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Por dentro da mente de Elon Musk

Em nova biografia, Walter Isaacson conta bastidores da vida de bilionário – e tenta explicar de onde vem sua personalidade excêntrica.

Por Camila Barros
11 out 2023, 06h07

Por dois anos, o biógrafo americano Walter Isaacson foi a sombra de Elon Musk: acompanhou-o em reuniões e compromissos de trabalho, bisbilhotou mensagens de texto, entrevistou dezenas de seus conhecidos. E esteve nos bastidores durante momentos-chave da vida de Musk nos últimos anos – como a compra do Twitter, em 2022, e o lançamento malsucedido do foguete Starship, da SpaceX, em abril deste ano.   

Em sua nova obra, Isaacson busca traçar um perfil do empresário, coletando elementos de seu passado que ajudam a explicar o presente. 

O que temos é o seguinte: o comportamento de Elon Musk não é caótico apenas no Twitter. Pessoas próximas a ele aprendem a navegar por seu humor turbulento. Grimes, cantora pop e ex-parceira de Musk, diz que ele transita entre “diversas mentes e muitas personalidades”. Ela chama seu lado mais impulsivo e irritadiço de “modo demoníaco”.

Para Isaacson, a chave para entender a personalidade de Musk é olhar para sua infância, marcada por severas repressões do pai e bullying dos colegas. Ali, diz o autor, ele se tornou “um menino bravo mas vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas”. Nessa megalomania, Musk acabou à frente de seis empresas de tecnologia, todas com objetivos ambiciosos: Tesla (liderar a transição energética), SpaceX (levar os humanos a Marte), The Boring Company (solucionar o trânsito), Neuralink (implantar chips nos neurônios), Twitter (agora X, e que ele pretende transformar num “super app”, com serviços bancários incluídos) e a X.AI, cuja missão oficial é “entender a verdadeira natureza do Universo”.  

O trecho a seguir detalha conflitos internos durante os primeiros momentos de Musk como dono do Twitter, no final do ano passado. Ali, a equipe enfrentava crises simultâneas: a fuga em massa de anunciantes e a implantação desastrada do Twitter Blue. Isaacson usa a definição de Grimes e diz que, naquele momento, Musk entrou em “modo demoníaco”. Veja.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Capítulo  86

Contas verificadas – Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022

Termonuclear

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Yoel Roth [chefe do departamento de segurança do Twitter] e a maior parte da equipe de moderação de conteúdo sobreviveram à primeira rodada de demissões. Tendo em vista a batalha contra campanhas racistas coordenadas por trolls e a revolta entre os anunciantes, parecia prudente não dizimar aquela equipe logo de cara. 

(…)

Os anunciantes estavam se afastando havia uma semana, mas na sexta-feira, 4 de novembro, o fluxo do êxodo estava mais rápido. Em parte, o motivo era um boicote liderado por ativistas que estavam incitando as empresas, como a Oreo, a retirar os anúncios. Musk ameaçou ir atrás de anunciantes que tivessem cedido à pressão. “Vamos dar nomes & envergonhar* as empresas em nível termonuclear se isso continuar”, tuitou.

Naquela noite, Musk entrou no modo demoníaco. A maior parte das pessoas no Twitter, inclusive Roth, já o tinha visto agir de modo arbitrário e insensível de vez em quando, mas eles ainda não haviam sido expostos à fúria fria da persona mais sombria dele em um dos seus transes (…). 

