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De qual líder precisamos agora?

Descubra por que é hora de deixar o comando e controle de lado e abraçar a sensibilidade

Por Nataly Pugliesi
19 out 2020, 10h36

“A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conve­niência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio.” Essa frase, dita pelo ganhador do Nobel da Paz de 1964 e ativista contra o racismo nos Estados Unidos, Martin Luther King Jr., pode ser aplicada com exatidão ao mundo do trabalho de hoje.

A crise tão profunda do coronavírus gera insegurança quanto ao futuro e exige um rápido poder de adaptação das empresas e dos profissionais. E quem precisa absorver os impactos da pandemia e conseguir transformar os negócios são as lideranças. Mas qual é o tipo de líder que se destaca neste momento de caos e incerteza? Será que apenas os super-heróis têm a capacidade de aguentar o baque e direcionar os esforços para o futuro?

Segundo os especialistas, não é necessário ter poderes sobrenaturais para gerenciar neste momento. As habilidades requisitadas são essencialmente humanas. “O líder é mortal e consegue assumir suas fragilidades, não tem medo de dizer que não tem todas as respostas, mas se mantém próximo, cria saídas novas junto com o time e passa a tranquilidade de que fará o que tiver de ser feito”, afirma Márcio Fernandes, sócio fundador da Thutor, consultoria especializada em formação de lideranças.

Aos gestores que estão na linha de frente, o mundo está pedindo protagonismo — e essa é uma grande chance para mostrar valor e se desenvolver. “A faceta mais importante da liderança é, sem dúvida, a de que mais precisamos agora: a capacidade de promover a mudança”, diz Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional e liderança no Insper.

E, para Delphine Gibassier, professora especializada em sustentabilidade na universidade francesa Audencia Business School, as transformações só poderão ser conduzidas por gestores diferentes dos tradicionais. “As características dos líderes de que precisamos agora são distintas daquelas que nos foram apresentadas no passado. É preciso demonstrar ânimo e ter paixão; ter coragem e resiliência, mas também humanidade e humildade.”

Comportamentos fundamentais

Neste contexto que exige, em uma mão, equilibrar a sobrevivência do negócio e a necessidade de transformação e, na outra, as demandas e os anseios dos times, três linhas de liderança se destacam: a positiva, a compassiva e a situacional. Embora tenham suas especificidades, todas possuem algo em comum — a defesa de gestores mais próximos, mais humanos e que usam a empatia (ou seja, a perspectiva do outro) para tomar decisões.
Os traços foram mapeados como fundamentais para momentos de crise no estudo Liderando em Tempos de Trauma (Leading in Times of Trauma), da americana Western Washington University.

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A motivação para os professores conduzirem a pesquisa, que começou em 2002, veio dos atentados ao World Trade Center, em 2001. Os cinco professores responsáveis pelo estudo acompanharam, ao longo de dois anos, funcionários e líderes de companhias impactadas pelo ataque terrorista. O objetivo era entender como as empresas podem incentivar ou acelerar a cura. E a resposta foi a compaixão.

A publicação conta, entre outras, a história de Edmond English, presidente do grupo TJX, detentor das marcas Marshalls e HomeGoods, que perdeu sete funcionários que estavam a bordo de um dos aviões que atingiu as Torres Gêmeas. Logo após os ataques, o executivo reuniu sua equipe para confirmar o nome das vítimas, ligou, aos prantos, para os conselheiros da empresa e fretou um avião para trazer os parentes das vítimas do Canadá e da Europa à sede americana em Massachusetts. Ele fez questão de receber as famílias pessoalmente quando chegaram ao estacionamento da sede, à meia-noite de 15 de setembro.

