Funcionária grávida perde gêmeas após ser proibida de deixar a empresa para dar à luz
Gestante trabalhava em frigorífico da BRF, entrou em trabalho de parto mas não pôde deixar a empresa “para não atrapalhar o funcionamento da linha de produção”

Em abril de 2024, na cidade mato-grossense de Lucas do Rio Verde, a 360 km de Cuiabá, uma mulher grávida teve que dar à luz a suas filhas gêmeas na portaria do frigorífico onde trabalhava depois que a empresa a impediu de deixar o posto. As bebês morreram poucos minutos depois do parto.
O caso ganhou repercussão agora, depois da sentença ter sido publicada no final de junho: a BRF, multinacional do setor alimentício, foi condenada a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais, além de verbas rescisórias. A BRF discorda da decisão e tenta diminuir o valor da multa.
O que aconteceu
Uma funcionária venezuelana de um frigorífico da BRF no interior do Mato Grosso perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto e ser impedida de deixar o setor. Ela estava grávida de oito meses e começou a passar mal no início do expediente, com sintomas como dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar.
Ela procurou o supervisor da unidade, mas teve a sua saída negada para não atrapalhar o funcionamento da linha de produção. De acordo com os relatos do processo, a trabalhadora deixou a empresa por conta própria e se sentou em um banco próximo, na entrada da empresa, onde deu à luz às gêmeas, que morreram minutos depois.
Depois de cumprir a licença-maternidade, foi protocolado um pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho. A rescisão indireta é uma ferramenta assegurada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e funciona como uma justa causa reversa – quando o funcionário considera que o empregador cometeu uma falta grave, ele pode pedir o encerramento de seu contrato.
A decisão da justiça
Semanas atrás, a BRF foi condenada a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais a sua ex-funcionária. O juiz do caso também determinou que a empresa vai ter de pagar as multas rescisórias do contrato encerrado por rescisão indireta. Ou seja, a trabalhadora terá direito ao pagamento de aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego.
Segundo a decisão judicial, a empresa negligenciou o estado de saúde da funcionária, que, mesmo com oito meses de gestação, continuou sendo mantida em sua rotina de trabalho.
Documentos do processo mostram que o frigorífico tinha conhecimento da gravidez e havia realocado a funcionária para um setor considerado compatível com sua condição de gestante.
A empresa contestou a decisão, alegando que o parto teria acontecido em área pública e que a funcionária teria recusado atendimento médico interno.
Contradizendo as afirmações da BRF, os enfermeiros e técnicos de saúde que estavam de plantão na empresa disseram que não foram acionados e informados da situação e que os protocolos de atendimentos não foram seguidos no dia.
A defesa também apresentou as imagens das câmeras internas da empresa, comprovando que o parto ocorreu dentro das dependências do frigorífico e não em área pública, como havia sido inicialmente alegado.
Uma apuração feita pelo G1 mostrou que o supervisor citado na decisão já havia sido denunciado por outras duas trabalhadoras gestantes por assédio moral no ambiente de trabalho.
“A autora pediu ajuda. Estava em sofrimento evidente e no oitavo mês de gestação de gêmeas”, afirmou o juiz Fernando Galisteu na sentença, concluindo que a empresa foi “omissa e negligente ao não providenciar atendimento médico com a agilidade necessária”.
A BRF recorreu da decisão, pedindo a redução do valor da indenização. O processo ainda está em andamento.