Ele chamou Roth e deu ordem para que ele impedisse os usuários de pedir aos anunciantes um boicote ao Twitter. Isso, evidentemente, não se alinhava com a lealdade que ele professava ter pela liberdade de expressão, mas a fúria de Musk faz com que ele assuma uma retidão moral capaz de se livrar de inconsistências. “O Twitter é uma coisa boa”, disse Musk para Roth. “É moralmente certo que ele exista. Essas pessoas estão fazendo algo imoral.” (…)

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Roth ficou chocado. Não havia regras no Twitter contra a defesa de boicotes. (…)  Além disso, havia o efeito Barbra Streisand, batizado em homenagem à cantora que processou um fotógrafo por postar uma foto da casa dela, o que levou a foto a receber uma atenção milhares de vezes maior. Banir tuítes que pediam por um boicote de anunciantes ia chamar a atenção para o boicote. (…)

Depois de mandar algumas mensagens, Musk ligou para Roth. “É injusto”, falou ele. “É chantagem.”

(…) A conversa durou quinze minutos e não foi boa. Depois de Roth defender seu ponto de vista, Musk começou a falar rápido, e ficou evidente que não queria objeções. Ele não ergueu a voz, o que dava à raiva dele um aspecto ainda mais ameaçador. (…)

“Estou mudando as regras do Twitter neste instante”, declarou Musk. “Chantagem passa a ser proibida neste momento. Acabe com isso. Remova essas contas.”

“Vou ver o que eu consigo descobrir”, disse Roth a Musk. Roth estava tentando ganhar tempo. (…)

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Roth ligou para Robin Wheeler, que tinha pedido demissão do cargo de diretora comercial do Twitter e havia sido convencida por Musk e Jared Birchall a voltar. (…)

Banir tuítes que pediam por um boicote de anunciantes ia chamar a atenção para o boicote.

“Não faça nada”, [Wheeler] recomendou a Roth. “Vou mandar uma mensagem para o Elon também, para que ele ouça a mesma coisa de várias pessoas.”

A próxima mensagem que Roth recebeu de Musk foi uma pergunta sobre um assunto bem diferente: o que estava acontecendo com as eleições no Brasil? “De repente, ele e eu estávamos interagindo normalmente de novo, ele me perguntando coisas e eu respondendo”, conta Roth. Musk tinha saído do modo demoníaco. A cabeça dele tinha passado para outros assuntos, e ele nunca mais mencionou o boicote de anunciantes nem pediu para saber se as ordens que dera tinham sido cumpridas.

(…) Posteriormente, Roth descreveu o episódio numa conversa com Birchall [gerente de patrimônio de Musk]. “Sim, sim, sim”, disse Birchall a ele. “Isso acontece com o Elon. É só ignorar e não fazer o que ele mandar. Depois, volte quando ele tiver processado o que as pessoas disseram.”

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Contas verificadas com selo azul

Assinaturas eram uma parte fundamental dos planos de Musk para o Twitter. Ele chamou o projeto de Twitter Blue. Já existiam selos azuis para indicar contas verificadas, selos estes disponibilizados para celebridades e autoridades que passavam por um processo (ou mexiam os pauzinhos) para fazer com que o Twitter os visse como significativos o suficiente. A ideia de Musk era criar uma marca de verificação para qualquer um disposto a pagar uma taxa mensal. (…)

O Twitter Blue serviria a muitos propósitos. Primeiro, ajudaria a acabar com as fábricas de trolls e os exércitos de bots, já que seria permitida apenas uma conta verificada por número de cartão de crédito e celular. Em segundo lugar, seria uma nova fonte de renda. Isso também incluiria no sistema informações sobre o cartão de crédito do usuário, possibilitando que o Twitter um dia se tornasse a plataforma de serviços financeiros e pagamentos mais ampla que Musk vislumbrava. Além disso, também poderia ajudar a resolver problemas de discurso de ódio e fraudes.

Musk pediu que o novo sistema estivesse pronto no dia 7 de novembro, segunda-feira. Eles conseguiram concluir a parte de engenharia, mas antes mesmo do lançamento perceberam que havia um problema humano: milhares de engraçadinhos (…) estariam em busca de meios para burlar o sistema de verificação, conseguir um selo e depois modificar os respectivos perfis para fingir ser outra pessoa. Roth apresentou um memorando de sete páginas no qual descrevia os perigos. Ele pediu que a nova funcionalidade fosse adiada para pelo menos depois das eleições legislativas de 8 de novembro nos Estados Unidos.