(Arte/Você S/A)

Segundo a publicação, um gesto como esse é sinal de uma liderança compassiva, aquela que não só é empática, entendendo a dor do outro, mas que também sente a mesma dor, não teme demonstrá-la e age na tentativa de ajudar seus funcionários. A compaixão, ainda de acordo com os professores, ajuda as pessoas a se curar mais rapidamente, tendo resiliência para se recuperar de futuros reveses com mais facilidade, e também aumenta o apego dos profissionais aos colegas e à própria empresa. “Descobrimos que a capacidade de um líder de permitir sua compaixão afeta a capacidade da organização de manter alto desempenho em situações difíceis. Promove a capacidade de uma empresa de curar, aprender, adaptar-se e se sobressair”, dizem os pesquisadores no estudo.

Jason M. Kanov, um dos autores, lidou recentemente com a própria dor quando descobriu um problema no coração que o levou a uma cirurgia aos 40 anos, e pôde experimentar o resultado da pesquisa na pele. “Embora a experiência tenha sido desestabilizadora, o reconhecimento dela por aqueles com quem trabalho foi profundamente humanizante e, em última análise, curativo”, detalhou o professor de administração na Faculdade de Negócios e Economia da Western Washington University no artigo escrito para o Journal of Management Inquiry. “Isso transformou a maneira como eu me relacionava com outras pessoas, possibilitando conexões mais profundas e significativas, e influenciou o modo como eu abordava meu trabalho, me levando, por exemplo, a uma mudança nas prioridades profissionais. (…) Para ser claro, há um tremendo valor nas pessoas que respondem ao sofrimento com compaixão.”

Para Jason, na crise do coronavírus, em que líderes e liderados estão, salvo os contextos socioeconômicos, vivendo na mesma seara de medo e incertezas, há uma oportunidade para aprofundar as conexões. Isso poderia ser feito por meio do reconhecimento e da aceitação do sofrimento alheio — o que tornaria os líderes mais humanos e mais próximos e, consequentemente, aprofundaria as conexões. “Apoiar um ao outro durante tempos dolorosos. Esse é um tipo de liderança que desejamos, aquela que nutre a própria humanidade e que torna pessoas — e organizações — excelentes”, conclui o artigo Liderando em Tempos de Trauma.

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Pequenas conquistas

De acordo com os autores, compaixão é agir na empatia. Ou seja, é dar um passo à frente, mostrando-se vulnerável e tomando uma atitude para diminuir o desconforto do time. “Compartilhar sentimentos e a própria vulnerabilidade pode aproximar muito as pessoas e, como consequência, produzir resultados extraordinários para a organização e para todos que compartilham daquele mesmo propósito”, diz João Marcio Souza, fundador do Talenses Group e CEO da Talenses Executive na América Latina.

Para fazer isso, é preciso começar a demonstrar que você, como líder, também sofre, como escrevem os autores do artigo da Western Washington University: “Comece dando o exemplo, revelando abertamente sua própria humanidade. Quando as pessoas sabem que podem trazer sua dor ao escritório, elas não precisam mais gastar energia tentando ignorá-la e podem eficazmente se concentrar no trabalho”.

Tais conceitos se assemelham muito aos da liderança positiva, que prega que o líder cultive a empatia e enalteça os pontos fortes de cada membro do time, liderando-os na busca por resultados. Baseada nos conceitos da psicologia positiva, criada pelo psicólogo norte-americano Martin Seligman, a teoria diz que o chefe que enxerga as fortalezas dos liderados e comemora pequenas conquistas no dia a dia (mesmo em um ambiente de trabalho remoto e em circunstâncias difíceis) consegue se conectar e é capaz de encorajar, orientar e inspirar. Sendo valorizados, os profissionais se sentem mais engajados e, consequentemente, produzem melhor. “Os sensos de gratidão e motivação para seguir em frente ficam ainda mais evidentes quando o líder ajuda outras pessoas”, afirma Minoru Ueda, master coach e autor do livro Liderança Positiva (Qualitymark, edição esgotada).

