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Huawei se reinventa para driblar sanções americanas

A empresa que capitaneava a implantação de redes 5G pelo mundo passa por maus bocados após Trump impedir a exportação de chips ocidentais para a China. Agora, aposta em tecnologia verde e datacenters para virar o jogo.

Por Bruno Vaiano
11 nov 2022, 06h22

Em 1987, Ren Zhengfei abandonou seu posto de oficial no exército chinês e fundou uma fábrica de hardware para centrais telefônicas – ele fornecia aqueles painéis em que os telefonistas das antigas espetavam os cabos para transferir ligações.

A Huawei existiu sem alarde até 2003, ano em que sua receita foi de US$ 2,1 bilhões. Dali em diante pulou na locomotiva do PIB chinês e cresceu todos os anos, sem pausa, até 2020, quando suas vendas alcançaram um pico de US$ 140 bilhões. Zhengfei entrou na pandemia com 30% do mercado de telecomunicações mundial na mão – a mesma fatia de Nokia e Ericsson somadas. Não estamos falando (só) de smartphones, mas dos bastidores: a infraestrutura milionária usada pelas operadoras para pôr e manter uma rede móvel no ar.

Mas havia uma pedra no meio do caminho: chips. Hoje, a melhor CPU que a China consegue fabricar com tecnologia 100% local equivale a um Intel Pentium 4, de 2004. E, para a agonia de Xi Jinping, a maior fábrica de circuitos de celular do mundo – que também faz os processadores M1 e M2 da Apple, os mais refinados que já equiparam um notebook – fica ao lado, em Taiwan. O maquinário que produz essas pecinhas de silício é protegido por acordos internacionais que evitam a exportação de know-how com utilidade militar para inimigos diplomáticos da OTAN

Isso torna a China uma refém informática dos EUA: sua balança comercial ficou US$ 535 bilhões no verde em 2020, mas o superávit poderia ser maior não fossem os US$ 350 bilhões importados em chips ocidentais que equipam produtos da Huawei, da Lenovo e de outras empresas.

Por isso, Trump apertou onde dói: em 2019, regulou a venda de chips para a China (um golpe duro na fabricação de smartphones) e proibiu também a Huawei de implantar redes 5G nos EUA. Não é só guerra comercial: há o medo de que o governo chinês use essa infraestrutura para espionagem, já que a Huawei é uma queridinha do Partido Comunista, não tem capital aberto e está submetida a uma legislação que pode obrigá-la a colaborar com Xi Jinping. 

Resultado: a receita da empresa, em 2021, caiu 30%. De acordo com a The Economist, o CEO admitiu em um memorando aos funcionários que a Huawei está lutando por sua sobrevivência.

O plano agora é atirar para todo lado, especialmente o lado verde: eles vão fabricar sensores para controle de irrigação em fazendas, sistemas para usinas de geração de energia renovável e softwares para carros elétricos (a Seres, uma fabricante de veículos elétricos chinesa sediada na Califórnia, já vendeu 7,2 mil veículos que rodam com programas da Huawei).

Eles também querem peitar a Alibaba e a Tencent no ramo de datacenters e cloud computing, em busca de um lugar na nuvem. O desfecho desse contra-ataque representará mais do que o futuro de uma gigante tech oriental. Será um termômetro do poder que as sanções americanas realmente têm para conter o avanço chinês numa indústria capitaneada pelos EUA.

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