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Executiva conta como foi de pianista a CEO de empresa multinacional

CEO da BrandLoyalty, Beatriz Ramos fala sobre os desafios de desbravar um mercado novo no Brasil e de liderar uma multinacional em crescimento acelerado

Por Mariana Poli, da VOCÊ S/A
Atualizado em 20 dez 2019, 11h00 - Publicado em 16 Maio 2019, 06h00

Responsável pela febre dos selinhos de troca nos supermercados brasileiros, Beatriz Ramos, de 38 anos, tem uma história diferente. Quem a vê comandar a BrandLoyalty, multinacional holandesa especializada nessas campanhas de fidelização, não imagina que, antes de se tornar CEO, ela era uma proeminente pianista.

Beatriz estudou no Conservatório Nacional de Haia, na Holanda, e se formou na Juilliard School, tradicional escola de música de Nova York. Aos 21 anos, começou a sentir fortes dores no braço e descobriu que uma fratura malcuidada durante a infância a impediria de continuar tocando.

Longe dos concertos, virou executiva da Sony Music, onde trabalhou até 2011, quando foi contratada para iniciar no Brasil a operação da BrandLoyalty  — que cresce 75% ao ano e faturou 200 milhões de reais em 2018. A seguir, Beatriz fala dos desafios dessa jornada.

Como você chegou à BrandLoyalty?

Quando era responsável pela área digital da Sony na Holanda, eu liderei um projeto global de selinhos envolvendo nossos artistas para incentivar downloads digitais. Foi uma negociação pesadíssima com a Brand­Loyalty. A Sony não aceitava receber 0,30 dólar por um download que custava 0,99.

Quando finalmente fechamos acordo, o CEO deles falou: “Agora vem trabalhar para mim, pois teria feito melhor negócio se você não estivesse do outro lado da mesa. Queremos abrir uma operação no Brasil e você é a pessoa certa”.

Por que decidiu fazer uma mudança de carreira arrojada como essa?

A Sony foi uma grande escola, mas eu estava frustrada com o ritmo de mudanças ali dentro. Entrei jovem, pensando: “O CD morreu e vou convencê-los a investir no digital”.

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Só que os executivos eram tradicionais. Deixaram o Steve Jobs criar o iTunes. Quando recebi o convite da BrandLoyalty, estava com 31 anos, acreditava muito no conceito do negócio e sabia que, ao iniciar a empresa do zero, teria autonomia para agir. Também sentia vontade de voltar para o Brasil.

 

Você iniciou a BrandLoyalty no país em 2012. Seus desafios mudaram muito de lá para cá?

No começo, ninguém conhecia a empresa. Eu tinha de vender um conceito novo e convencer os varejistas. Ninguém acreditava que utilizar selinhos poderia gerar um aumento de até 15% nas vendas.

Eu também tinha de persuadir a matriz do potencial brasileiro. Hoje não preciso mais convencer ninguém. Meu maior desafio é atrair talentos que vão sustentar nosso crescimento.

Planejamos faturar 300 milhões de reais em 2019 e dobrar o quadro até 2020. Atualmente, somos em 30. Só não expandimos mais porque não podemos fechar negócios sem garantir que haverá equipe capaz de entregá-los com excelência.

 

O que leva em conta na hora de recrutar esses profissionais?

Não contrato currículo, contrato pessoas. Busco profissionais com capacidade analítica e vontade de contribuir. Priorizo histórias de vida que demonstrem resiliência.

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Apesar de sermos uma multinacional, nada está pronto. O ritmo é acelerado e temos de estar preparados para implementar em 2 horas, não em dois meses. Por outro lado, o nível de exposição a projetos em nossa empresa é alto e há possibilidade de deixar a assinatura como profissional.

Sempre reforço que somos uma equipe pequena mudando a cara do varejo brasileiro. Hoje, fala-se de selinhos no churrasco, nas redes sociais.

 

Além de ser formada em música, você também é economista. Como se deu essa formação tão distinta?