Segundo Minoru, a inteligência emocional e as soft skills dos gestores nunca foram tão requisitadas. “Quando a economia está girando, você alcança os resultados apesar de suas competências emocionais. Em um cenário como este, essas habilidades são o diferencial no resultado da liderança”, diz o coach. Ao mesmo tempo, por líderes e liderados estarem presenciando situações parecidas durante a pandemia, desenvolver a empatia parece mais fácil agora. “Todo mundo viveu uma perda, seja de contato, seja de liberdade. Além disso, as pessoas se sentem isoladas, receosas e acumulando tarefas. Os líderes estão reencontrando a própria humanidade nas outras pessoas e se saem melhor quando conseguem mostrar essa vulnerabilidade sem perder a autenticidade, assumindo ainda seu papel de condutor”, afirma Minoru.

Desenvolver tais habilidades durante a pandemia, mesmo liderando remotamente, também é possível. A liderança positiva sugere, inclusive, uma fórmula: a razão três para um, de Barbara L. Fredrickson, professora do Departamento de Psicologia e Neurociência da Universidade da Carolina do Norte. Segundo ela, o bom gestor deve fazer três interações positivas para cada referência negativa. “Observando os profissionais em suas pesquisas, ela concluiu que aqueles que recebiam esse tratamento formavam equipes de alta performance”, diz Minoru.

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Longe, mas perto

Ouvir ativamente os problemas e desafios dos funcionários e validar aqueles sentimentos, além de pontuar e enaltecer o esforço que cada um está fazendo, apontando o que realiza para merecer o elogio, são práticas importantes e que podem facilmente ser aplicadas nas videoconferências. “Faça um bate-papo com as pessoas pelo menos uma vez por semana. Ao fim da reunião, ligue para um ou dois que estejam precisando de sua atenção especial. Tente captar quem está mais deprimido, quem não está lidando bem com isso. Não equalize as pessoas”, sugere Márcio, da Thutor.

Outra competência requerida a qualquer bom líder e que, neste momento, está sendo ainda mais requisitada é a fala assertiva e transparente, que transmite informações do presente, mostra quais são as expectativas em relação ao trabalho e compartilha os panoramas futuros. “É por meio da comunicação efetiva que eu engajo as pessoas, as mobilizo e as inspiro para o mesmo caminho. É preciso ter a capacidade de influenciar e de manejar bem as mudanças”, diz Tatiana, do Insper.

Em um cenário de constantes mudanças, em que os gestores estão tendo a necessidade de tomar rápidas e importantes decisões a todo momento, lidando com novas e diferentes informações dia após dia, outra escola de gestão se torna uma aliada: a liderança situacional, teoria desenvolvida por Paul Hersey e Kenneth Blanchard.

(Arte/Você S/A)

Trata-se de um modelo em que o gestor adapta seus comportamentos de acordo com o cenário e o nível de maturidade de cada membro da equipe. “Quando as pessoas estão pressionadas, sentem menos confiança em suas competências, perdem maturidade e ficam paralisadas. Nessa hora, a liderança tem de mudar seu estilo. Se não passa decisões claras e estruturadas, os liderados não conseguem agir. É preciso ser mais pedagógico do que antes”, afirma Luiz Carlos Cabrera, fundador da consultoria de recrutamento LCabrera e professor na FGV Eaesp.

De acordo com a teoria, os líderes devem transitar situacionalmente da seguinte forma: quando alguém da equipe perde a confiança, o gestor adota o estilo direcionador e dá uma ordem estruturada, basicamente um passo a passo. Quando a confiança e a maturidade diante do problema melhoram um pouco, ele passa a ser o orientador, aquele que apresenta opções e sugere caminhos aos liderados.

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Depois, torna-se o apoiador, que se mostra disponível para o que a equipe precisar, dá sugestões, mas deixa o time livre para decidir. A última atitude é delegar, quando tanto a confiança do profissional em relação a si mesmo quanto a do líder em relação a seu time são restabelecidas. E os níveis de maturidade podem variar de empregado para empregado e de tempos em tempos durante a crise. “Estamos no momento em que todos, inclusive os gestores, podem estar com a confiança e a maturidade abaladas, mas as pessoas não podem ficar sem rumo. Assim, os líderes têm de ter mais agilidade em recuperar sua confiança para assumir o papel de direcionadores”, diz Luiz Carlos.

