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Clean beauty: cosméticos naturais ganham espaço no banheiro

A indústria cosmética busca ingredientes naturais para substituir químicos e derivados de petróleo de xampus, sabonetes e maquiagens, uma tendência que pode movimentar US$ 48 bilhões até 2025. Veja os desafios de quem empreende em parceria com a natureza.

Por Juliana Américo | Edição: Tássia Kastner | Design e colagem: Juliana Krauss
Atualizado em 11 abr 2022, 12h07 - Publicado em 15 out 2021, 05h20

Cocamidopropyl Betaine, Sodium Laureth Sulfate, Paraffinum Liquidum, Guar Hydroxypropyltrimonium Chloride. Esse trava-língua que mais parece grego mora no seu banheiro. São componentes de xampus, sabonetes, hidratantes, pasta de dente, desodorantes
e maquiagens.

Em português, o Paraffinum Liquidum é parafina líquida, um derivado de petróleo usado em hidratantes. Ele forma uma película sobre a pele, o que evita o ressecamento, mas também impede que a pele absorva os nutrientes oferecidos por cosméticos. Já o Sodium Laureth Sulfate pode causar alergias. E existem substâncias que poluem o meio ambiente. Caso do tolueno, o solvente dos esmaltes, que ainda é tóxico se inalado.

 

Depois de ler muito rótulo de xampu no banho, uma corrente de consumidores passou a questionar o uso desses produtos e criou um novo mercado de beleza com artigos clean beauty (ou beleza limpa, em português). A ideia, à la Bela Gil, é rejeitar produtos sintéticos e substituí-los por ativos naturais, orgânicos, veganos e extraídos da natureza de forma sustentável.

A consultoria Grand View Research prevê que o mercado global de cosméticos naturais atingirá US$ 48 bilhões em 2025. No Brasil, não existem dados de quanta grana esse mercado movimenta atualmente. Um levantamento da Nielsen, de 2019, estimava que os produtos naturais representassem 18,2% do faturamento do segmento de higiene e beleza – que, na época, era de R$ 55,7 bilhões. Rafaela Brugnati, analista de negócios do Sebrae-SP, afirma que o interesse pela beleza natural cresceu desde então. “Já existia essa tendência, principalmente pela questão do impacto ambiental. Mas o boom aqui no Brasil se deu mesmo por causa da pandemia. As pessoas passaram a se preocupar mais com a saúde e com o que estão consumindo.”

Tanto que as grandes empresas, as rainhas da química, estão investindo em produtos naturais. A Unilever comprou a marca americana de cosméticos limpos Tatcha em 2019. O valor da negociação não foi divulgado, mas o mercado fala que a gigante desembolsou até US$ 500 milhões. A Amazon e o Walmart também lançaram suas próprias. E, entre as brasileiras, tem O Boticário. No ano passado, a companhia lançou três produtos aprovados pela Ecocert, uma certificadora francesa de produtos naturais e orgânicos.

Com exceção da Amazon e do Walmart, que criaram linhas de até US$ 30, o fato é que essa é uma tendência no público mais endinheirado. O xampu orgânico do Boticário, por exemplo, custa R$ 77,90. Já na versão tradicional, o preço cai para R$ 44,90. Os ingredientes sintéticos já fazem parte da indústria e são produzidos em grande escala. Logo, são mais baratos.

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Made in Natureza

Mas são as empresas que já nasceram com a filosofia clean que ganham mais espaço. É o caso da Simple Organic. A marca foi criada por Patrícia Lima, depois que a publicitária virou mãe. “Eu trabalhei muitos anos com moda e para mim aquele mercado de descarte era normal. Mas, quando minha filha nasceu, comecei a me questionar em que eu agregava para as próximas gerações. Foi quando decidi trabalhar com sustentabilidade.”

Em suas pesquisas sobre o universo dos orgânicos, ela percebeu que o mercado de cosméticos era pouco explorado. Mas a ideia era fugir do conceito natureba que está por trás dos produtos limpos. “Eu me inspirei em marcas da Califórnia, que são contemporâneas e têm fórmulas minimalistas.” Com o projeto na mão, ela foi atrás de uma fábrica na Itália para ajudar na formulação dos hidratantes, óleos, séruns e outros produtos.

O lançamento da marca rolou durante o São Paulo Fashion Week de 2017. E o sucesso foi tanto que Patrícia vendeu em 45 dias todo o seu estoque de 20 mil produtos – que deveria durar seis meses. Um ano depois, a empreendedora lançou o modelo de franquia e já são 27 unidades espalhadas pelo país.

