Brasileira, negra e CEO de multinacional: conheça Monalisa Gomes
Monalisa Gomes conta como superou adversidades pessoais, transformou os negócios da multinacional Fronius e alavancou os resultados da subsidiária no Brasil
Em 2016, Monalisa Gomes atingiu um marco que até então não era imaginável: ela se tornou a primeira mulher negra e brasileira a assumir a posição de CEO da Fronius Brasil, subsidiária da multinacional austríaca especializada em equipamentos e soluções para energia solar, carregadores, baterias e tecnologia de soldagem.
Diferentemente de muitos executivos que lideram grandes empresas, a paulistana de 37 anos cresceu na periferia, não teve acesso a uma educação de ponta, tornou-se mãe solo jovem e, em alguns momentos, precisou se impor para ganhar espaço na liderança.
Em sua estão, a organização, que emprega 102 funcionários, passou da 26a posição no ranking dos maiores mercados da companhia para o terceiro lugar, ficando atrás apenas da Alemanha e da Austrália.
Você tem uma trajetória diferente da maioria dos CEOs. Como foi seu início de carreira?
Eu sou de uma família humilde da periferia de São Paulo. Cresci em meio a todas as dificuldades, com recursos financeiros limitados, estudei em escola pública e fui mãe solo bem jovem, aos 19 anos. Mas sempre busquei muito conhecimento e inspirações, então a maternidade não me abateu. Pelo contrário, ela me trouxe uma força maior e aflorou todo aquele meu instinto de conquistar. Eu trabalho desde a adolescência, passei pela oficina de costura da minha mãe, fui vendedora em loja de shopping, trabalhei em empresas de comércio e em escritórios de contabilidade.
Como chegou até a Fronius?
Eu estava no último ano da faculdade de ciências contábeis, em 2006, e foi a realização de um sonho: sempre quis trabalhar em uma companhia multinacional. A Fronius é uma empresa que incentiva muito os colaboradores a crescer e se desenvolver, então eu consegui aplicar na prática todas as habilidades que havia aprendido na faculdade, fiz um MBA e cursos tanto na área tributária quanto de liderança. Conciliar trabalho, estudos e maternidade foi difícil, mas ao longo dos anos aprendi a ser resiliente e persistente. No segundo semestre de 2016, começou minha preparação para me tornar CEO. Fiquei seis meses no plano de sucessão junto com o antigo diretor e assumi oficialmente em 2017.
Quais foram os desafios para assumir essa posição?
Antigamente, o cargo só era ocupado por homens, e sempre austríacos. Para mim, isso era tão natural que eu nem imaginava que um brasileiro iria assumir a subsidiária. Imagine então uma mulher — ainda mais eu! Mas foram dois grandes desafios. O primeiro foi deixar de ser par de meus colegas e passar a ser líder. O segundo foi lidar com a parte comercial e a de vendas. Minha carreira foi feita na controladoria e no administrativo, então conhecia muito os processos da empresa, mas temos três unidades de negócios, incluindo solda. Esse é um ambiente bem masculino, e ali foi meu maior desafio, porque não sou engenheira. Eu não entendia nada sobre solda e estava numa posição em que tinha de tomar decisões estratégicas.
Sofreu algum tipo de preconceito?
Sempre tentei levar as coisas para o lado do bom humor, mas houve momentos em que precisei ser firme, porque às vezes, até mesmo sem querer, surgiam comentários sexistas, como “nossa, tão nova, tão bonita e já é diretora”, ou então “nossa, você viaja tanto, quem cuida dos seus filhos?”. Coisas que eu não ouviria se fosse homem. Quanto à parte técnica, sempre fui bem transparente. Quando é um assunto que não consigo resolver, levo alguém que consiga.
Então, fui criando uma estrutura diferente da que a gente tinha aqui no Brasil. Na época, o CEO também era responsável pelo comercial, e eu falei para a matriz que nós precisávamos desenvolver nossa estrutura, profissionalizar um pouco mais, colocar a empresa em uma base sólida para que pudéssemos crescer. Mas eu não podia fazer isso sozinha, porque não tenho know-how de tudo. É importante a gente reconhecer que não tem todas as habilidades e que não consegue desenvolver todas elas. Eu me fortaleço por meio do meu time.
