Continua após publicidade

Nubank arriscou dinheiro de clientes ao colocar debêntures da Americanas (AMER3) em fundo para reserva de emergência

Fundo Reserva Imediata tem 1,3 milhão de investidores e investimento mínimo de R$ 1. Agora, virou exemplo de "deseducação" financeira.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 17 jan 2023, 11h13 - Publicado em 16 jan 2023, 12h35

Todo dia alguém da Faria Lima diz que o brasileiro precisa de mais educação financeira, e que deixar o dinheiro na poupança é quase um crime lesa-pátria. Ok. Só que muitas vezes o próprio mercado financeiro se encarrega de espantar novos investidores.

Há um ano, o Nubank (NUBR33) lançou o Reserva Imediata, um fundo de investimento vendido como uma opção para colocar a reserva de emergência. O aporte mínimo era de R$ 1, e a liquidez era diária. Ou seja: precisou do dinheiro, resgatou no mesmo dia. 

Com isso, o Reserva Imediata se tornou o maior fundo de renda fixa do país em investidores, com 1,3 milhão de investidores. O patrimônio líquido soma R$ 2,5 bilhões. O movimento foi acelerado depois que o banco digital acabou com a remuneração diária do dinheiro deixado na conta. Aí o Nubank passou a oferecer o fundo de maneira ainda mais proativa dentro das chamadas “caixinhas”.  

Compartilhe essa matéria via:

Só que a história de ser um fundo de reserva de emergência era uma meia verdade, e isso veio à tona com o escândalo da Americanas (AMER3).

Continua após a publicidade

De acordo com o regulamento, o fundo do Nubank precisa manter 50% do seu portfólio em títulos públicos, tipo Tesouro Selic. A outra metade da carteira poderia ser alocada em títulos privados, como são as debêntures. A condição é que eles tivessem remuneração atrelada ao CDI, ou seja, fossem pós-fixados.

Isso o Nubank sempre deixou claro aos investidores, é bom dizer. 

O banco também dizia (e continua dizendo em publicações de seu  blog), que a carteira é composta por ativos “bastante estáveis” e de baixo risco. Quem atesta isso é o rating das agências do tipo S&P, Moody’s ou Fitch, por exemplo. Tudo dentro da regra do jogo. 

Só que existe um motivo para títulos privados não se prestarem à reserva de emergência: eles não têm liquidez diária.

Continua após a publicidade

Uma dívida de empresa tem data de vencimento – dois, quatro, seis, oito anos, não importa. O que importa é: se você compra esse papel, precisa carregar até o final. Não dá para desistir de dar o crédito para a companhia e pedir o dinheiro de volta.

O que dá para fazer é tentar encontrar outro investidor disposto a comprar de você. Isso é chamado de mercado secundário. 

Nos títulos públicos, o próprio governo se encarrega desse papel. Já o mercado secundário de dívida privada é quase nulo. E isso significa que é muito mais difícil se desfazer de uma debênture – qualquer uma.

Se o fundo sofre uma onda de resgates, terá de achar um comprador para as debêntures a toque de caixa. Significaria liquidar o papel a um valor mais baixo.

Continua após a publicidade

A possibilidade de que isso aconteça é quase nula – a parte aplicada em títulos públicos pós-fixados tende a grande o bastante para dar conta do ritmo normal de saques. Ainda assim, depois será preciso vender as debêntures para reequilibrar o portfólio.

Por isso, não é comum que fundos que se vendam como “bons para reserva de emergência” carreguem tal risco. O normal é que eles tenham basicamente tudo investido em títulos públicos. Os que contêm debêntures precisam deixar claro que embutem algum risco, ou seja, que o cliente pode eventualmente perder dinheiro.

A ideia fundamental da reserva de emergência é que o dinheiro renda um cascalho mínimo faça chuva, faça sol. E que ele não sofre oscilações de mercado. Justamente para que você não resgate a grana no prejuízo se bater uma emergência.

O caso da Americanas, claro, é extremo. O risco da dívida da empresa foi subestimado pelo mercado.  O Nubank não tinha como saber disso de antemão. 

Continua após a publicidade

 

A falha, aqui, foi induzir o investidor a erro ao afirmar que a liquidez diária do fundo automaticamente transformava o produto em uma reserva de emergência.

Aqui: “por ser um investimento com risco mais baixo e resgate em no máximo um dia útil, ele pode inclusive ser uma opção para guardar uma reserva de emergência – aquele dinheiro que você pode precisar de repente para cobrir um imprevisto. Essa quantia precisa ser investida em um lugar com acesso rápido”. 

Continua após a publicidade

A VC S/A perguntou ao Nubank porque esse produto foi vendido como reserva de emergência. A resposta foi a seguinte: “A Nu Asset Management, gestora de fundos de investimentos do Nubank, esclarece que o fundo de renda fixa “Nu Reserva Imediata” possui estratégia desenhada para ser uma opção de baixo risco e altíssima liquidez, e busca performance acima do CDI ao longo do tempo”. O banco disse ainda que a estratégia é a mesma de “dezenas de fundos no mercado com o mesmo perfil”. “A pequena parcela de investimento em debêntures das Lojas Americanas, historicamente avaliada como Triple A por diferentes casas de rating, já foi revista pela Nu Asset Management”, completou o banco, em nota.

O Nubank também afirma nas suas redes que esse fundo é uma porta de entrada para o mundo dos investimentos. Desde a sua criação, em 2013, o banco digital se orgulha de ter aposentado a porta giratória das agências bancárias. Talvez hoje ele tenha recriado.

Investidores perderam dinheiro destinado a reserva de emergência: a queda em um único dia foi de 0,75% – digna de renda variável. Ao transformar qualquer renda fixa, mesmo aquelas que embutem risco, em reserva de emergência, o Nubank contribui para afastar quem estava aprendendo a buscar alternativas de investimento. Um tiro no pé.

Gráfico queda do fundo do Nubank, que investia em debêntures da Americanas
(Reprodução/Reprodução)
Publicidade