A música era minha paixão. Mas, nesse mundo, só se fala de música. Sempre tive interesses variados. Assim, enquanto estudava na Juilliard, decidi cursar economia na Universidade Columbia para expandir e conhecer um novo grupo de pes­soas.

Nunca fui artista de delegar. Eu negociava cachês, fechava contratos e organizava festivais. Quando tive o problema no braço e parei de tocar, não foi fácil. Depois do baque, pensei que poderia unir música com business. Alguns colegas de faculdade estavam trabalhando na Sony em Nova York.

Mandei currículo e, um belo dia, fui chamada para participar da seleção de um programa global de trainee da gravadora. Eles estavam recrutando dez talentos ao redor do mundo para influenciar a liderança e fui escolhida.

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Sua capacidade de negociação lhe rendeu um cargo de CEO. Que estratégias usa para convencer pessoas?

A regra número 1 é valorizar a perspectiva do outro. Em negociações calorosas, se você não considerar o ponto de vista alheio, não haverá acordo comum.

Outra coisa, eu falo “não”. Muitos vendedores dizem “sim” para tudo. Há ideias que parecem boas, mas com nossa experiência sabemos que não funcionarão.

Eu e meu time nega­mos projetos que nos dariam vantagens, mas prejudicariam a outra parte. Isso gera confiança e credibilidade.

Você foi contratada grávida e desembarcou no Brasil para implementar a operação com um bebê de 2 meses. O que diria às mulheres que buscam conciliar liderança com maternidade?

Tentem olhar as coisas de outra forma. Foi difícil, mas eu evitei a vitimização. Eu pensava: talvez estivesse infeliz na Sony agora. Além disso, estava mais perto de meus pais e tinha o privilégio de morar ao lado do escritório.

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Meu marido deixou um emprego de diretor na Holanda para me acompanhar e não falava uma palavra em português, mas podia estar em casa com nosso filho.

Era chato tirar leite com bombinha no banheiro do avião para amamentá-lo? Era. Mas racionalizei para ver o lado positivo da situação.

 

Dificulta ser mulher e jovem à frente de uma multinacional?

Não, porque não deixo dificultar. Muitas vezes, os homens encaram uma jovem executiva como “menininha” e não se preparam tão bem quanto se fossem negociar com um homem.

Quando a conversa acaba, estão perdidos sem entender o que houve, porque conheço meu negócio e sei argumentar com dados. Já estive em conversas com oito executivos, todos homens, jogando com meu emocional, dizendo frases como “você não está sendo legal”. Algo que jamais falariam a outro homem.

 

Como lida com essas situações?

Lembro-me de uma vez, em Londres, durante uma reunião com um CEO e outros executivos. Quando entrei na sala, um deles me pediu para ir pegar café. Meu superior ficou calado.

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Saí, busquei o café, sentei-me, entreguei meu cartão. Meu chefe, que tinha um humor bem inglês, perguntou: “Quer pedir mais alguma coisa para ela?”

Olha, eu levo na boa, porque acho que não avançaremos no embate frontal com eles. Nesse sentido, acredito no movimento ­HeForShe [campanha da ONU para envolver os homens na defesa da igualdade de gênero].

 

Qual é o feedback mais importante que já recebeu na carreira?

O pianista tem um nível de exigência alto, pois o público que assiste a concertos não aceita uma nota errada. Certa vez, um colega disse que eu não deveria esperar dos outros o que esperava de mim mesma.

Que eu tinha de entender as limitações, os recursos e o tempo de cada um. Depois disso, repensei o jeito de liderar e passei a me colocar no lugar do outro. Além de me frustrar menos, incentivo as pessoas a fazer melhor.

 

Como você enxerga o futuro da BrandLoyalty no Brasil?

Temos de estar preparados para manter nossa excelência impecável, independentemente dos desafios e das surpresas que o país possa nos impor.

O foco agora é fortalecer a empresa em termos de estrutura, mantendo a taxa de crescimento, a qualidade da entrega e a inovação.

Vamos introduzir o selinho digital, expandir para outros estados e desenvolver parceiros locais, fazendo com que marcas famosas daqui sejam conhecidas lá fora.

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