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Mahle Metal Leve (LEVE3) capta dinheiro na bolsa para pagar dividendos

Operação vai contra a lógica mais elementar do mercado financeiro, com dinheiro de novos acionistas entrando para remunerar os antigos. Entenda.

Por Tássia Kastner
10 nov 2023, 06h10

Quando uma empresa vende ações na bolsa, ela precisa dizer aos futuros acionistas o que pretende fazer com o dinheiro deles. Via de regra, são dois motivos: investir no crescimento do negócio ou pagar dívidas, para desafogar o caixa.

Já a Mahle Metal Leve (LEVE3) fez uma proposta inusitada. Em outubro, a companhia anunciou um plano de follow-on: vender 7,2 milhões de novas ações, o que daria algo como R$ 250 milhões (considerado o preço da ação no fim de outubro). Para onde iria o dinheiro? Para pagar dividendos.

A estimativa da empresa era chegar a proventos de R$ 5,54 por ação (num total de R$ 710 milhões). E o pagamento só vai ser desse tamanho porque estará turbinado pela grana do follow-on. Ou seja: ela literalmente vai usar dinheiro de novos acionistas para pagar rendimentos aos que já estavam no jogo antes.

Apenas em 2023, a Metal Leve já distribuiu R$ 4,357 por ação, o que equivale a um dividend yield de 10,7%. Já é o bastante para colocar a companhia no topo do ranking das boas pagadoras de dividendos, isso só com o lucro efetivamente gerado. Com a bolada extra, o yield salta a 24,3% – o dobro da Selic.

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Depois do anúncio da oferta de ações, a LEVE3 subiu 7% na bolsa. A tendência, quando há uma operação do tipo, é que o papel se desvalorize, porque haverá mais gente com direito a uma fatia nos lucros da companhia – e todo mundo passa a ganhar menos. Só que, nesse caso, o dividendo extra não vai para os novos acionistas (os que se inscreverem no follow-on), só para os antigos (incluindo quem comprou no mercado entre o anúncio do follow-on e sua realização – daí a alta).

E tem mais um detalhe: além da venda de 7,2 milhões de novas ações, os controladores da empresa decidiram se desfazer de pelo menos 7,1 milhões dos papéis que detêm. E aqui está o pulo do gato da operação. Quem controla a Metal Leve é o grupo alemão Mahle. 

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O capital da Metal Leve está dividido da seguinte forma: 60% das ações são detidas pela Mahle Ltda, uma empresa sediada no Brasil, e 10% está sob o controle da Mahle alemã. Os 30% restantes estão no mercado – o free float. Com a operação, a Mahle alemã reduz sua participação na Metal Leve pela metade. 

A Metal Leve é uma empresa de autopeças cuja especialidade são motores a combustão, isso num mundo que caminha de forma acelerada para veículos elétricos. Em algum momento, o negócio da companhia se tornará obsoleto e não existem planos de salvá-la. Há anos o comando da empresa decidiu que distribuiria 100% do lucro na forma de dividendos. Em bom português, significa que a empresa não está fazendo investimentos. 

Apesar desse futuro incerto, no acumulado do ano, a LEVE3 já subiu 32,6%, muito acima do Ibovespa. Ou seja, os donos da companhia estão aproveitando o bom momento para vender ações com lucro e tirar um dos pés do barco. Enquanto isso, eles distraem o mercado com dividendos generosos – mas irreais. Pode isso, Arnaldo?

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