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Você tem autocompaixão? Faça o teste e veja como exercitá-la

Entenda por que a autocompaixão é uma boa ferramenta para avaliar seus sentimentos e ajudar você a tentar novamente depois de falhar

Por Monique Lima
Atualizado em 11 jan 2021, 12h18 - Publicado em 1 jul 2020, 14h00
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 (Ilustração: Maria Elisa Zaia/Você S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 264, em 07 de maio de 2020. 

Por muito tempo a sociedade nos convenceu a ser perfeitos. A querer alcançar sempre mais, vencer todos os desafios, trabalhar muito e ser os melhores. Claro que não há nada de errado em ter um objetivo na vida e sonhar grande. No entanto, para alcançar esse ideal — que muitas vezes parece inatingível —, algumas pessoas tendem a se criticar com dureza, se culpar quando algo dá errado ou experimentar sentimentos de vergonha ou medo.   Pesquisas psicológicas indicam que esse efeito desmoralizador não é bom, pois, em vez de servir de estímulo, atrapalha os resultados no longo prazo. A ciência sugere que se tratar com mais gentileza e ser autocompassivo é mais efetivo.

Você tem autocompaixão? Faça o teste e veja como exercitá-laPrecursora nos estudos sobre autocompaixão, Kristin Neff, que leciona psicologia educacional na Universidade do Texas, afirma que se tratar com delicadeza em um momento difícil é uma questão pragmática. “A vida e suas circunstâncias são muito complicadas para controlarmos todos os fatores externos e, além disso, as nossas reações a esses fatores”, afirma em seu livro AutocompaixãoPare de se torturar e deixe a insegurança para trás (Lúcida Letra, 44 reais).

Uma nova postura

O curioso é que costumamos enxergar a compaixão como algo positivo apenas em relação aos outros — ser sensível quando alguém está passando por uma situação difícil é sempre bem-visto. Mas, quando uma pessoa tem essa atitude consigo própria, o olhar muda. Parece que temos de ser nosso juiz mais cruel. Podemos exemplificar isso com uma cena cotidiana no mundo do trabalho.

É fim de uma reunião mensal de novos projetos de sua empresa, e um colega teve sua proposta rejeitada depois de trabalhar nela por meses. Você percebe sua tristeza e vai até lá falar com ele. Na situação hipotética, você diz que ele é um desastre e que mereceu isso por não se dedicar o suficiente? Ou o abraça e o consola com palavras de encorajamento e conforto?

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Se a segunda atitude é a mais provável, por que quando você vai mal na reunião sua postura consigo próprio é a primeira? “Existe um consenso social em tratar o outro bem, o que torna a compaixão uma habilidade comum ao convívio humano. Mas, quando envolve a nós mesmos, não é natural, não é algo ensinado em nossa cultura”, explica Karen Vogel, psicóloga e professora na instituição The School of Life.

O problema pode estar no excesso de autocrítica. A característica, por si só, é positiva, já que a usamos para corrigir falhas. Mas ela se torna uma questão quando os pensamentos depreciativos entram em espiral e viram uma ruminação constante na mente. “Essa voz crítica em nossa mente não é de todo deletéria.

Há momentos em que é importante uma chamada de atenção própria para nos colocar no eixo novamente. Porém, é preciso reconhecer os padrões mentais, analisar quanto tempo perdemos nesses julgamentos e, de maneira afetiva, reinterpretá-los”, diz Marcelo Demarzo, coordenador do curso de mindfulness da Unifesp e fundador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde.

Segundo Kristin, a maneira mais fácil de praticar a autocompaixão é tratar-se com o mesmo carinho que ofereceria a um amigo próximo. Pode parecer uma abordagem simples, porém é mais revolucionária do que aparenta — a prova está numa pesquisa da Universidade Nacional Australiana. Os estudiosos selecionaram 186 participantes e os dividiram em dois grupos. Eles precisavam escrever sobre uma experiência negativa.

A primeira turma foi orientada a fazer a carta adotando uma postura autocompassiva — e isso fez com que as pessoas ficassem com o humor mais leve e conseguissem superar as emoções negativas. A segunda turma podia escrever livremente sobre o assunto — o que levou os participantes a uma piora no humor e a ruminar os pensamentos.

Segundo Natasha Odou e Jay Brinker, psicólogos autores do estudo, esses resultados surgiram porque a autocompaixão ajuda na compreensão dos sentimentos, enquanto a autocrítica excessiva se transforma numa espécie de fuga emocional que impede o processamento dos sentimentos. E os pesquisadores ainda descobriram mais uma coisa: com apenas 10 minutos de gentileza, o primeiro grupo já estava menos angustiado.

Fim dos mitos

As pessoas se autoenganam quando acreditam que podem ser compassivas com os outros, mas não consigo mesmas. Essas características costumam ser levadas para todos os campos da vida: se você é muito exigente e autocrítico, inevitavelmente agirá assim com os outros. E isso, é claro, pode ser visto no ambiente de trabalho. “O estilo de comando de uma equipe influencia a todos. Se você tem uma postura autocompassiva, as discussões não se tornam conflitos pessoais e o clima de estresse é mais ameno, porém o contrário também é verdadeiro”, diz Marcelo.

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Numa cultura em que se prega a lógica de que, ao ser amável consigo, existe o risco de cair na permissividade, na autocomplacência e, no limite, de tornar-se um fracasso, é compreensível que as pessoas evitem o tema. Mas autocompaixão não tem nada a ver com se permitir ser uma pessoa preguiçosa. “Ser autocompassivo exige o reconhecimento da presença de um sofrimento, o que nos leva à necessidade de uma ação. Se eu apenas reconheço a angústia, minha ou do outro, e não faço nada a respeito, o nome dessa emoção é dó”, diz Karen.

