Como não ser um profissional frio
A frieza é vista como racionalidade, lógica, pragmatismo e até maturidade. Mas não precisa ser assim.
Esse título causou estranheza? Afinal, por que dedicar um artigo inteiro para comentar como um profissional não deve ser? Mais ainda: por que explicar os motivos para uma pessoa não ser fria? Alguém, por um acaso, quer deliberadamente ser frio? Sobre essa última pergunta, já adianto que a resposta aparentemente é sim. Calma, vou explicar.
Todo ano, o Google Trends faz uma retrospectiva das principais buscas no último ciclo. O resultado é dividido em várias categorias e uma delas é de perguntas. Por exemplo, as principais buscas que começam com “como ser”. E sabe o que as pessoas mais procuraram nesse sentido aqui no Brasil? Pois é, como ser uma pessoa fria.
Achei o resultado curioso e fui checar o que surgia dessa busca. Queria entender quais recomendações apareciam e algumas delas me chamaram a atenção. Vi conteúdos que relacionavam a frieza com a maturidade e outros que ensinavam como ser uma pessoa fria para conseguir tomar decisões difíceis.
Entendo que, em alguns contextos, a palavra “fria” pode assumir um sentido de pragmatismo. Alguém que, por exemplo, consegue decidir algo em um momento de pressão de forma prática, sem se deixar levar pelas emoções.
Isso tudo, claro, são suposições minhas sobre o teor desses conteúdos, não vou me aprofundar no que os textos queriam ou não dizer. Meu foco aqui, na verdade, é discutir essa ideia inconsciente de que por trás da frieza há mais racionalidade, lógica, pragmatismo e até maturidade. Uma ideia que, de certa forma, passa a mensagem de que demonstrar emoções pode ser um sinal de fraqueza.
Quem me conhece sabe que não penso assim. Sou uma pessoa em que pulsam emoções, que gosta mais do calor humano do que do frio do distanciamento entre as pessoas. No entanto, independentemente do meu jeito de ser e das minhas preferências pessoais, entendo que o novo mundo do trabalho é aquele em que as emoções são demonstradas e acolhidas.
Isso porque essa valorização do aspecto emocional conecta os profissionais, faz com que eles consigam desenvolver mais empatia, desmistifica aquela imagem de super-herói da liderança e humaniza as relações de trabalho. Uma consequência prática disso tudo para o negócio é uma aproximação também do cliente, a criação de vínculo em que marcas não são apenas logos, mas representam identidade e afeto.
Ainda que nada disso que escrevi acima seja novidade, olhar para esse resultado da pesquisa do ano de 2021 do Google Trends me fez pensar que ainda há muito a ser feito para mudar a mentalidade das pessoas. E é essa contribuição que gostaria de deixar aqui.
Se você percebe que na sua empresa ainda existe essa ideia de que devemos cultivar relações mais frias, de que os profissionais devem esconder os seus sentimentos, seguem algumas dicas para começar a transformar essa cultura:
- Dê o exemplo mostrando a sua vulnerabilidade
Eu sei, quase todo mundo já ouviu falar na Brené Brown e no famoso TEDTalk sobre o assunto. Porém, o meu conselho é trazer esse discurso para a prática do dia a dia, começando por você.
A ideia não é expor algo que gere desconforto, mas humanizar as relações de trabalho, compartilhando histórias que mostrem que, por mais experiente que seja, você também já passou por momentos de incertezas ou já se sentiu inseguro(a). A intenção, veja bem, é naturalizar sentimentos que fazem parte do nosso dia a dia, mas que nos sentimos na obrigação de esconder.
Ao trazer uma história de vulnerabilidade para a roda, mostrando que esses sentimentos fazem parte e que as pessoas não precisam passar por eles sozinhos, você pode ajudar outra pessoa que está passando por algo parecido. São momentos assim que ajudam a criar um ambiente de confiança e de encorajamento no trabalho. - Reserve um tempo da reunião para se conectar com as pessoas
Claro, não dá para fazer isso toda vez, às vezes alguns encontros precisam ser mais rápidos e práticos. Mas, se for possível, pense em reservar alguns minutos no começo da conversa com a equipe para, por exemplo, perguntar qual filme as pessoas viram no fim de semana, pedir uma recomendação de leitura, enfim, interagir com o aspecto humano do seu time. Se você não ocupar uma posição de liderança, pode sugerir essa ideia.
Isso porque, muitas vezes, na correria do dia a dia, os rituais do trabalho se tornam mecânicos e falta aquela “pausa do café” para bater um papo e saber como o outro está — e esse distanciamento emocional pode ter ficado ainda maior no modelo remoto. Separar alguns minutos para esse tipo de conversa ajuda a conhecer melhor com quem trabalhamos, às vezes até descobrir novos talentos, e, sobretudo, a mostrar que nos preocupamos não só com o crachá, mas com a pessoa que está por trás dele. - Dê atenção ao próximo e pratique a escuta ativa
Acredito que parte da frieza do mundo está na falta de atenção que dedicamos um ao outro. E isso, na minha opinião, passa pela escuta. Ou, melhor dizendo, pela falta dela.
Quando pensamos na comunicação, costumamos associá-la apenas ao emissor, a ideia de transmitir uma mensagem para alguém. Só que, para o diálogo ser estabelecido, ele também precisa de ouvidos atentos.
Na prática, isso significa que rituais como o do feedback, da avaliação de desempenho ou mesmo reuniões cotidianas precisam ser momentos de fala empática, mas também de escuta ativa. Ou seja, momentos em que as pessoas estão abertas para ouvir o que um colega está compartilhando, tentar entender o ponto de vista e expor dúvidas ou contrapontos com respeito.
A nossa atenção é uma das coisas mais valiosas que podemos oferecer ao outro. É uma demonstração de respeito e até de afeto. Uma postura de quem, no Google e na vida, busca como NÃO ser uma pessoa fria.