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Teto de juros do cheque especial mostra que é coerente limitar a taxa do rotativo

Limite de 8%, proposto pelo governo para dívidas do cartão de crédito, já é usado no cheque especial. Hoje, sem teto nos juros, a inadimplência no rotativo chega a 50%.

Por Tássia Kastner
12 Maio 2023, 05h48

Difícil saber o que é mais polêmico: juros escorchantes de bancos ou intervenção pesada do governo. Uma das propostas de Lula III para conter o alto endividamento da população é limitar as taxas de juros que os bancos podem cobrar no rotativo do cartão de crédito, a linha mais cara do sistema financeiro – e também a com maior índice de calotes.

Hoje, quem deixa de pagar o saldo integral da fatura passa a dever em média 14,9% a mais no mês seguinte. Uma dívida de R$ 1.000 sobe para R$ 1.149 (mais os novos gastos, claro). Em um ano, o débito se multiplicaria por quatro vezes e chegaria a R$ 5.295. 

Parênteses aqui: desde 2017, um banco não pode mais deixar o cliente indefinidamente no rotativo. Passado o primeiro mês, ele precisa parcelar o saldo devedor na forma de um empréstimo pessoal – só que a taxa média de juros nessa modalidade ainda é de proibitivos 9,34% ao mês. Parcelada em 12 vezes, a dívida de R$ 1.000 se transforma em R$ 2.920. 

Hoje, a inadimplência de quem entra no rotativo do cartão de crédito é de 48% – para o banco, é tipo jogar cara ou coroa. Depois do parcelamento da fatura não-paga, os calotes ainda são de 10%.

É aí que mora o coração da proposta do governo e abraçada pelo Congresso Nacional: limitar o juro cobrado no rotativo a 8% ao mês seguinte, de modo a tornar essas dívidas mais pagáveis. Os bancos reclamaram, sob o argumento de que afetaria os mais pobres, que hoje só teriam acesso a cartão de crédito porque há liberdade na cobrança de juros.

Avaliar as consequências de um eventual teto no rotativo, porém, nunca foi tão fácil. Em 2020, entrou em vigor o juro máximo de 8% que os bancos podem cobrar no cheque especial (o crédito rotativo da conta-corrente).

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O uso do cheque especial recuou 18% ao longo do primeiro ano da medida, mas isso foi em 2020, justamente o começo da pandemia. Nessa mesma janela de tempo, o uso do rotativo do cartão caiu 27%. Portanto, não é possível dizer que a razão foi os bancos terem cortado a linha de crédito dos clientes por causa da taxa de juros menor.

Por outro lado, houve uma melhora significativa da inadimplência no cheque especial. Quando o teto de juros foi implementado, os atrasos chegavam a 16,7% dos empréstimos, e eles caíram para menos de 10%, em outubro de 2021. Ainda que tenha havido uma alta nos calotes desde então, na esteira da crise causada pela subida na inflação, ela ainda é menor do que no começo da adoção do teto de juros. Diferentemente do cartão de crédito, cuja taxa de calote está 14 pontos percentuais acima de janeiro de 2020.

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Talvez exista uma solução melhor para controlar a inadimplência no cartão de crédito, que não envolva uma intervenção direta no mercado. Ainda assim, é coerente que a possibilidade de impor um teto de juros continue na mesa. 

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