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Seus colegas estão bem mesmo? Veja como pares e líderes podem ajudar

Os problemas psicológicos estão crescendo durante a pandemia da covid-19. Conversar abertamente com o pessoal do trabalho pode ajudar a aliviar o problema

Por Paula Simões
Atualizado em 17 out 2024, 11h04 - Publicado em 7 ago 2020, 07h00
Dico Babosa, publicitário: o aumento do estresse no começo da pandemia o estimulou a falar com os colegas sobre bem-estar psicológico (Celso Doni/VOCÊ S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 266, em 17 de julho de 2020. 

Isolamento social, medo de contágio, perda de membros da família e insegurança em relação ao emprego são fatores que fizeram a Organização Mundial da Saúde (OMS) identificar, em relatório publicado em maio, um impacto preocupante no bem-estar psíquico durante a pandemia da covid-19. Doen­ças mentais como depressão, ansiedade, burnout, entre outras, não são novidade. Em 2017, a OMS já havia avaliado que mais de 300 milhões de pessoas tinham depressão e 260 milhões enfrentavam transtorno de ansiedade, sendo que a maioria sofria de ambos. Mas a pesquisa feita por causa da crise do coronavírus mostrou que pessoas que antes estavam com equilíbrio psicológico passaram a não estar tão bem; outras que haviam tido alguns episódios de ansiedade e estresse tiveram mais casos; e as que já possuíam­ efetivamente doenças mentais em estado contínuo tiveram uma piora no quadro e redução da funcionalidade.

Parte da solução

É importante entender que nem sempre quem está com problemas desse tipo consegue identificá-los ou se sente encorajado a pedir ajuda. Por isso os colegas têm um papel tão importante: podem notar se pares, subordinados ou chefes estão sofrendo psicologicamente e oferecer ajuda.

De acordo com especialistas, os sinais podem ser identificados até na rotina do home office. Comportamentos como dificuldade para acompanhar reuniões, desorganização, problemas de memória, desânimo e apatia são indicativos de que algo não vai bem. Também é preciso ficar de olho em mudanças de atitude, como alguém que era calmo e se tornou mais agressivo ou alguém que vivia animado e perdeu toda a disposição.

A ajuda começa quando alguém se coloca à disposição para escutar os colegas. Assim, cria-se um espaço seguro para compreender como está a saúde mental deles. “Conte uma história de sua própria vida e fale o que fez para lidar com aquela situação. Assim você não está invadindo, não está impondo nada nem sendo autoritário. Está se colocando disponível, sem tentar resolver o problema do outro”, diz Cristiana Wadt, psicóloga analítica sistêmica

Foi o que fez o publicitário Dico Babosa, de 33 anos, que, no começo do isolamento, teve crises de ansiedade. “Depois disso comecei a perguntar com mais frequência a meus colegas se eles estavam bem, e isso abriu espaço para começarem a me procurar e a desabafar sobre as ansiedades que também estavam sofrendo”, afirma. Com os bate-papos, ele notou que havia um alto nível de estresse, causado pela própria pressão no trabalho, somado com pressão em casa, tensão ao ler notícias, entre outras coisas. “Nessas conversas informais passei a tentar dar mais apoio a eles”, diz o publicitário.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Cuidado com as palavras

No intuito de ajudar, muitos podem fazer afirmações que invalidam os sentimentos alheios — o que só atrapalha. “Não tente motivar alguém com frases de lugar-comum, como ‘você não tem motivos para se sentir assim’. Isso aumenta o sentimento de culpa de quem tem depressão. Prefira mostrar compreensão e encorajá-lo a buscar soluções médicas”, explica Wagner Gattaz, professor titular de psiquiatria na Universidade de São Paulo e CEO da Gattaz Health & Results.

Isso aconteceu com a consultora de restaurantes e bares Lívia Stefaneli, de 31 anos, no início de sua carreira, quando tinha apenas 18 anos. Na época, uma colega de trabalho notou uma mudança em seu comportamento e, na tentativa de ajudar, a abordou pontuan­do que ela estaria com depressão. Misturando a imaturidade e o tabu em torno da doença, Lívia entrou, de fato, em depressão. “Na verdade, eu estava com sintomas de burnout: fazia faculdade, estágio, exercícios e, quando ela disse isso, fiquei com a sensação de que havia falhado”, diz Lívia. “Foram três anos de terapia e tratamento para entender isso, mas que também foram bons para com­preender muitas outras coisas.”

Líderes, atenção!

