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Bancos centrais estão comprando ouro em escala inédita

A procura recorde pelo metal não é só proteção contra a inflação e a possível recessão de 2023: ele também é valioso para países que precisam negociar com a Rússia sem passar pelas sanções ocidentais.

Por Bruno Vaiano
13 jan 2023, 05h04

O ouro já foi o coração do sistema monetário internacional – até 1971, cada dólar equivalia a uma certa quantidade de metal amarelo armazenada nos cofres do banco central americano, e as moedas de vários outros países tinham sua cotação ancorada ao dólar. Hoje todas as moedas do mundo são fiduciárias, ou seja: não possuem lastro. O dinheiro só tem valor porque todo mundo concorda que tem – e confia no órgão emissor, os bancos centrais.

Mesmo assim, o ouro permanece no radar das autoridades monetárias. Mais do que nunca: 2022 foi o ano em que bancos centrais compraram mais ouro desde 1967, quando o padrão-ouro ainda vigorava. Ao todo, 673 toneladas foram para os cofres dessas instituições. O auge rolou no terceiro trimestre, quando os BCs do mundão gastaram, ao todo, US$ 20 bilhões com o metal – o equivalente a 399 toneladas. A demanda global, em setembro, aumentou 28% em relação ao mesmo mês de 2021.

A Turquia é a campeã: adquiriu 31,17 toneladas. Em segundo lugar vem o Uzbequistão, um país de governo autoritário no coração da Ásia, com 26,13 toneladas. Em terceiro e quarto, Índia e Catar, com 17,46 e 14,77. Achou os números pequenos diante do total de 673 toneladas? É que tem um asterisco nesses dados: de acordo com o Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês), uma parcela substancial do metal amarelo foi para as mãos de países que não revelam seus dados, caso de Rússia e China. O que está acontecendo?

A Rússia é a origem obscura para tamanha demanda, de acordo com a Economist. Os países ricos impuseram sanções a Putin para tentar estrangular a guerra na Ucrânia. Quem não está no clube do G7 e não quer romper relações com os russos passou a andar numa corda-bamba ao melhor estilo Guerra Fria. É a turma da Turquia e do Catar, por exemplo.

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Aí o ouro volta a ser moeda em transações comerciais porque passa despercebido pelo radar das instituições financeiras. Carregar o metal do ponto A ao ponto B é um calvário logístico, claro, mas a discrição é o que vale.

Só que nem toda a explicação é tão bélica assim. O ouro ainda é considerado um instrumento de proteção contra a inflação. O Ocidente encara a maior alta nos preços em quarenta anos, diminuindo o poder de compra das moedas fiduciárias. Já o metal é menos vulnerável à desvalorização, porque a quantidade disponível na Terra é limitada. Ele não paga juros aos compradores, como ocorre com investimentos. Por outro lado, não vai à falência nem dá calote.

O ouro também ajuda a diversificar a poupança dos países. O mais comum é que as reservas dos BCs sejam em títulos públicos americanos ou europeus. Beleza. Só que assim você fica refém de Washington e da União Europeia – que podem impedir seu país de pôr a mão na grana. Putin que o diga.

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