Liderar nas férias: o que a gestão da rotina familiar ensina sobre liderança
Lidar com as férias escolares das crianças pode ser desafiador para pais e mães que trabalham. Contudo, esse momento em família pode te ajudar a desenvolver valiosas habilidades profissionais

Nas férias escolares, enquanto muitas crianças ganham um recesso merecido, seus pais seguem “girando pratos”. Reuniões continuam, metas permanecem, mas a escola fecha as portas. O trabalho segue a todo vapor – e, dentro de casa, a conta não fecha.
Para muitas mulheres, especificamente, essa equação resulta em sobrecarga emocional, culpa e planejamento digno de diretoria executiva. Segundo o IBGE, as mulheres ainda dedicam quase o triplo do tempo dos homens aos cuidados com a casa e os filhos.
No entanto, os pais estão cada vez mais sendo chamados à arena do cuidado. Não como apoio, mas como corresponsáveis. Para muitos, esse convite é novo, desconfortável, desafiador, como todo bom começo.
Voltando ao assunto ‘férias”, faço um convite ao pai e a mãe: e se esse momento fosse considerado também um treinamento real e profundo em liderança com propósito?
Assumir as férias dos filhos não é só uma questão de logística. É uma chance real de exercitar a liderança que o mundo corporativo também exige. Coordenar uma família em pleno recesso escolar demanda visão sistêmica, tomada de decisão sob pressão, escuta ativa, negociação constante e, principalmente, presença.
Costumo dizer que a parentalidade é um laboratório de competências. E as férias são, talvez, o módulo mais intenso. Você aprende a reagir rápido quando o plano A falha às 9h da manhã. Aprende a priorizar o essencial quando percebe que não vai dar para fazer tudo. Aprende a ajustar o tom de voz – mesmo exausta(o), porque o ambiente emocional da casa responde a cada gesto – a ouvir o que não foi dito e a manter o time motivado sem bônus e sem tempo para feedbacks estruturados.
A diferença é que, aqui, o termômetro do sucesso não está no lucro do trimestre, mas nos olhos dos filhos ao fim do dia.
Este ano minha filha faz 10. Quando percebi que talvez restem apenas oito férias de julho até o fim da escola, até ela sair de casa ou preferir outros planos, algo em mim virou. A cobrança silenciosa de “criar memórias” se intensificou. Como se fosse nossa responsabilidade transformar dias comuns em lembranças mágicas. Como se, mesmo cansados, devêssemos garantir que o cheiro da infância tenha gosto de bolo, de aconchego, de casa viva.
Mas, talvez, as memórias marcantes não estejam nas viagens caras, nem nas programações mirabolantes. E, sim, na forma como a gente olha. Na disponibilidade real para brincar por 15 minutos sem checar o celular. No jeito de dizer “bom dia” e “boa noite” com atenção.
E o que isso tem a ver com o mundo do trabalho? Tudo.
Durante as férias escolares, você, mãe ou pai, exerce na prática competências que o mundo corporativo tanto valoriza, mas nem sempre reconhece:
- Quando coordena a rotina da casa levando em conta as múltiplas idades, interesses e agendas, está exercitando visão estratégica.
- Quando negocia limites de tela com empatia e firmeza, está treinando comunicação assertiva e escuta ativa.
- Quando ajusta expectativas, aceita imprevistos e ainda busca criar momentos de vínculo, está praticando resiliência, adaptabilidade e liderança com propósito.
E mais:
- Se consegue sustentar uma manhã com criança em casa, reuniões ao fundo e ainda manter um clima minimamente funcional, você tem o que o mercado chama de gestão de crises.
- Se transforma o cansaço em pausa para conexão, está cultivando inteligência emocional.
- E se faz tudo isso sem esquecer de si mesma(o), está, enfim, aprendendo a liderar com propósito – o seu, inclusive.
Essas habilidades não são um complemento à sua atuação profissional. Elas são uma formação contínua, em tempo real.
Como levar esse aprendizado para o trabalho?
- Pratique o que já faz: decida rápido com as informações que tem. Ajuste o plano conforme a realidade. Isso é estratégia viva.
- Ouça com presença: a escuta que você oferece aos seus filhos pode ser aplicada aos seus pares. Uma escuta sem pressa, que acolhe antes de responder.
- Lembre o que importa: as férias te lembram do essencial. Leve isso para as decisões profissionais. Nem tudo é urgente. Mas algumas coisas são inegociáveis.
- Construa confiança no dia a dia: assim como em casa, no trabalho não basta mandar — é preciso sustentar o ambiente. Bons líderes cuidam.
- Celebre os pequenos avanços: quando o dia flui — seja em casa ou no trabalho — vale a pena reconhecer. O reconhecimento dá força para seguir.
No fim das contas, as férias escolares podem ser um tempo intenso, desafiador, transformador. E se você lembrar do cargo que ocupa como líder talvez perceba que não está improvisando tanto assim. Você só está sendo treinado(a) num campo onde o impacto é imediato, a resposta é sincera e o vínculo é inegociável.
Se funciona com as crianças… pode funcionar com sua equipe também.