Como a comunicação molda – ou sabota – a diversidade e a inclusão
Quantas pessoas desenhariam uma mulher ao ouvir o termo "presidente"? Escolhas sutis de imagens e palavras alimentam vieses que afastam pessoas.

Meses atrás, eu estava na recepção de uma empresa aguardando para iniciar uma consultoria. Folheando o folder institucional, algo me chamou atenção: todas as fotos e ilustrações mostravam apenas homens brancos, alguns no ambiente corporativo e outros no operacional. Nenhuma mulher, nenhuma pessoa negra ou PcD, nenhuma diversidade. Quando comentei com o CEO, ele ficou surpreso: “Nunca tínhamos reparado”.
Comunicação não é apenas o que dizemos explicitamente, mas também o que fica subentendido nas imagens, expressões ou palavras que utilizamos. Dentro das empresas, as palavras ou imagens escolhidas, desde um simples e-mail até campanhas publicitárias, podem acolher ou excluir, construir pontes ou erguer barreiras invisíveis. Mesmo sem intenção, alimentamos diariamente vieses inconscientes que reforçam padrões e excluem grupos inteiros.
Um experimento realizado pela MullenLowe London com crianças no Reino Unido ilustra bem isso: ao pedir para as crianças desenharem pessoas de profissões como piloto (pilot), bombeiro (firefighter) e cirurgião (surgeon) – termos neutros em inglês –, quase todas as crianças desenharam homens.
A surpresa veio quando uma pessoa de cada profissão visitou a sala de aula e as crianças descobriram que eram todas mulheres. Para elas, aquela possibilidade simplesmente não existia. No Brasil, poderíamos fazer algo semelhante: quantas crianças desenhariam uma mulher ao ouvir a palavra “presidente” ou “pessoa que pilota um avião”?
No mundo corporativo, estudos mostram que, quando anúncios de vagas usam termos associados ao comportamento masculino, como “ambicioso”, “competitivo” ou “agressivo”, eles afastam as candidatas. Além disso, segundo um artigo publicado na Harvard Business Review, mulheres só costumam se candidatar a vagas quando cumprem quase todos os requisitos descritos, enquanto homens geralmente se sentem confiantes para se candidatar mesmo atendendo parcialmente às exigências.
O uso do padrão masculino da linguagem, como “engenheiro” ou “diretor”, também acaba pressupondo uma imagem masculina. Substituir esses termos por “pessoa engenheira” ou “liderança comercial” cria uma percepção de maior abertura, reduzindo barreiras para pessoas de diferentes gêneros e origens. Se as empresas adotassem linguagens mais inclusivas, enfatizando desenvolvimento, colaboração e oportunidades de crescimento, provavelmente teriam mais diversidade em suas equipes.
Outro exemplo ocorre no meio acadêmico: as referências bibliográficas, segundo as regras da ABNT, reduzem nomes femininos a iniciais, reforçando inconscientemente a ideia de que o autor de um estudo é homem. E essa influência da linguagem nos vieses inconscientes também se aplica à comunicação visual.
Até profissionais femininas reforçam esses padrões
Recentemente, em um evento corporativo, assisti a um vídeo de uma empresa que mostrava apenas homens nas cenas principais, e ícones e símbolos fortemente associados à vestimenta masculina, como o paletó e a gravata. Curiosamente, o vídeo havia sido aprovado por uma equipe majoritariamente feminina, evidenciando que vieses são coletivos e inconscientes. Por isso, é preciso estender essa diversidade para contemplar outros tipos de vivência, como as múltiplas orientações sexuais e identidades de gênero, idade, raça, classe social, grupos neurodiversos e pessoas com deficiência. É uma prática essencial para evitar que a comunicação represente uma microagressão involuntária.
Ao cuidar do que comunicamos, não estamos apenas mudando palavras ou imagens, mas moldando a cultura, abrindo espaço e oferecendo às pessoas oportunidades iguais de serem vistas, valorizadas e respeitadas. A comunicação inclusiva é um movimento estratégico para a construção de ambientes mais humanos, diversos e genuinamente inclusivos. Afinal, pequenas palavras do dia a dia têm o poder de mudar a realidade.