Recuperar a confiança tem a ver com retomar a coragem — algo essencial neste momento. Por iso, é hora de os líderes vencerem o receio de tomar as rédeas da situação e usarem esse arsenal de práticas que compartilhamos para tentar, falhar, aprender com os erros e começar tudo de novo. “Em meio ao caos, você é capaz de desenvolver muitos recursos: priorizar rotas, ter empatia, agilidade e humildade. O autoconhecimento é importante. Tenha consciência de seus próprios limites, seja modesto e reflita sobre o que você pode ou não fazer”, diz ­Delphine, da francesa Audencia Business School. O momento não é para super-heróis, mas para humanos corajosos, que agem apesar do medo e das circunstâncias.

Coragem e sensibilidade

(Divulgação/Você S/A)

Cristina Palmaka, presidente da SAP no Brasil

Coragem e sensibilidade têm sido as habilidades das quais Cristina Palmaka, de 51 anos, presidente da SAP no Brasil, tem lançado mão para liderar na pandemia. Todos os 2.200 profissionais da empresa de tecnologia, inclusive os do laboratório, estão em home office. O resultado financeiro neste ano não será como o esperado, pois projetos foram paralisados ou postergados, mas Cristina assinou o manifesto Não Demita, que prega a preservação de empregos durante a crise.

“Nosso maior ativo é o capital intelectual das pessoas e fazemos de tudo para preservá-las.” Como estratégia, neste momento, a presidente tem se cercado de uma equipe com olhar multidisciplinar para agilizar o processo decisório. “Às vezes é mais importante tomar decisões rápidas do que perfeitas. É preciso ter muita humildade para dizer que não tem as respostas, mas mesmo assim ter coragem de tentar. E, se errar, corrigir o curso.”

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Todo esse processo intensificou o olhar da empresa para questões de saúde mental. Cristina faz mensalmente o Chá com a Presidente, uma videoconferência para discutir especialmente essa questão, e fica de olho naqueles que precisam de uma atenção especial. “Esses dias percebi que um de meus líderes estava precisando de um cuidado. Desliguei a ligação e mandei entregar chocolates na casa dele. Não é o chocolate em si, é o gesto de presença. Ter sensibilidade é muito importante.” A SAP está oferecendo aulas online de ioga, disponibilizou terapia por teleatendimento, e alguns funcionários têm se oferecido para fazer lives contando suas experiências no isolamento. “Estamos ficando mais humanos, porque estamos mais próximos e entrando na casa das pessoas.”

Coerência e presença

(Cristiano Mariz/Você S/A)

Lídia Abdalla, presidente do Grupo Sabin

A presidente do Grupo Sabin, Lídia Abdalla, de 46 anos, entrou como trainee há 21 anos na instituição e trilhou uma carreira na área técnica até chegar ao cargo atual, em 2014. Mas nunca deixou a paixão pela operação e, por isso, é reconhecida por se fazer presente e passar muito tempo circulando entre as pessoas.

Lídia participa até hoje das entrevistas de recrutamento para as áreas de pesquisa. “Gosto de ouvir, de conhecer e de entender. Dessa forma eu erro menos, formo uma visão do todo.” Com o fechamento das cidades desde março, ela, que tem 5.400 empregados, sendo 70% na linha de frente, reestruturou as operações: treinou pessoas, triplicou o atendimento em coleta domiciliar e montou um drive-thru, em que as pacientes pagam e agendam os exames pelo aplicativo e só vão até o local fazer a coleta no próprio carro. Mesmo assim, a demanda por exames eletivos caiu, 30% das unidades foram fechadas e 30% das equipes foram colocadas em férias compulsórias. Cerca de 15% do quadro total foi para home office.

