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MMT: uma aula de terraplanismo econômico

A chamada Teoria Monetária Moderna diz que, em tese, não há limites para os gastos públicos, pois o Estado é quem emite a moeda. O Brasil já acreditou nisso. E o resultado foi tétrico.

Por Alexandre Versignassi
13 jan 2023, 04h47

Teoria Monetária Moderna’ é algo que soa como o tema de uma aula destinada a colocar estudantes para dormir”, disse a The Economist. “Mas entre macroeconomistas o assunto não tem nada de sonífero”, completou a revista.

De fato. Bastaram duas menções à MMT (sigla em inglês da coisa) no relatório final da equipe de transição para que a desconfiança com o futuro da economia brasileira subisse de patamar.

O documento dizia: “A teoria keynesiana tradicional, bem como a chamada Teoria Monetária Moderna (MMT), enfatizam o papel central da política fiscal (em contraposição à política monetária) para recuperar a economia de um país”.

Ligando o tradutor. Isso significa que gastos do governo em obras de infraestrutura, assistência social e crédito subsidiado são ferramentas mais incisivas do que a “política monetária” – os juros do Banco Central. Quando o BC baixa os juros, injeta dinheiro novo nos bancos, via emissão de moeda. E o uso desse dinheiro fica por conta da mão invisível do mercado. Já quando é o governo quem cuida do destino da grana (“política fiscal”), coloca os recursos onde achar mais necessário para criar empregos. Legal.

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O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) defendia isso como ferramenta para girar engrenagens travadas da economia. Sua tese foi posta em prática no Reino Unido e nos EUA durante a Grande Depressão dos anos 1930, e mostrou-se eficaz.

Só que a Teoria Monetária Moderna vai mais longe. Ela reza que o poder de investimento do Estado não tem limites. Basta imprimir dinheiro. Como diz o próprio relatório da equipe de transição. “Cabe também enfatizar, como apontam alguns adeptos da MMT, que o aumento de gastos públicos não pode provocar crise de desconfiança em países que emitem a própria moeda. Ou seja, se o financiamento das despesas fosse feito em moeda estrangeira, seria justificável uma preocupação com a solvência do país. Mas como os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional são em reais, não existe a possibilidade de o governo não pagar.”

Não mesmo. Mas países sérios proíbem que seus bancos centrais emitam moeda para dar ao governo em troca de títulos públicos – a começar pelo nosso, que traz isso explícito no artigo 164 da Constituição.

Sem esse mecanismo, qualquer governo estaria livre para gastar o quanto achasse necessário. Bastaria pedir para o BC emitir dinheiro novo, embolsar e usar à vontade. O freio constitucional existe justamente para evitar inflação – porque não há saída: se você emite dinheiro como se não houvesse amanhã, quem fica sem amanhã é a moeda, pois ela perde o seu valor.

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Os partidários da MMT acham que esse risco é superestimado. Mas deveriam atentar-se a um fato. Uma versão involuntária da Teoria Monetária Moderna foi posta em prática no Brasil durante a ditadura militar.

O governo imprimia dinheiro livremente para bancar o que quisesse. O Banco do Brasil entrava como financiador. Quando não havia dinheiro o bastante em caixa, o BB telefonava para o Banco Central e pedia a emissão de dinheiro. Fácil.

Difícil mesmo foi arcar com a consequência de tanta grana nova entrando na economia. A inflação saltou de 22% em 1973 para 235% em 1985. Essa tubulação de dinheiro ligando o BC ao BB acabou extinta em 1986. Mas já tinha deixado a semente de uma hiperinflação que, em 1993, chegaria a 2.708%. Quem viveu viu.

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Só quando o país instituiu um arcabouço de austeridade monetária chamado Plano Real voltamos a ter uma moeda de verdade – e ganhamos o privilégio de fazer 100% de nossa dívida em moeda nacional. Nos tempos de hiperinflação, afinal, o Estado endividava-se em dólar, já que a moeda brasileira era lixo. O paradoxo: quem tinha transformado a moeda em dejeto foi justamente o Estado, via emissão de dinheiro para bancar gastos públicos. A mesma emissão que, “como apontam alguns adeptos da MMT, não pode provocar crise de desconfiança”. Não pode mesmo: deve provocar desconfiança. Que o novo governo não se deixe seduzir por tal terraplanismo econômico.

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