Conheça o empreendedor afegão que procurou refúgio no Brasil e abriu marca de bolsas
A ambição de Esmatullah Mohsini, ou simplesmente Esmat, deu origem à Esmat Wear: uma confecção de fundamento sustentável. Conheça sua história.
e um vilarejo no interior do Afeganistão, à capital do Irã, a São Paulo. Essa é a jornada percorrida por milhares de refugiados que procuraram o Brasil após a retomada do Talibã no país muçulmano, em agosto de 2021.
Em setembro daquele ano, o Brasil abriu as portas para quem fugia do conflito – o único país do mundo a fazê-lo. Era possível para cidadãos afegãos que tivessem alguns documentos, como passaporte, solicitar um visto de acolhida humanitária em quatro embaixadas brasileiras diferentes em países vizinhos ao Afeganistão. Muitos procuraram refúgio, e o fluxo migratório dessa população ao Brasil viu seu auge no segundo semestre de 2022.
Esmatullah Mohsini pousou no aeroporto de Guarulhos em novembro de 2022, quando tinha 19 anos. Quando o grupo fundamentalista islâmico tomou o vilarejo em que vivia, anos antes da tomada total do país, Esmatullah e alguns membros da família se mudaram para a capital do Irã, Teerã. Com dificuldades de renovar o visto iraniano, ele tentou a oportunidade de seguir para a América do Sul. “A gente não sabia se ia dar certo, porque muitas pessoas não conseguiram [o visto]”, relatou à Você S/A.
Tendo parado os estudos aos 10 anos para ajudar a família na confecção de roupas e bolsas, Esmatullah não sabia falar inglês, muito menos português. O aeroporto de Guarulhos, estampado com placas no alfabeto romano, era indecifrável para os olhos acostumados com o alfabeto árabe – com o qual se escreve o farsi e o pashto, línguas persas mais comuns no Afeganistão.
Foram dois meses vivendo no saguão do aeroporto. Lá, ele conheceu muitos afegãos em busca de abrigo, e muitos brasileiros que tentavam ajudar. Lá, Esmatullah virou Esmat, apelido que ganhou dos colegas.
Durante sua estadia no aeroporto, conheceu Sheila e Charles Chainho, um casal de brasileiros que se afeiçoou ao jovem afegão. O sentimento foi recíproco, e o casal que morava sozinho, logo o acolheu.
Esse é o começo da história da Esmat Wear, marca criada por Esmat, Sheila e Charles.
Primeiros passos
Esmat tinha uma missão principal: aprender português.
Começou o beabá com Sheila, aprendendo a escrever, falar e compreender o idioma. A língua portuguesa, a tal da última flor do Lácio de Olavo Bilac, não é fácil – talvez esse seja um dos poucos consensos no mundo. Aos poucos, foram falando o português em casa com mais naturalidade, e hoje, Esmat fala a língua com fluidez.
Das poucas coisas que sabia sobre a nova vida, uma delas era que gostaria de continuar trabalhando com corte e costura. As opções nesse ramo para um refugiado, no entanto, eram limitadas – fugir de uma precarização extrema parecia uma missão quase impossível.
Dos três partiu o estalo de começar uma produção própria, ao invés de procurar uma confecção onde o imigrante pudesse trabalhar.
No Irã, Esmat cerzia réplicas de bolsas e mochilas de marcas de luxo. Sheila sabia que esse tipo de mercadoria não daria o mesmo lucro aqui – já existe uma tal de 25 de março que supre essa demanda na capital paulista.
De presente, o afegão recebeu uma máquina de costura da mãe brasileira. Ainda que fosse o modelo errado para costurar bolsas, Esmat diz que foi “o melhor presente que poderia ter ganhado”. Com o novo equipamento, começou a usar todos os tecidos espalhados pela casa para criar os primeiros modelos.
Ver esta publicação no Instagram
Sheila e Charles deram o empurrão que ele precisava para profissionalizar a coisa. Pesquisaram e sugeriram uma linha de bolsas e mochilas com tecidos sustentáveis, tingimentos naturais e sem uso de couro animal. O design foi inspirado por marcas esportivas e de itens de aventura europeias, que encontravam pouco no Brasil.
A Esmat Wear é a junção de todos esses fatores e encontros improváveis.
Funcionamento
Até hoje, Esmat é responsável pela confecção de todas as peças à venda no site da marca. Ele desenhou todos os modelos, e costura cada uma das encomendas.
Na verdade, não dá para dizer que ele desenhou todos os modelos. Sheila relata que nunca viu um croqui de Esmat: ele já aparece com as novas bolsas prontas.
“Ele fala: ‘tenho uma ideia de bolsa’. Alguns dias depois, chega com ela feita. Nunca desenha. Fazemos algumas alterações nesse modelo piloto, mas as criações sempre são espontâneas dele”.
Os pais brasileiros continuam animados em ajudá-lo. “Ele é um costureiro de mão cheia. Tudo onde coloca a mão, dá certo”, gabou-se a mãe.
Futuro
Esmat realizou o sonho de ter a própria marca, mas ainda não está satisfeito. Quer expandir e criar linhas de tênis e roupas.
Sua maior vontade, entretanto, é trazer a família, que ainda mora no Irã, para ajudá-lo no negócio. Tenso com a situação de seu país e a animosidade com o país vizinho, gostaria de ter a família por perto.
Com a última atualização das regras para emissões de vistos humanitários para afegãos, a família brasileira está esperançosa em trazer a família afegã de Esmat para viver por aqui.
Brasileiro ou afegão, business is business
Antes de concluir a conversa com a Você S/A, Sheila Chainho fez questão de destacar: Esmatullah é um refugiado afegão que veio ao Brasil e investiu no país.
Ao chegar, conseguiu tirar o próprio CPF, Carteira de Trabalho e Cartão SUS. Conseguiu também abrir seu próprio CNPJ, e logo passou do faturamento anual limite para MEIs. Agora, Esmat tem sua pequena empresa e paga impostos no Brasil.
E ele não é o único. O programa Refugiado Empreendedor, do Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas, o Acnur, ajuda mais de 165 empreendimentos liderados por refugiados.
Levantando dados de 63 participantes, a entidade apontou que 96% dos entrevistados querem expandir seus negócios no Brasil, e 71% já possuem CNPJ, o que significa que operam formalmente. Ainda, 44% contrataram funcionários no país. Para Esmat, as portas se abrem vagarosamente para aqueles que insistem.