O medo de perder o emprego, que acaba sendo potencializado pela crise econômica que todo o mundo vive, faz com que as pessoas se sintam inseguras para pedir ajuda ou mesmo precisar se afastar. Embora algumas empresas estigmatizem profissionais com problemas desse tipo, para Ricardo Basaglia, diretor-geral da empresa de recrutamento Page Group, o risco de demissão está mais relacionado, para além deste momento, com a história que foi construída na empresa. “É muito improvável que alguém nessa situação não tenha nenhum tipo de problema. Mas cada um tem um perfil e reage de uma forma. Não há demérito nenhum em enfrentar problemas relacionados à saúde mental.”

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O gestor precisa escutar e criar uma relação de empatia em que o funcionário se sinta à vontade para se expor — e, quando o próprio chefe demonstra vulnerabilidade, isso fica mais fácil. “A maior parte dos profissionais tem ‘síndrome do super-homem’, o que reforça o medo de expor suas fraquezas. Mas, quando falamos de seres humanos, é muito difícil ter controle e potência ao mesmo tempo”, diz Ricardo.

A empatia foi importante para a bancária Denise Muramatsu, de 38 anos, retornar à empresa depois de um período de cinco meses de afastamento por causa de questões de saúde mental. Seu chefe havia passado por uma situação semelhante e a acolheu. “Ele era muito bom com gestão de pessoas e sabia o que estava acontecendo comigo. Recebi bastante suporte dele e da equipe, que preparou um café da manhã quando voltei.”

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Denise Muramatsu, bancária: apoio do chefe e dos pares foi essencial para tratar um quadro de síndrome do pânico, ansiedade e depressão (Celso Doni/VOCÊ S/A)

Denise relata que o estopim para receber o diagnóstico foi uma crise de pânico no meio do ambiente de trabalho. “Eu senti que estava para ter uma crise, algo que já vinha sentindo em densidades menores, e pedi para uma colega me ajudar a ir ao ambulatório. Porém, no meio do caminho, eu desabei e passei muito mal. A área toda parou, preocupada com o que estava acontecendo”, recorda. A médica da empresa foi incisiva e falou que só iria liberá-la se ela tivesse uma consulta marcada com um psiquiatra ainda naquela tarde. “Àquela altura, já não adiantaria mais o tratamento com um psicólogo. Eu tinha de iniciar o uso de medicamentos.”

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O que aconteceu com a bancária não foi de um dia para outro. Havia condições psicológicas preexistentes que, somadas ao estresse do trabalho, culminaram em um diagnóstico de síndrome do pânico, ansiedade e depressão. “Hoje, sinto-me muito segura quanto à minha saúde mental. Eu não faço mais o tratamento com remédios, continuo na terapia e sei que a qualquer sintoma posso recorrer a esse tipo de ajuda.” Para a surpresa de Denise, a experiência fez com que outros colegas a procurassem e se abrissem sobre estar passando ou ter passado por problemas semelhantes. “Até a minha crise, meus colegas não entendiam a saúde mental como um problema palpável. Nem eu”, diz a bancária.

Hora de desmistificar

Para o médico Wagner Gattaz, o tabu em torno das doenças psicológicas atrapalha o diagnóstico. Ele afirma que leva, em média, cinco anos entre os primeiros sintomas e o início do tratamento. E, em casos graves, a doença pode destruir famílias e carreiras. “Tive um paciente que levou dez anos para ter o diagnóstico e encontrar o tratamento adequado. Nisso, ele acabou perdendo tudo: se separou, perdeu o escritório e se perguntava se àquela altura ainda fazia algum sentido se tratar”, diz Wagner.

Por isso é importante entender que doenças mentais são como quaisquer outras — demandam tratamento e naturalidade para falar sobre o assunto. “É como diabetes, hipertireoidismo, pressão alta. As empresas devem compreender que, quando um profissional é afastado precocemente por tais problemas, o retorno costuma ser rápido com o tratamento, entre três e quatro semanas”, explica Wagner.

E talvez este momento de pandemia, quando todo mundo está em contato com ansiedades e inseguranças, seja um divisor de águas para que as empresas compreendam a necessidade de disseminar noções de qualidade de vida mental. A psicóloga Desirée Cassado, que também é professora na The School of Life, explica: “É um momento único, em que o trabalho entra no ambiente doméstico. Conhecer a vulnerabilidade do outro pode gerar cumplicidade para cada um se abrir mais sobre esses assuntos”.

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