A empresa cresceu tanto que chamou atenção da Hypera. No ano passado, a farmacêutica comprou a participação majoritária da Simple Organic. “A gente recebeu umas 16 propostas de investidores. E a Hypera fez muito sentido porque facilita a entrada dos nossos produtos nas farmácias.” Em setembro, a empresa inaugurou seu e-commerce nos EUA e a previsão é fechar 2021 com um faturamento de R$ 30 milhões.

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Clean é tech, clean é pop

Empreender no universo natural não é só se preocupar com a origem dos ingredientes. Um problema comum que as empresas enfrentam é a falta de insumos, seja porque a produção é baixa ou porque não está na época de extração. Acontece de você entrar no site de alguma marca e se deparar com o aviso de “produto indisponível”. Por isso, o investimento em tecnologia é fundamental para escalar a produção, sem exigir demais da natureza.
E é nisso que a Soraia Zonta, fundadora da Bioart, aposta. A companhia foi criada em 2010 e é uma das pioneiras do setor aqui no Brasil com produtos para pele, maquiagens e protetor solar.

A empresa desenvolveu, junto com laboratórios parceiros na Itália, França e Japão, uma tecnologia de biocápsulas. Os princípios ativos são revestidos por uma película muito fina, como se fossem gominhos de uma laranja (mas em um tamanho microscópico), e assim duram por mais tempo. “A vitamina C, por exemplo, oxida e perde o efeito muito rápido. Quando ela está nessa biocápsula, se mantém estável por até três anos”, afirma. Ela ainda destaca que no caso do óleo de copaíba, a tecnologia permite usar cinco vezes menos matéria-prima.

Outra frente de preocupação é com embalagens. A marca vai migrar para o plástico verde, produzido a partir da cana-de-açúcar. Segundo a empresária, o plástico convencional não apenas solta toxinas no produto, como também se “contamina” com os cosméticos e não pode ser reutilizado como embalagem. “Estudamos essa embalagem, porque ela pode ser reciclada em uma nova embalagem, coisa que a de plástico convencional não pode.”

Soraia não abre o faturamento, mas afirma que, desde 2010, a Bioart cresce de 35% a 40% ao ano – para 2021, esse crescimento já está em 50%. Além do mercado nacional, a companhia tem pequenas operações nos EUA, Peru e Holanda.

Driblando a papelada

Outro problema que atrapalha o setor é a burocracia. Não existe uma legislação específica para cosméticos naturais no Brasil. Por isso, as empresas acabam se baseando nas regras das certificadoras. São elas que garantem que o produto foi testado e que a formulação é, de fato, clean.

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As principais delas, que são a Ecocert e a IBD, determinam que, para um produto ser considerado natural, 95% dos seus componentes precisam ser naturais. E, para ser considerado orgânico, 20% dos seus ingredientes precisam ser certificados como orgânicos. Também existem outros selos que indicam quais marcas são veganas e cruelty-free, que é quando não há testes em animais (veja abaixo).

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E o processo de aprovação é considerado rigoroso. Segundo Priscila Hauffe, gerente comercial da Ecocert, uma certificação pode levar de três até dez meses para sair. “São vários requisitos que precisam ser provados com documentação ou auditoria in loco. A gente verifica se todos os ingredientes estão dentro das normas, avalia os fornecedores, revisa a formulação e faz testes.”

Depois disso, os negócios seguem as mesmas regras da Anvisa aplicadas à indústria de cosméticos tradicional. A agência tem uma lista com mais de 1.300 substâncias proibidas em cosméticos. E o processo de regulação varia conforme a classificação do produto.

Os de grau 1 são os básicos e de menor risco, como hidratantes, loções e sabonetes. Eles não precisam passar por todos os testes, e a empresa pode só notificar a sua intenção de venda. Já os produtos que têm uma indicação de uso específica, como protetor solar ou tratamento de acne, são considerados de grau 2. Essa categoria precisa de registro e ainda mostrar testes de eficácia.

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Todas as empresas precisam de uma liberação de funcionamento da vigilância sanitária e de um responsável técnico que assine a formulação, ateste a qualidade e controle o processo de fabricação.

A Amokarité, marca de maquiagens sólidas, está passando exatamente por esse processo de liberação na Anvisa. A empresa foi criada por Estephanie Racy em 2020, depois que ela aderiu ao veganismo e não encontrava maquiagens que não tivessem derivados de animais ou não fossem testadas neles. Além do conceito clean, as maquiagens são multifuncionais. O mesmo produto pode ser usado como batom, blush e sombra, por exemplo.