Nesse momento, Lídia convocou a liderança a refletir sobre seu papel. “Dei a possibilidade de home office a todos, mas disse que ficaria na linha de frente com nossos times, e os executivos me acompanharam. Temos de ser coerentes, e nossa missão como área de saúde, que é servir os outros, nunca esteve tão próxima de nós”, diz Lídia, que disponibiliza seu número de celular para todos. “Nosso propósito é inspirar nossas pessoas a cuidar de pessoas. Eu estou aqui cuidando deles para que eles continuem cuidando de nossos pacientes.” Em maio, a própria presidente fez uma videochamada para 100% da empresa e ela tem gravado vídeos curtos com mensagens importantes que são transmitidos via WhatsApp para os times espalhados em 53 cidades do Brasil todo.

Esperança e gratidão

(Filipe Redondo/Você S/A)

Otto Von Sothen, presidente do Grupo Tigre

“Flexibilidade para mudar de direção com frequência porque vivemos um momento fluido.” Esse é o lema de Otto Von Sothen, de 58 anos, presidente do Grupo Tigre, fabricante de tintas e materiais de construção. Para sentir a temperatura do time e compartilhar informações, ele tem feito reuniões remotas diárias com toda a liderança e videoconferência para se aproximar dos mais de 6.000 funcionários espalhados pelo Brasil, pela América Latina e pelos Estados Unidos. Além disso, conduz conversas individuais com aqueles que necessitam de ajuda.

“Em momentos como este, precisamos ser transparentes e assertivos, mas, principalmente, saber comunicar esperança.” Isso foi algo que Otto aprendeu quando presidia a subsidiária venezuelana da Pepsico, durante o governo de Hugo Chávez. “Minha missão era resgatar a esperança das pessoas no próprio país para que conti­nuassem produzindo.” Para fazer isso hoje, ele fala abertamente sobre o contexto, o que a Tigre está fazendo em relação à prorrogação de pagamento de clientes, como estão reforçando o caixa e os cuidados que estão tomando.

“É preciso tratar as pessoas como adultos, admitindo que não tem todas as respostas, mas compartilhando os passos. Isso diminui incertezas e dá um pouco de tranquilidade.” As medidas tomadas nos diferentes paí­ses estão oscilando entre redução e suspensão de jornada, evitando ao máximo demissões. No Brasil, Otto adotou a diminuição de salários com percentual variando de acordo com a senioridade. “Os cargos mais altos tiveram maior percentual de redução, e o meu foi um dos maiores cortes. O exemplo tem de vir de mim.” A gratidão também tem sido uma arma poderosa no combate a esta crise. “Não há sequer um dia em que eu deixe de agradecer a eles por segurarem as pontas.”

Transparência e cuidado

(Filipe Redondo/Você S/A)

Sérgio Ribas, presidente do Grupo HabitaSul

Sérgio Ribas, de 54 anos, é presidente do Grupo HabitaSul, que reúne a Irani Papel e Embalagem e a Companhia HabitaSul de Participações, rede de hotéis e shopping na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis. Sob sua liderança estão 2.500 pessoas, que vivem a realidade de setores bem diferentes. Enquanto as atividades hoteleiras e do shopping foram paralisadas, a demanda por embalagens se manteve em alta, já que as caixas são destinadas à indústria alimentícia e à exportação.

“Nosso desafio foi manter a produção garantindo a saúde de nossas pessoas e fazendo com que se sentissem seguras para ir ao trabalho. E, ao mesmo tempo, reduzir salários na outra empresa sem perder a confiança do time.” Um comitê de crise formado pela diretoria das duas companhias com reuniões diárias deliberava sobre tudo, e também havia reuniões semanais com gerentes e mensais com coordenadores.

