A hora e a vez da inteligência emocional: a soft skill que pode mudar sua vida

Estudos mostram que os recrutadores estão priorizando o comportamento dos candidatos a suas habilidades técnicas. Veja quais são as soft skills mais demandadas – e como implementá-las na sua carreira (e currículo) de uma vez por todas.

Por Leo Caparroz e Sofia Kercher
Atualizado em 2 jun 2025, 19h15 - Publicado em 2 jun 2025, 10h07
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 (Colagens: Brenna Oriá/Você S/A)
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uito sobre a vida, sobre a morte e sobre o amor se aprende em Guimarães Rosa. E essa máxima é especialmente verdade no último conto de seu livro de estreia, Sagarana, publicado em 1946.

Ele conta a história de redenção de um personagem de nome Augusto Matraga. No comecinho das 40 páginas que compõem a história, ele é colocado “como um bicho grande do mato”. Tinha temperamento imprevisível; era violento, vingativo. Não se importava com a esposa, Dionóra, tampouco com a filha, Mimita. Não cuidava de sua fazenda, que começa a se arruinar. Tratava seus capangas com desdém e arrogância.

A gota d’água chega para todos à sua volta de uma vez. Dionóra foge com sua filha para viver com outro homem da cidade; os jagunços vão trabalhar para seu inimigo (cortesia da falta de pagamento). Indo tirar satisfações do segundo caso, Matraga sofre uma emboscada, apanha muito e é deixado para morrer.

Inicia-se, então, uma longa jornada redenção adentro. Salvo por um casal de idosos e levado à cidade de Tombador, o personagem de Guimarães tem tempo para sarar e pensar em suas decisões. Escreve: “A tristeza tomou conta de Nhô Augusto. Uma tristeza mansa, com muita saudade da mulher e da filha, e com um dó imenso de si mesmo. Tudo perdido! O resto, ainda podia… Mas, ter a sua família, direito, outra vez, nunca. Nem a filha… Para sempre… E era como se tivesse caído num fundo de abismo, em outro mundo distante”.

Ele reavalia sua miséria, suas decisões. Começa uma nova vida. Trabalha, chora, reza e ajuda os vizinhos que ali moravam. Arrependido de suas maldades, quer ir para o céu, “nem que seja a porrete”. Até o momento de sua heroica morte, que acontece para impedir o sofrimento de uma família inocente, Augusto não deixa de repetir: “Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.

São incontáveis as lições que essa história de Guimarães Rosa traz ao leitor. Ela ensina sobre medo, sobre tristeza, sobre errar. Mas também sobre a coragem de entender o que acontece dentro de si. De se conhecer – e, especialmente, de mudar.

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Ainda que o livro esteja quase fazendo aniversário de 70 anos, as virtudes ali listadas não perderam a relevância. Ao contrário: estão sendo cada vez mais demandadas pelos escritórios mundo afora. Segundo novos dados do Fórum Econômico Mundial, 50% dos trabalhadores precisarão de novas habilidades para se qualificar em 2025. No topo da lista, está a chamada inteligência emocional. 

Segundo um estudo feito pela Harvard Business Review, a demanda por funcionários com alta inteligência emocional vai aumentar em 26% até 2030. Hoje, 71% dos empregadores valorizam mais a inteligência emocional do que habilidades técnicas. Isso mesmo: ter feito uma universidade de prestígio começa a ter menos valor do que resiliência, paciência e boa comunicação na hora de conseguir um trampo.

E esses predicados não apenas fazem com que você consiga colocar os pés na porta, eles também são o motivo por trás da sua permanência na organização. Segundo dados da empresa de desenvolvimento de habilidades TalentSmartEQ, 75% dos gestores já procuram essa habilidade na hora de oferecer aumentos e promoções aos seus funcionários.

O que é inteligência emocional?

O termo foi cunhado pela dupla de pesquisadores Peter Salovey e John D. Mayer. Em 1990, eles publicaram o artigo “Emotional Intelligence”, inglês para inteligência emocional, no periódico científico Imagination, Cognition and Personality. Lá, eles definem a inteligência emocional como “um conjunto de habilidades que aparentam contribuir para a avaliação e expressão precisas das emoções em si mesmo e nos outros, a regulação eficaz das emoções em si mesmo e nos outros, e o uso dos sentimentos para motivar, planejar e alcançar objetivos na vida”.

Inteligência emocional é isso: a habilidade de gerenciar suas próprias emoções e de entender as emoções das pessoas ao seu redor.

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Mas quem popularizou o termo mesmo foi Daniel Goleman, psicólogo, autor e jornalista científico. Goleman escreveu durante 12 anos sobre neurociência e comportamento para o The New York Times e, em 1995, lançou o livro Inteligência emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. A obra passou um ano e meio como best-seller e já foi traduzida para 40 idiomas.

Os quatro pilares da inteligência emocional

Goleman divide a inteligência emocional em quatro pilares principais: autoconsciência, autorregulação, consciência social e gerenciamento de relacionamentos. Vamos, rapidamente, falar sobre cada um deles.