Para conseguir expandir as vendas, ela deixou a produção caseira de lado. “As pequenas empresas têm duas opções para regularizar a produção. A primeira contratando uma fábrica já existente. Eu até cheguei a considerar essa opção; mas, como a maquiagem sólida não é tão comum no mercado, as fábricas não têm maquinário específico.” O jeito era seguir pela segunda opção: abrir uma fábrica própria.

Para garantir que tudo está nos conformes, ela e a sócia Clara Klabin contrataram uma farmacêutica, que responde como responsável técnica junto à Anvisa. Feito isso, com produtos apenas de grau 1 no portfólio, elas já podem vender Amokarité. E o que não faltam são vendas: em 2020, a empresa faturou R$ 400 mil; para este ano, a meta é R$ 1,5 milhão.

Mas o plano é ampliar o portfólio (incluindo produtos de grau 2, como protetor solar) e tirar as certificações para lançar a marca em outros países. Por isso, as sócias estão correndo atrás da regularização, que está prevista para sair até novembro.

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Um setor em crescimento

E beleza natural não se resume em ficar brincando de biocientista. Também é possível atuar na prestação de serviços e comércio. É o caminho que os amigos Beatriz Sanches, Bernardo Abecasis, Nadia Almeida e Rodrigo Maynard decidiram seguir.

Em abril, eles lançaram o Clean Beauty. A empresa começou como um marketplace de cosméticos naturais; mas, dois meses depois, mudaram a estrutura para um e-commerce. “Como as empresas não estão nas grandes cidades, o frete ficava muito caro e o cliente desistia da compra”, afirma Beatriz.

O grupo montou um estoque em São Paulo com produtos das 25 marcas que já têm parceria com o site, para baratear o frete e ainda oferecer vantagens para os clientes, como descontos. Para entrar na plataforma, rola uma curadoria: é avaliado se o produto é cruelty-free, se tem alguma certificação, a origem dos ativos, se a marca divulga todos os ingredientes da fórmula e se esses ingredientes são limpos. “Antes de fechar com uma marca, eu sempre compro um ou outro produto para testar e conhecer.”

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Quem também apostou nos outros caminhos do mercado foi a Cris Dios, que está à frente das operações da rede de salões Laces and Hair. A história da empresa começou com o avô, João Emanuel. Ele era barbeiro e usava ingredientes naturais. Em 1987, a filha de João (e mãe da Cris), Mercedes, abriu o salão de beleza e desenvolveu fórmulas limpas para os produtos usados.

“Os espaços de beleza tradicionais são focados no cabelo que fica bonito para alguma festa ou evento. Mas o cabelo saudável é bonito sempre. Por isso, 90% dos nossos atendimentos são de tratamento, e apenas 10% são design, que é o corte e a coloração”, afirma Cris.

Hoje, a rede já conta com oito unidades em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que empregam 240 funcionários – para o ano que vem estão previstos dois novos espaços, em Brasília e Ribeirão Preto (SP). Além disso, a empresa possui sua própria linha para cabelo, incluindo produtos infantis e para cuidado da barba.

A Laces and Hair também está com um projeto, em parceria com a marca americana Avena, batizado de “Bioma”. Ele permite que salões tradicionais passem para o modelo sustentável por meio do licenciamento da marca. A primeira unidade foi lançada agora em setembro na cidade de Piracicaba (SP). “Este projeto tem muito potencial de crescimento e queremos fundar 560 salões da Bioma nos próximos cinco anos.” É a revolução da natureza no seu banheiro.


Dicionário dos proibidos

A lista de ingredientes químicos que estão associados a problemas de saúde é longa. Mas nós separamos os principais que não entram nos produtos clean beauty.

1- Sulfatos
O que são: detergentes que retiram a oleosidade da pele e cabelos. Podem causar ressecamento, reações alérgicas e irritação nos olhos. Também são tóxicos para animais aquáticos.

2- Parabenos
O que são: conservantes que evitam a proliferação de microrganismos. Seu uso está relacionado a alergias, envelhecimento precoce da pele e problemas no sistema endócrino, que é responsável pela produção de hormônios.

3- Tolueno
O que é: um solvente que causa irritação nos olhos, pele e sistema respiratório. Pode ser fatal caso ingerido, além de contaminar o solo e a água.

4- Petrolatos
O que são: produtos derivados de petróleo. Criam uma camada impermeável na pele e fios de cabelo, como se fosse um filme plástico. Eles atrapalham na absorção de nutrientes, são alergênicos e podem contaminar o meio ambiente.

5- Triclosan
O que é: um bactericida. Ele mata tanto as bactérias ruins quanto as que ajudam no funcionamento do corpo; e isso pode causar problemas de imunidade. Também está associado a alergias e contaminação de animais aquáticos.

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