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Como você pode ser um nômade digital e trabalhar de onde quiser

Matheus de Souza ensina, a partir da sua própria experiência, como não precisar de um escritório fixo.

Por Redação VOCÊ S/A
Atualizado em 24 fev 2021, 16h03 - Publicado em 7 set 2019, 06h00
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Nômades digitais: trabalhar de qualquer lugar (Unsplash/VOCÊ S/A)
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No final dos anos 70, quando se iniciou a expansão dos computadores, não era possível vislumbrar o impacto que as máquinas teriam no cotidiano das pessoas. Trabalhar remotamente, sem precisar estar todos os dias no escritório, era algo impensável.

Hoje, se realmente tiver vontade, um profissional consegue realizar suas atividades ora num coworking francês, ora num café à beira-mar na Tailândia.

É sobre essa realidade que Matheus de Souza trata em seu primeiro livro, Nômade Digital: Um Guia para Você Viver e Trabalhar Como e Onde Quiser. Formado em relações internacionais, o autor é cofundador do portal Be Freela e referência em nomadismo digital.

Com exemplos da própria trajetória, ele mostra tanto o lado bom quanto o ruim de atuar sem lugar fixo e traz dicas para quem deseja se aventurar nesse novo modelo de trabalho.

Leia, a seguir, um trecho selecionado por VOCÊ S/A.

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A contracultura do século 21

Digite #wanderlust no menu de buscas do Instagram e você encontrará mais de 70 milhões de publicações.  A palavra, que virou febre nas redes sociais — e inspiração de tatuagem para muitos millennials por aí —, tem origem na língua alemã: wander (caminhar/vagar) + lust (desejo).

Numa tradução quase literal para a língua portuguesa, podemos dizer que é o desejo de viajar. Numa tradução quase filosófica, seria o desejo incontrolável de explorar o mundo, de caminhar rumo ao desconhecido, uma espécie de saudosismo idílico por lugares nunca antes visitados e que, de algum modo, fazem parte de uma busca por si mesmo.

Todo esse hype em torno do termo wanderlust expõe, ainda que de forma figurativa, certa insatisfação mundial dos mais jovens com a relação que a sociedade tem com o trabalho. Aquele negócio de bater ponto às 9 horas e depois novamente às 18 horas, semana após semana.

Viver a mesma rotina de segunda a sexta-feira durante anos, enquanto vê sua vida passar pela janela de um escritório — ou de um automóvel, enquanto está preso num engarrafamento no caminho para a labuta. Você envelhece e acumula coisas que não consegue usufruir por falta de tempo.

Apega-se, então, ao que lhe resta: uma promessa distante e vazia de uma aposentadoria que, magicamente, resolverá todos os seus problemas. Isso, é claro, se você não morrer de infarto aos 40 anos por problemas no miocárdio relacionados ao estresse no trabalho.

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Os mais velhos, muitos dos que conheço, pelo menos, costumam chamar os millennials de mimados por buscarem essa liberdade na equação vida pessoal versus vida profissional.

Repetem frases de efeito sobre trabalho duro, bradam sobre como eram as coisas no tempo em que eram jovens, mas a verdade é que não há mérito algum em ser um workaholic. Ao contrário.

Pergunte isso ao filho de uma mãe ausente por causa do excesso de trabalho ou à viúva do executivo que infartou depois de passar anos trabalhando 12 ou mais horas por dia.

Na verdade, ao apontar o dedo para quem tenta viver uma vida diferente da imposta pela sociedade — ou melhor, para quem tenta, de fato, viver —, essas pessoas apenas despejam nos outros suas frustrações, com horas desperdiçadas em cubículos, reuniões familiares que foram trocadas por reuniões com o chefe sem noção e relacionamentos que deixaram de existir por causa das horas extras no escritório.

Julgar o outro e colocar toda uma geração dentro do mesmo saco é mais fácil do que aceitar que, sim, graças ao trabalho remoto, hoje é possível trabalhar menos e com mais qualidade. É possível viver e explorar o mundo, caminhar rumo ao desconhecido.

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É possível carregar o trabalho na mochila enquanto passeia por uma praia paradisíaca no México ou alimenta elefantes na Tailândia. E o melhor: como você verá ao longo deste livro, é possível fazer tudo isso sem precisar nascer rico ou juntar uma fortuna.

O nomadismo digital surge como a peça que encaixa perfeitamente no vazio existencial dos que utilizam a hashtag #wanderlust no Instagram, que tatuam a palavra alemã no corpo ou, metaforicamente falando, é claro, no coração. É o estilo de vida e trabalho perfeito para quem sente o tal desejo incontrolável de explorar o mundo.

Hoje, com apenas um notebook, uma boa conexão com a internet e uma fonte decente de renda, é possível viver como nômade. Não do tipo que ainda vive no calor escaldante do deserto de Omã, os beduínos, mas como nômades digitais no conforto de espaços de coworking climatizados ao redor do globo.