Segundo o próprio Goleman, a autoconsciência, que é a capacidade de reconhecer um sentimento quando ele ocorre, está no cerne da inteligência emocional. Antes de poder lidar com seus sentimentos, você precisa saber identificá-los. Na hora que bater uma emoção complicada, você tem de reconhecê-la para poder entender o que fazer com ela.

“A incapacidade de observar nossos verdadeiros sentimentos nos deixa à mercê deles. As pessoas mais seguras acerca de seus próprios sentimentos são melhores pilotos de suas vidas, tendo uma consciência maior de como se sentem em relação a decisões pessoais, desde com quem se casar a que emprego aceitar”, escreve Goleman.

Uma pesquisa de 2018 publicada no periódico Emotion Review defende que colocar nossos sentimentos em palavras pode atenuar as experiências. Seria como uma regulação emocional implícita, em que, ao nomear uma sensação, você também diminui o impacto que ela tem sobre você.

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Mas não é só conseguir nomear e colocar cada sentimento em uma caixinha rotulada. Autoconsciência também é entender como cada emoção te afeta. Sua ansiedade te deixa mais agitado ou te paralisa? Sua tristeza te deixa irritado? Sua raiva te motiva ou te corrompe? Saber das consequências dos seus sentimentos no seu estado te ajuda a definir o curso de ação.

Mais importante, saber disso também te ajuda na autorregulação. Talvez você conheça esse pilar pelo nome de autocontrole emocional. Trata-se da capacidade de manter emoções indesejadas sob controle e não deixar que elas tomem conta de você em momentos de estresse.

“Com equilíbrio emocional, você reconhece emoções disruptivas emoções que atrapalham, como ansiedade intensa, medo intenso ou raiva repentina e encontra maneiras de gerenciar suas emoções e impulsos. Você se mantém calmo e lúcido sob estresse, mesmo durante uma crise”, diz Daniel.

Em seguida, vamos falar sobre a consciência social. Trata-se da conhecida empatia, a capacidade de entender como outra pessoa está se sentindo. Pessoas empáticas reconhecem, conscientemente ou não, pistas emocionais em outras pessoas. Com isso, podem se colocar no lugar de outra pessoa como se estivessem vivenciando aquela emoção.

Ter uma forte consciência social é importante para o último pilar da inteligência emocional: o gerenciamento de relacionamentos. Segundo Daniel Goleman, “a arte de se relacionar é, em grande parte, a aptidão de lidar com as emoções dos outros”. Ter essa aptidão em excelência te torna uma estrela social, e você será capaz de interagir com outros tranquilamente.

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Se a empatia é entender como as pessoas estão se sentindo, relacionar-se é navegar suas percepções da emoção dos outros em busca da melhor rota. As outras pessoas também têm sentimentos (por incrível que pareça) e ter conhecimento de que suas ações podem afetar o estado emocional dos outros é a base de um bom relacionamento.

A inteligência emocional, para o autor, são basicamente duas duplinhas: entender a si mesmo e se controlar; entender o outro e lidar com ele. Por mais que pareça difícil, nosso cérebro é um órgão extremamente flexível, capaz de aprender constantemente. “As nossas falhas em aptidões emocionais podem ser remediadas: em grande parte, cada um desses campos representa um conjunto de hábitos e respostas que, com o devido esforço, pode ser aprimorado”, escreve.

Não é porque seu chefe fez uma crítica ao seu trabalho que você vai passar o expediente inteiro bravo, nervoso e irritado. Não é saudável que um momento ruim acabe com o seu dia. Inteligência emocional é reconhecer a emoção que uma experiência te trouxe, entender como ela te faz sentir, como ela influencia seu comportamento e tentar mantê-la no lugar. É difícil, mas, com prática, é possível.

“Nosso cérebro é maleável. É preciso treinar a nossa forma de pensar ao longo do expediente, para uma crítica ou conflito não te derrubarem”, diz Gisele Helder, especialista em comportamento humano.

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Olhando para dentro de si

Uma das frases mais célebres de Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, é a seguinte: “As pessoas são contratadas por suas habilidades técnicas, mas são demitidas pelos seus comportamentos”.

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O que Drucker está querendo dizer é que o desenvolvimento individual terá, sim, reflexos no seu ambiente de trabalho. “Não há uma máquina de descontaminação do ambiente. Você sente, ao longo do seu expediente, todas as emoções que sentiria fora dele. Inveja, raiva, tristeza, alegria… as reações do corpo acontecem da mesma forma. O que nos resta é aprender a lidar com elas”, complementa a psicóloga de carreira Andréa Krug.

Essa, segundo a especialista, é a chave para a verdadeira inteligência emocional: entender o que é preciso para fazer com que suas emoções caibam dentro do lugar que você está. “Muita gente acha que ela consiste em disfarçar a sua emoção, não senti-la. Mas a realidade é diferente: não é omitir seus sentimentos, e sim entendê-los e adaptá-los”, explica.

