade virtual

Claro: nem todo curso pode ser ministrado de forma online. Uma coisa é aprender direito ou administração de longe. Outra é estudar medicina – não rola. Nem por isso a tecnologia não tem como ajudar.

Criada em 2016, a MedRoom usa modelagem 3D e realidade virtual para aprimorar o ensino de anatomia. Basta vestir os óculos para o estudante entrar em um laboratório virtual. Dá para ver os órgãos funcionando “ao vivo” – coisa que, na vida real, só acontece quando o profissional já está em uma sala de cirurgia.

“A realidade virtual é muito boa para imersão e retenção do conhecimento. Ela aproxima o estudante da experiência de trabalhar com paciente vivo. Então, é possível fazer simulações de casos encontrados em emergência para treinar o raciocínio clínico”, afirma Vinicius Gusmão, CEO e cofundador da startup.

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A MedRoom foi incubada no Eretz.bio, centro de inovação e empreendedorismo do Hospital Albert Einstein. Em novembro do ano passado, a empresa foi adquirida pelo grupo Ânima Educação por um valor não revelado e já está presente em 30 faculdades de medicina do Brasil, Paraguai, Peru e México.

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Ensino personalizado

O mundo das edtechs vai além das aulas online. Não faltam startups da área que oferecem sistemas para aprimorar o ensino como um todo.
É o caminho que a Evolucional está seguindo. A startup foi criada em 2014 para aplicar simulados do Enem, Fuvest, vestibular da Unicamp e do Saeb (a avaliação do ensino básico). Depois que os alunos fazem a prova, a empresa disponibiliza para as escolas uma plataforma com os relatórios de cada estudante. Identifica-se aí onde cada um tem mais dificuldades, além da nota que a escola receberia nas avaliações de ensino.

“Durante os primeiros anos da empresa, a gente conseguiu acumular muitos dados com os simulados, o que nos permitiu construir algoritmos de personalização e trazer mais clareza sobre o que o estudante está entendendo das aulas”, afirma Vinícius Freaza, sócio-diretor da Evolucional. Por isso, a startup decidiu criar uma plataforma adaptativa de ensino. Além de ferramentas que ajudam os professores, como a criação automática de provas e uso de inteligência artificial para corrigir redações, a plataforma cria trilhas de conteúdo e planos de estudo personalizados para os alunos, de acordo com o resultado das avaliações.

O estudante também pode escolher áreas de maior interesse, como medicina, saúde e meio ambiente ou então engenharias, tecnologia e matemática. Dessa forma, ele recebe atividades que envolvam o tema selecionado. Por exemplo, em vez de apresentar aos alunos um mesmo texto para um exercício de interpretação, a ferramenta separa textos sobre saúde para aqueles que escolheram a área de biológicas. A Evolucional tem contrato com 4.500 escolas em todo o Brasil e atende mais de 2 milhões de estudantes.

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Novas tecnologias também podem ser úteis na identificação precoce de possíveis distúrbios de aprendizado. Nadine Heisler criou o Domlexia em 2017, depois que a sua filha foi diagnosticada com dislexia – que é a dificuldade de leitura e identificação de palavras. Normalmente, esse diagnóstico é feito entre os 9 e 10 anos de idade, quando a criança já deveria estar completamente alfabetizada. Mas a startup consegue identificar logo no início da alfabetização, com 6 anos.

“Quando você tem uma sala de 30 estudantes, por melhor que seja o professor, é muito difícil ter uma visão individual de cada um. Ele sabe quais são aqueles que dão mais trabalho ou se destacam. E o resto da turma fica no limbo. A tecnologia permite que a gente identifique as dificuldades e que o professor tome uma ação antes que isso atrapalhe a aprendizagem a longo prazo”, afirma.

Um aplicativo de alfabetização, capaz de identificar dificuldades da criança e com relatório de desempenho. Além da dislexia, ele detecta discalculia (dificuldade no raciocínio matemático), disgrafia (dificuldade na escrita) e transtorno de déficit de atenção. O app já teve mais de 10 mil downloads e foi utilizado em um programa piloto em escolas municipais de Florianópolis e Criciúma.

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Da sala de aula para o escritório

Muitas edtechs apostam no mercado de educação corporativa. É o caso da Niduu. A empresa criou um app que usa gamificação (uso de elementos de jogos para gerar engajamento) e microlições, para oferecer cursos de desenvolvimento aos colaboradores. “A ideia veio de uma dor real. Eu era diretor de RH de uma rede de supermercados. E cada unidade tinha umas 400 pessoas que precisavam passar por treinamento. No modelo presencial, a gente não dava conta e ainda precisava tirar o funcionário do posto de trabalho por muito tempo”, diz Júnior Mateus, fundador da startup.

A plataforma cria trilhas de conteúdo curtas, de 5 a 7 minutos. Conforme o funcionário avança por essas trilhas, ele precisa responder as questões sobre o que foi apresentado. O RH consegue acompanhar o desenvolvimento de todo mundo, saber quem já terminou o treinamento e emitir certificados.

A Niduu também tem 280 cursos já prontos sobre vendas, marketing, liderança, procedimentos operacionais e segurança do trabalho. Desde a sua criação, em 2017, mais de 300 mil pessoas já passaram pelos cursos.

O alemão Jan Krutzinna também resolveu investir na educação corporativa. A diferença é que ele usa um aplicativo que está instalado em 99% dos smartphones brasileiros: o WhatsApp.

Fundada em 2014, a startup EduSim começou como uma ferramenta para ensino de inglês e foi até acelerada por um programa do governo de Minas Gerais. O aluno interagia com uma inteligência artificial pelo app de mensagens e recebia os conteúdos, testes e correções. Com o tempo, a empresa ampliou o seu mercado. Mudou o nome para ChatClass e, sem abandonar o ensino de idiomas, abraçou o treinamento para funcionários – empresas contratam o serviço da ChatClass para atualizar seus vendedores sobre o portfólio da companhia, por exemplo.

“A gente foca muito nos funcionários que não têm mesa, só acesso ao smartphone. É o pessoal que trabalha na rua com prestação de serviço, varejo e como representante comercial.” Entre os clientes corporativos, estão grandes nomes como Natura, Stone, Empiricus e Visa. Já são 500 mil alunos corporativos e do curso de inglês, além de um faturamento anual de R$ 3 milhões.

A revolução das edtechs, de qualquer forma, ainda é um projeto em andamento. Nada impede que, no futuro, algumas iniciativas que vimos aqui possam ser vistas como algo tão ingênuo quanto a “sala de multimídia” lá da minha escola. Mas uma coisa é fato: o modelo tradicional, com estudantes sentados anotando o que o professor escreve na lousa, parece finalmente estar com os dias contados.

 

Fontes: Abstartups, CIEB, Distrito, 100 Open Startups e Sling Hub.

Agradecimentos: Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), e Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartup).

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