Teto de juros do cheque especial mostra que é coerente limitar a taxa do rotativo
Limite de 8%, proposto pelo governo para dívidas do cartão de crédito, já é usado no cheque especial. Hoje, sem teto nos juros, a inadimplência no rotativo chega a 50%.
Difícil saber o que é mais polêmico: juros escorchantes de bancos ou intervenção pesada do governo. Uma das propostas de Lula III para conter o alto endividamento da população é limitar as taxas de juros que os bancos podem cobrar no rotativo do cartão de crédito, a linha mais cara do sistema financeiro – e também a com maior índice de calotes.
Hoje, quem deixa de pagar o saldo integral da fatura passa a dever em média 14,9% a mais no mês seguinte. Uma dívida de R$ 1.000 sobe para R$ 1.149 (mais os novos gastos, claro). Em um ano, o débito se multiplicaria por quatro vezes e chegaria a R$ 5.295.
Parênteses aqui: desde 2017, um banco não pode mais deixar o cliente indefinidamente no rotativo. Passado o primeiro mês, ele precisa parcelar o saldo devedor na forma de um empréstimo pessoal – só que a taxa média de juros nessa modalidade ainda é de proibitivos 9,34% ao mês. Parcelada em 12 vezes, a dívida de R$ 1.000 se transforma em R$ 2.920.
Hoje, a inadimplência de quem entra no rotativo do cartão de crédito é de 48% – para o banco, é tipo jogar cara ou coroa. Depois do parcelamento da fatura não-paga, os calotes ainda são de 10%.
É aí que mora o coração da proposta do governo e abraçada pelo Congresso Nacional: limitar o juro cobrado no rotativo a 8% ao mês seguinte, de modo a tornar essas dívidas mais pagáveis. Os bancos reclamaram, sob o argumento de que afetaria os mais pobres, que hoje só teriam acesso a cartão de crédito porque há liberdade na cobrança de juros.
Avaliar as consequências de um eventual teto no rotativo, porém, nunca foi tão fácil. Em 2020, entrou em vigor o juro máximo de 8% que os bancos podem cobrar no cheque especial (o crédito rotativo da conta-corrente).
O uso do cheque especial recuou 18% ao longo do primeiro ano da medida, mas isso foi em 2020, justamente o começo da pandemia. Nessa mesma janela de tempo, o uso do rotativo do cartão caiu 27%. Portanto, não é possível dizer que a razão foi os bancos terem cortado a linha de crédito dos clientes por causa da taxa de juros menor.
Por outro lado, houve uma melhora significativa da inadimplência no cheque especial. Quando o teto de juros foi implementado, os atrasos chegavam a 16,7% dos empréstimos, e eles caíram para menos de 10%, em outubro de 2021. Ainda que tenha havido uma alta nos calotes desde então, na esteira da crise causada pela subida na inflação, ela ainda é menor do que no começo da adoção do teto de juros. Diferentemente do cartão de crédito, cuja taxa de calote está 14 pontos percentuais acima de janeiro de 2020.
Talvez exista uma solução melhor para controlar a inadimplência no cartão de crédito, que não envolva uma intervenção direta no mercado. Ainda assim, é coerente que a possibilidade de impor um teto de juros continue na mesa.