E como fazer isso? Entendendo que, ao contrário da maior parte dos processos que envolvem o trabalho, essas emoções não são objetivas. Pela sua própria história de vida e personalidade, existem sentimentos que serão despertados em determinados acontecimentos. E isso é complexo no mundo corporativo, no qual as pessoas tendem a ser mais pragmáticas.

Para começar a olhar para dentro de si, autoavaliação ao resgate. Ela é uma ferramenta importante do mundo corporativo e serve para nos ajudar a fazer um raio X do que você precisa desenvolver (a gente ensina a montar o seu nesta reportagem aqui).

Acima de tudo, o importante é manter a criatividade. Nesse contexto de valorização da inteligência emocional, fazer um curso de teatro, uma arte marcial, até um trabalho voluntário podem ser extremamente valiosos para seu currículo. “Afinal, enquanto estamos vivos estamos em movimento, em constante estado de mudança. Tudo que mostre que eu sei disso e estou me adaptando e evoluindo vale a pena”, argumenta Ana Plihal, head do LinkedIn Brasil.

No currículo

Claro, há a grande questão: adicionar ao currículo que você fez uma universidade de prestígio ou um curso relevante é muito mais fácil do que explicar que você é resiliente. Então como mostrar esse lado tão importante logo na primeira etapa de um processo seletivo?

Andréa Krug, que também tem longo histórico como recrutadora, afirma que, via de regra, os candidatos costumam usar o currículo em ordem cronológica. E isso os leva a pontuar tarefas que fizeram, não realizações que atingiram. “Mostrar aquilo que você conquistou, e descrever a forma como o fez, é essencial para mostrar logo de cara sua inteligência emocional”, explica.

Segundo a especialista em comportamento humano Gisele Helder, também é possível anexar um perfil comportamental ao seu currículo. Contudo, para a especialista, o momento de deixar claro seu interesse em autodesenvolvimento é na entrevista de emprego. “Ela é tudo! Permite que você fale abertamente sobre receber feedbacks, sobre sua abordagem com mudanças e conflitos, sobre resiliência. É preciso aproveitar aquele espaço”, indica Gisele.

Lembre-se: a faculdade que você fez e os cursos nos quais você se inscreveu já constam em seu currículo. Na entrevista, o que vale é deixar que o comportamental sobressaia. “Nesse mundo de habilidades técnicas que não param de mudar, serão as habilidades humanas que farão com que você seja um profissional mais duradouro dentro do mundo corporativo”, reflete Ana, do LinkedIn.

Falando nele, a profissional também argumenta que a infraestrutura da rede azulzinha está lá para mostrar as múltiplas facetas do profissional. Por meio dela, os recrutadores podem analisar o que você publica, o que pensa, suas reflexões e interações com outros colegas. “Ser ativo por lá permite tangibilizar uma certa competência”, diz.

“A chave é demonstrar que você está disposto a desenvolver habilidades que te compõem como ser humano, e também o levam a se conhecer e, consequentemente, a trabalhar melhor”, finaliza.

Para além das 9h às 18h

Essas habilidades não vão ser boas só para a sua carreira – obviamente. Inteligência emocional é algo que você deve levar para todas as esferas da sua vida. Afinal, ela não é importante só dentro do escritório: também afeta seus relacionamentos, sua saúde física e mental.

As coisas nem sempre saem do jeito que a gente espera ou que a gente quer. Quando a vida te der limões, a inteligência emocional pode ser o equipamento necessário para transformá-los em uma deliciosa torta de limão. Ser emocionalmente inteligente significa que você é capaz de ser atingido pelas adversidades da vida e se levantar, pronto para mais uma. Você consegue lidar melhor com o estresse, adaptar-se às mudanças e se recuperar de contratempos.

A inteligência emocional é um grande conjunto de habilidades pessoais que você pode desenvolver e que vão te ajudar a entender e a lidar melhor com os seus sentimentos e os das outras pessoas. Com isso, você estará preparado para ter relacionamentos mais profundos, tomar decisões com mais calma e se comunicar melhor e com mais clareza.

De novo, tudo isso vai muito além do seu expediente. Reiterando o que Andréa Krug disse alguns parágrafos atrás: o trabalho é só uma extensão de como você vive. Ao bater o ponto, você não se transforma magicamente em outra pessoa, todos os problemas e questões que te atrapalham e afligem fora do horário de trabalho ainda vão estar lá das 9h às 18h.

“Inteligência emocional diz respeito a sobrevivência. Ela te blinda, é uma proteção, algo que garante sua integridade consigo mesmo”, afirma Gisele Helder.

Desenvolvimento pessoal é para a vida. Mas, com o universo do trabalho cada vez mais volátil e demandante, a inteligência emocional é, sim, uma soft skill que pode te colocar na vantagem contra muitos concorrentes. Lidar bem com dificuldades e emoções intensas é um diferencial importante – no expediente e fora dele.

No conto de Guimarães Rosa, o padre aconselhou Nhô Augusto: “Modere esse mau gênio: faça de conta que ele é um potro bravo, e que você é mais mandante do que ele”. Inteligência emocional é assumir o controle de nossas emoções e dizer onde e quando elas têm hora e vez.

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