Um dos maiores obstáculos à autocompaixão é a crença de que uma postura gentil prejudicará a motivação e diminuirá o esforço em fazer o melhor, mas isso, na verdade, é ser sabotador. “É usar uma desculpa, uma saída pela tangente para se enganar”, afirma Karen. A autocompaixão, na realidade, pode aumentar a motivação para dar a volta por cima. “Se você é muito crítico, num momento de falha será duro consigo mesmo, e isso dificultará uma nova tentativa, porque estará ansioso e com medo de falhar novamente”, diz Kristin. Numa postura autocompassiva o pensamento é outro: “Eu falhei, mas tudo bem. O que posso aprender com isso?”. “E então você estará realmente mais motivado, pois terá aprendido algo com aquilo e poderá tentar novamente quando se sentir preparado”, afirma.

Gentileza gera gentileza

São três os componentes da autocompaixão: a autobondade (substituição da autocrítica por palavras mais gentis); a humanidade comum (reconhecimento de que o sofrimento e o fracasso pessoal são expe­riências universais); e a atenção plena (estar presente no aqui e agora, observando as emoções negativas sem focá-las nem suprimi-las). “Basicamente, se desenvolvemos um dos componentes, os outros tendem a evoluir sozinhos”, explica Kristin.

A prática de mindfulness ajuda no progresso dos três componentes. Isso porque, nesse tipo de meditação, o foco é o pensamento, que flutua e volta para o presente. “Isso traz uma nova consideração a respeito da autocrítica, sem focar ou rejeitar. Apenas a deixamos ir com um novo pensamento”, diz Karen. Já a indicação de Marcelo é trabalhar a autobondade. “Devemos trocar a voz crítica por uma compassiva. Para isso podemos usar frases como ‘que eu esteja bem’, ‘que eu esteja feliz’, ‘que eu esteja em paz’ em qualquer momento do dia. Elas alteram áreas de nosso cérebro relacionadas ao estresse e as deixam ativadas positivamente, permitindo uma atitude mais bondosa conosco”, diz.

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O mais importante é ter em mente que a autocompaixão sempre vai estar relacionada a uma ação de autocuidado. “Pode ser exercícios de mindfulness, ir à academia, passar um tempo de qualidade com a família. Seja o que for, a autocompaixão não pode estar restrita ao nível do conhecimento. É necessário prática.” E se os resultados podem começar a ser alcançados em 10 minutos, como mostraram os pesquisadores australianos, não há motivos para não começar agora. Que tal tentar?

Você tem autocompaixão? Faça o teste e veja como exercitá-la

Descoberta poderosa

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Heloísa Bontempo | Foto: Cristiano Mariz ()

Quem trabalha em startup sabe que o ritmo pode ser acelerado. Por isso, no final de 2019, a vida de ­Heloísa Bontempo, de 34 anos, estava um caos. Gerente de marketing e comunicação da Vee Benefícios, ela vivia um momento de crescimento profissional, com mudanças nas equipes e aumento das responsabilidades. “Era uma pressão muito grande na minha cabeça, um excesso de informações com o qual eu não conseguia lidar.”

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Foi então que uma amiga lhe indicou um curso de mindfulness. “Quando eu descobri nas aulas o que era a prática de autocompaixão, foi como encontrar-me comigo novamente.” À medida que avançava, ela foi percebendo como a autocobrança e a autocrítica estavam comprometendo seu emocional. Sem forçar e livre de expectativas, começou seus exercícios.

“Eu entendi que o apoio e a força que buscava nos outros eu podia encontrar em mim mesma.” E isso refletiu em sua liderança. “Quando trato com alguém, sei que essa pessoa também tem dificuldades e desafios e está em busca de espaço.” Isolada pela quarentena causada pela pandemia do coronavírus, a diretora afirma que os exercícios de autocompaixão são sua maior força neste momento. “Hoje tenho mais firmeza para encarar novos desafios e não me culpo quando percebo que cheguei ao limite. Me dou a mão e sei que amanhã poderei tentar de novo.”

Viagem profunda

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Welma Pereira | Foto: Alexandre Battibugli ()

Por muito tempo, Welma Pereira, de 43 anos, não sabia o que era estar sozinha consigo mesma. Em 2019, quando foi à China como representante da empresa HM Engenharia, em que atua como diretora financeira, teve uma semana inteira de liberdade do escritório, dos filhos e do casamento. Ao voltar para o Brasil, sentiu-se angustiada, com um aperto no peito que não entendia. “Busquei por terapia, não adiantou. Ayurveda, não adiantou. Até medicina quântica eu tentei, e mesmo assim ainda não sabia de onde vinha a angústia”, conta.

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Até que em um curso de mindfulness, na prática de atenção plena, ela sentiu uma calma parecida com a vivenciada na viagem. “Eu vivi um encontro pessoal tão grande quando estive fora, que quando voltei já era outra pessoa, e meu corpo estava exigindo que eu respeitasse isso.” Antes, sua rotina era pautada por horas extras e cobranças. Hoje, faz meditação toda manhã e recita mentalmente as frases: “Eu sou um ser humano em busca de felicidade. Que eu esteja bem, em paz, sempre no meu coração.”

Responsável pelas áreas de tecnologia e finanças da empresa, ela tem certeza que, sem os exercícios de autocompaixão, o momento atual seria insustentável. “Se eu vivesse o que estou vivendo hoje — com as crianças em casa e as demandas da crise — no ano passado, surtaria. Agora, toda vez que algo dá errado eu paro, olho para dentro, penso no problema e em como posso melhorar. Assim me sinto em paz.”

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(Kristin Neff/Reprodução)

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