E não pense que essa história de wanderlust e nomadismo digital é coisa da nova geração. Embora ambos, a palavra e o estilo de vida e trabalho, tenham se popularizado há poucos anos, historicamente há vários exemplos de pessoas, famosas ou não, reais ou fictícias, que se guiaram por esse desejo incontrolável de buscar a liberdade que apenas os viajantes conhecem.

Liberdade esta que você não encontra dentro de um escritório, por mais cool que seja sua startup, e independentemente do número de pufes coloridos na sala de convivência da firma.

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Mudam os termos, mudam os nomes, mas a psicologia humana segue com os mesmos desejos e anseios.

Henry David Thoreau, famoso escritor americano, foi um desses indivíduos que, embora nunca tenha usado #wanderlust no Instagram nem tivesse um notebook para trabalhar, compartilhavam o desejo dos millennials de caminhar rumo ao desconhecido. Thoreau pode ser considerado um pensador à frente de seu tempo.

O escritor, aliás, praticava o wanderlust da forma mais literal possível. Ele era um grande adepto de longas caminhadas rumo ao desconhecido, e suas andanças por vilarejos vizinhos nunca duravam menos de 3 horas. Thoreau chegava a andar 42 quilômetros por dia sem destino.

Deixava o corpo seguir por estradas de chão batido enquanto sua mente vagueava por lugares inexplorados. Era assim que encontrava inspiração para escrever.

Quando chegava em casa após suas longas caminhadas, escrevia, escrevia e escrevia. Trabalhava pelo mesmo tempo que andara. Uma maneira, segundo ele, de “evitar as armadilhas da cultura”, o que, nos tempos atuais, pode ser interpretado de várias maneiras.

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Em 1845, aos 27 anos de idade, Thoreau mudou-se para uma floresta às margens do Lago Walden, nas proximidades de Concord, em Massachusetts. Durante dois anos, dois meses e dois dias, viveu isolado numa casinha de madeira que construiu com as próprias mãos. A ideia era, em suas palavras, “viver deliberadamente”.

Mesmo não sendo agricultor, tornou-se autossuficiente, plantando batatas e produzindo o próprio pão. Em virtude disso, Thoreau até hoje é considerado referência para ecologistas e vegetarianos.

Toda essa experiência de autoconhecimento está relatada em Walden, ou a vida nos bosques, sua obra mais famosa, (…) que serviu de inspiração para nomes como Mahatma Gandhi e Martin Luther King.

Numa de suas frases mais célebres, Thoreau diz que gostaria de “defrontar apenas com os fatos ­essenciais da existência, em vez de descobrir, à hora da morte, que não tinha vivido”.

Foi esse mesmo sentimento que me motivou, também aos 27 anos, a me demitir de meu último emprego de carteira assinada e me tornar um nômade digital.

Assim como Thoreau, declarei minha independência pessoal. O escritor nunca foi nômade, nunca saiu do seu estado, mas, indiretamente, foi um dos grandes responsáveis por me livrar das amarras conhecidas no Brasil como Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Digo indiretamente porque na época eu não havia lido uma linha sequer de seus livros. Mas, como apaixonado por tudo que envolve a contracultura, fui influenciado desde a adolescência por autores e músicos que, por sua vez, haviam sido influenciados por Thoreau em seus trabalhos.

(…)

Eu me dei conta de tudo isso durante uma epifania num café em Nimman, famoso bairro de Chiang Mai, segunda maior cidade da Tailândia e considerada a meca dos nômades digitais por seu baixo custo de vida e ótima infraestrutura.

Quando um sujeito magro feito palito, aparentando estar na casa dos 60, com uma fisionomia que lembrava a do meu pai (que, por sua vez, se assemelha ao Drauzio Varella), me pediu um T — conhecido em algumas regiões do Brasil como “benjamim” —, eu não imaginava que aquele evento corriqueiro culminaria numa das minhas melhores histórias de viagem.

Eric, o sujeito magro que aparentava estar na casa dos 60, precisava de um T, ou “benjamim”, porque dentro de meia hora teria uma reunião com um programador freelancer natural de Myanmar, pequeno país no sul da Ásia. Eric, assim como eu e minha esposa, é um nômade digital.

Isto é, ele tem liberdade geográfica para trabalhar de forma remota de onde bem entender. O mais curioso é que, aos 69 anos, Eric ganha a vida fazendo o mesmo que eu: produzindo conteúdo.

Depois de sofrer com graves problemas no joelho (sua primeira cirurgia foi em 1984), ele descobriu, durante uma viagem à China em 2014, uma joelheira tecnológica que minimiza suas dores, garantindo mais qualidade de vida — desde então, ele já fez trekking em montanhas com mais de 2 000 metros de altura.

Começou a escrever sobre isso num blog, o for-knees.com, e hoje paga suas contas — repito, aos 69 anos — com infoprodutos comercializados por meio de uma estratégia de marketing de conteúdo.


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