Isso ajudou no crescimento da subsidiária brasileira?
Sim. Eu lembro que uma vez fui com o antigo diretor visitar um cliente, e ele falou que não queria trabalhar com a Fronius porque os processos não estavam estruturados, e era algo que eu também enxergava. Foi aí que a gente começou a amarrar todos os processos, a criar canais para manter o contato e a confiança com os clientes e a aumentar a presença no mercado.
Qual era o seu objetivo quando assumiu a Fronius?
Colocar a unidade do Brasil em primeiro lugar no ranking dos maiores mercados da companhia. Naquele momento parecia uma coisa intangível, e hoje já somos a terceira maior subsidiária do grupo em termos de faturamento, e nossas taxas de crescimento estão na casa dos 200% ao ano. A matriz fica surpresa quando apresentamos os planos, mas sempre conseguimos superá-los. Mesmo neste ano de crise, já superamos em 14,5% o faturamento do ano passado nos primeiros quatro meses.
Como é conduzir a empresa durante a pandemia?
Ela nos colocou em um cenário onde tudo se modifica muito rápido, e poucas empresas têm a oportunidade de entender o que está acontecendo e de se adaptar. Para mim, um dos recursos mais valiosos afetados são nossos colaboradores. Os funcionários estão com medo, há um monte de empresas demitindo. Por isso, mostramos os números da Fronius, o que está mais difícil, o que está bom e para onde estamos indo. Com essas informações as metas ficam mais claras, e eles sabem o que precisa ser feito. E existe o fator externo. O mercado está em um momento bem delicado: todo mundo quer liquidez e postergar pagamentos, mas estamos em uma cadeia. Se eu não recebo, eu não vendo e não pago.
Então, estamos trabalhando junto com os clientes para entender como flexibilizar de uma forma que não seja onerosa para nenhum dos lados. A liderança tem de ter visão global: tenho que olhar para as pessoas que estão comigo e para os parceiros. Muitos de nossos clientes são pequenas empresas, e eu preciso ter, com elas, o mesmo cuidado que tenho com o colaborador.
O que a liderança ensinou a você?
Eu aprendi a trabalhar com minha resiliência: ela pode ser a diferença entre eu alcançar minhas metas e desistir no meio do caminho. Hoje eu tenho mais consciência de que a força não vem de minha rigidez para suportar a pressão, mas de minha flexibilidade, de retornar rápido para meu estado original. Se estou confusa ou desestruturada, entendo que sou humana e acolho essa instabilidade. A partir daí me reorganizo e continuo buscando meus objetivos, reflito sobre meus erros e fracassos, compreendo meus pontos fracos e aprendo o suficiente para me adaptar à nova situação e mudar minha estratégia.
O que você leva da maternidade para o trabalho?
A empatia. Ao entender que minhas necessidades são totalmente diferentes das necessidades de meus filhos, passei a olhar para as outras pessoas assim também. Outra coisa que aprendi foi a ouvir mais. E essa é uma experiência muito estranha, porque antes eu achava que era balela esse negócio de identificar se o choro é de fome, dor ou sono. Eu achava que era tudo igual, e com minha primeira filha aprendi a identificar cada um. Aprendi a ter uma escuta ativa, a prestar atenção, e uso muito isso nas negociações.
Há ainda a questão do tempo — não pode ser tudo no meu ritmo ou de acordo com minha vontade. Não tem problema a gente ir um pouco mais devagar, desde que esteja indo na mesma direção. Não tem problema se as coisas não estão sendo feitas da forma como eu faria, desde que o que é preciso esteja sendo feito, e no tempo necessário.
Que conselho daria para quem está começando a carreira?
Tenha senso de propósito: não basta saber aonde quer chegar, mas saber por que quer isso. Enxergue os erros como oportunidades para recomeçar de maneira ainda melhor e seja flexível para aceitar as mudanças. Procure aprender mais sobre você, cultive a autoestima e a confiança. Por mais difíceis que estejam os tempos, nunca deixe de acreditar em sua capacidade de superação. E conte sempre com uma rede de apoio: todo mundo precisa de ajuda às vezes.