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Por que a produção de artigos científicos por mulheres caiu brutalmente

O impacto da pandemia de coronavírus no número de artigos científicos feitos por mulheres foi brutal, aponta advogada Luciana Slosbergas

Por Luciana Slosbergas*
Atualizado em 2 jul 2020, 10h26 - Publicado em 30 jun 2020, 14h20
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 (AntonioGuillem/Thinkstock)
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Já era esperado que o período de isolamento social, causado pela pandemia da Covid-19, traria mudanças e desafios às pessoas, em especial às mulheres.

Com a nova rotina imposta – home office, participação em reuniões por videoconferências, fechamento de escolas e creches, acompanhamento de aulas à distância – muitas mulheres, de baixa renda ou mesmo as bem sucedidas, viram-se sozinhas com os cuidados não só do trabalho, mas dos filhos, das refeições, da limpeza da casa, da educação das crianças e, não raro, dos idosos ou doentes na família, afastando-as totalmente de suas atividades.

A violência doméstica foi algo que aumentou assustadoramente, em várias regiões do Brasil e do mundo. Porém, não somente a violência física, a comportamental também se evidenciou. O fato de as pessoas estarem em casa escancara a desigual economia do cuidado, em que a responsabilidade e sobrecarga são das mulheres.

A antropóloga Débora Diniz, em recente entrevista, alerta para um fator de extrema relevância: “As mulheres da economia do cuidado perderam um elo fundamental para a sobrevivência: a conexão com outras mulheres para tomar conta das crianças. As avós têm um papel fundamental para as mulheres trabalhadoras mais precarizadas e, com essa pandemia, houve a segmentação dos mais velhos”.

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Mas foi da produção científica que a mulher foi radicalmente afastada, neste período de pandemia. Já há algum tempo, as mulheres protagonizam na educação superior brasileira. Censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2016, apontou que elas representavam 57,2% dos alunos matriculados nos cursos de graduação e 45,5% na docência.

Em março de 2019, o Brasil era o país ibero-americano com a maior porcentagem de artigos científicos assinados por mulheres, seja como autora principal ou como coautora, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Entre 2014 e 2017, o Brasil publicou cerca de 53,3 mil artigos, dos quais 72% foram assinados por mulheres.

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É evidente que, diante da pandemia e das mudanças comportamentais que trouxe, a produção científica seria reduzida.  Contudo, o impacto no número de artigos científicos feitos por mulheres foi brutal.

De acordo com a reportagem publicada no jornal The Guardian, a Dra. Elizabeth Hannon, editora do British Journal for the Philosophy of Science, percebeu, em abril, que o número de artigos enviados à publicação e feitos por mulheres havia caído drasticamente. No entanto, isto não se aplicava à quantidade de pesquisas assinadas por homens.

Um levantamento do projeto brasileiro Parent in Science tenta calcular o dano da pandemia e da desigualdade de condições para docentes, pesquisadores e alunos de pós-doutorado, doutorado e mestrado. Atualmente, dos 2 mil acadêmicos pesquisados, 70% são mulheres. Os resultados são preliminares, mas já revelam um cenário alarmante.

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Perguntados sobre ter um artigo científico quase pronto ou em vias de publicação, os entrevistados analisaram o impacto do isolamento social na conclusão do trabalho: 40% das mulheres sem filhos não concluíram seus artigos, contra 20% dos homens na mesma condição. Dentre os que têm filhos, 52% das mulheres não concluíram seus artigos, contra 38% dos homens.

Já a renomada revista Comparative Political Studies informa que as entregas de artigos escritos por homens aumentaram quase 50% em abril, de acordo com seu coeditor, David Samuels.

A preocupação é que o isolamento social agrave mais ainda a desigualdade de gênero em uma área que, mesmo antes da pandemia, já não era equilibrada.

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O número de artigos publicados por uma pesquisadora, por exemplo, é condição essencial para a sua aprovação em editais de projetos de pesquisa, concursos públicos e progressão de carreira.

Se levarmos em conta que as mulheres dedicam o dobro do tempo com os afazeres domésticos, em relação aos homens, a tendência é que, com o prolongamento do isolamento, elas sejam ainda mais prejudicadas.

Uma pesquisa realizada em 2018, por um departamento do IBGE, chamado Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, revelou que a mulher gasta, em média, 21 horas e 3 minutos por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas, enquanto o homem gasta, em média, para realizar as mesmas tarefas, 10 horas e 9 minutos.

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Inúmeros desafios ainda estão por vir, causados pela pandemia. No caso das pesquisadoras, um deles, certamente, será exigir que os prazos de submissão de relatórios de financiamento, pedidos de financiamento ou bolsas de pesquisa sejam estendidos.

Caso contrário, quem terá maior facilidade para conseguir fazer esses pedidos serão os homens, nunca as pesquisadoras com filho. O que só vai acentuar essa desigualdade séria que já temos nas academias.

Outro desafio que as pesquisadoras terão que enfrentar é a inclusão das informações sobre licenças-maternidade e/ou paternidade na plataforma Lattes. O que hoje é impossível, pois o sistema simplesmente não conta com esse campo para inserir tais informações.

Sabe-se que uma licença-maternidade pode impactar na publicação de artigos científicos por três a quatro anos após o parto e tais vácuos de pesquisas e produções podem atrapalhar a carreira de pesquisadoras. Portanto, é de suma importância que essas informações constem na plataforma, como forma de justificar ausência de produção científica neste período.

Por último, para concluir, é certo que as conquistas femininas até aqui foram importantes, porém, diante do panorama apresentado, é possível perceber que não são ainda suficientes. Os desafios são diários e a luta é constante na conquista de igualdade de condições e de espaço para realizações de seus projetos.

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*Advogada do Filhorini Advogados Associados, especialista em Direito do Trabalho pela PUCSP. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e diretora de Relações Governamentais da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt).

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