Às vezes crises dão energia a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela vez.

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Musk compreendeu a questão e concordou com um adiamento de dois dias. Ele reuniu a gerente de produtos, Esther Crawford, e vinte engenheiros (…) para enfatizar a importância de impedir que as pessoas manipulassem o Twitter Blue. “Vai haver um ataque gigantesco”, alertou ele. “Vai haver uma enxurrada de gente ruim testando as defesas. Eles vão tentar fingir que são Elon Musk e outras pessoas e depois procurar a imprensa, que vai querer nos destruir.” (…)

Um problema é que isso exigiria, além de linhas de código, atuação de humanos. Musk tinha demitido 50% da equipe e 80% dos terceirizados que verificavam os usuários. (…)

Quando o Twitter Blue entrou em funcionamento na manhã de quarta-feira, 9 de novembro, o problema de usuários se passando por outras pessoas foi tão grave quanto Musk e Roth tinham temido. Houve um tsunami de contas falsas com selos de verificação fingindo ser políticos famosos e, pior ainda, grandes anunciantes. Um deles, fingindo ser a farmacêutica Eli Lilly, tuitou: “Estamos felizes em anunciar que a partir de agora a insulina será gratuita”. O preço das ações da empresa caiu mais de 4% em uma hora. (…)

Por algumas horas, Musk continuou insistindo, criando novas regras e fazendo ameaças aos impostores. Entretanto, no dia seguinte, ele decidiu suspender todo o experimento do Twitter Blue por algumas semanas.

Volta ao trabalho

À medida que o lançamento do Twitter Blue se transformava num desastre nível Hindenburg, Musk entrou no modo crise. Às vezes crises dão energia a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela vez. Na quarta e na quinta-feira ele ficou sombrio, irritado, ressentido e grosseiro.

Parte disso era por causa da situação financeira — cada vez pior — do Twitter. (…) Além da redução das receitas de publicidade, a empresa precisava pagar os juros de uma dívida de mais de 12 bilhões de dólares. “Esse é um dos quadros financeiros mais apavorantes que eu já vi”, disse Musk. “Acho que podemos ter um déficit de mais de 2 bilhões de dólares ano que vem.” Para poder virar o jogo no Twitter, ele vendeu mais de 4 bilhões de dólares em ações da Tesla.

(…) Como já tinha feito antes na Tesla e na SpaceX, e inclusive na Neuralink, ele ameaçou fechar a empresa, até mesmo declarar falência, se as coisas não melhorassem. 

Para ter sucesso seria necessária uma mudança completa na cultura suave, tranquila e boazinha da empresa. “A estrada que temos pela frente é árdua e vai exigir trabalho intenso.”

Acima de tudo, isso significava reverter a política do Twitter, anunciada por Jack Dorsey no começo da pandemia e reafirmada por Parag Agrawal em 2022, de que os funcionários poderiam trabalhar de casa para sempre. “O trabalho remoto não é mais permitido”, declarou Musk. “A partir de amanhã, todos precisam estar no escritório por pelo menos quarenta horas por semana.”

A nova política era parcialmente motivada pela crença de Musk de que, com todos juntos no escritório, o fluxo de ideias e de energia era facilitado. (…) Mas a política também resultava da ética de trabalho pessoal de Musk. Quando um dos funcionários na reunião perguntou por que era preciso ir ao escritório se a maior parte das pessoas com quem eles interagiam estava em outras cidades, Musk se irritou. “Vou ser absolutamente claro”, começou ele, falando devagar e sem alterar o tom de voz. (…) “Se você pode ir trabalhar no escritório e não aparece, sua demissão foi aceita. Ponto final.”

*A expressão original é name & shame, com “e” comercial mesmo (nota da redação).

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(Arte/Você S/A)
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