“Tomamos algumas medidas proativas em benefício das pessoas por nos colocarmos no lugar delas e entendermos a situação, e isso fez brilhar os olhos de todos.” Por exemplo, envio de cadeiras dos escritórios para a casa dos funcionários ou um comodato para a compra de cadeiras novas e auxílio de 100 reais retroativos ao mês de março para pagar despesa de internet e conta de luz.

E, desde junho, os salários cortados já foram restabelecidos. “Entendemos que já era possível e que era justo. E o cuidado e o respeito que demonstramos pelos times fazem com que o engajamento aumente. Eles estão dando o melhor porque querem o melhor para a empresa que cuida deles também.” A festa de 79 anos da companhia aconteceu por webinar, com palestra da atriz Denise Fraga sobre gentileza. Para manter a proximidade entre as pessoas e a empresa, todos receberam em casa um kit com nécessaire, álcool em gel, máscaras e um brownie. “São pequenas coisas que fazem o sentimento de pertencimento se fortalecer, inclusive nesses momentos.”

O que elas têm?

Por que países comandados por mulheres se saíram melhor na luta contra a covid-19

Os países com melhor desempenho no combate ao novo coronavírus têm uma coisa em comum: mulheres no comando. Islândia, Taiwan, Finlândia, Dinamarca, Nova Zelândia e o maior deles, Alemanha, são liderados por gestoras que impressionam na maneira de exercer o poder. Todas levaram a sério o problema que tinham em mãos e adotaram, rapidamente, estratégias para proteger a população de seu país. “Mulheres são boas administrando crises, pois são capazes de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, como gerir adversidades no cotidiano”, afirma Minoru Ueda, master coach.

Tsai Ing-wen, de Taiwan, por exemplo, ao primeiro sinal da doença, em janeiro, adotou 124 medidas sem ter de decretar isolamento. A Islândia, sob o comando de Katrín Jakobsdóttir, está oferecendo testes gratuitos a todos os cidadãos. Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, impôs o autoisolamento às pessoas quando havia apenas seis casos em todo o país e fez pronunciamentos constantes, na televisão e nas redes sociais, reforçando a importância das medidas tomadas. Uma de suas falas ficou famosa: ao ser questionada por uma criança sobre se o Coelhinho da Páscoa poderia trabalhar, Jacinda disse que ele e a Fada dos Dentes eram trabalhadores essenciais.

“As líderes femininas estão se saindo melhor porque mostraram, especialmente na Nova Zelândia, qualidades de liderança distintas, como empatia, compaixão e escuta. Elas também são mais propensas à colaboração. Muito diferente dos discursos de ‘guerra’ que ouvimos”, afirma a professora francesa Delphine Gibassier, da Audencia Business School.

A sensibilidade existe, também, para adaptar as mensagens aos diferentes públicos. Sanna Marin, de 34 anos, primeira-ministra da Finlândia, percebeu que nem todos assistem ao noticiário e usou influenciadores de redes sociais como multiplicadores de informação. A primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, fez uma “coletiva de imprensa” apenas para crianças e explicou que, se os pequenos estivessem com medo, não havia problema.

Os bons resultados dessas líderes — a Alemanha de Angela Merkel, por exemplo, foi um dos primeiros países europeus a flexibilizar o isolamento — podem ser atribuídos a um punhado de habilidades femininas. “Elas são muito boas em leitura de ambientes e menos preconceituosas em relação aos sentimentos. A sensibilidade das mulheres em direcionar uma mensagem a determinado público é admirável e não têm cerimônia em lançar mão da intuição para liderar”, diz Luiz Carlos de Queirós Cabrera, da FGV Eaesp. “essas líderes possuem uma comunicação acolhedora e orientada para as pessoas, mas não por serem mulheres, pois podemos ter homens com essas mesmas características. As decisões que tomam são mais colegiadas e elas conseguem fazer isso porque não estão pressionadas a demonstrar que estão sempre no controle”, complementa Tatiana Iwai, do Insper.

 

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